JÚLIO BUENO

O poeta que adotou Muzambinho e suas escolas: Júlio Bueno

            Hoje se fala que os fundadores do Lyceu foram dr. Fernando Avelino Correa, prof. Júlio Bueno e Cel. Navarro. Não formaram também, uma “direção colegiada”, conforme dizem historiógrafos da atualidade[1].

            Está certo que entre os primeiros professores esteve a figura célebre de Júlio Bueno. Célebre pois está cercada de muitas histórias, próprias dos literatos.
            A presença de Júlio Bueno é muito destacada por Soares, por ele ter sido outro filho de Campanha[2] a vir para Muzambinho:
Teve [Dr. Fernando Avelino Corrêa] por companheiro de cruzada educativa em Muzambinho, de início, um outro ilustre campanhense, o terceiro em Muzambinho, senhor de uma exuberante mentalidade: o professor Júlio Bueno. A história deste é singela, modesta como a personalidade que a motivo em vida, que, se fosse um “profiteur” de situações, belos cargos teria conquistado. No entanto,  sua humildade o inibiu de aceitá-los, ainda que os merecessem religiosamente.
           Na cidade de Campanha, cuja isotérmica cultural produziu adamantinas inteligências, pelo que conquistou o cognome de “Atenas Sul Mineira”, nasceu Julio Bueno a vinte e cinco de Agosto de 1864. Moço modesto, pacato, retraído, tinha dentro em si o insopitável desejo de instruir-se e um grande obstáculo a superar – a sua pobreza, a falta de meios pecuniários. Mas se esta era assoberbante, maior o foi a sua vontade férrea. Depois de rábida porfia, conseguiu os títulos de professor normalista e o de engenheiro agrônomo, galardões conquistados brilhantemente.
           Campanha, por esse tempo, porejava um acendrado entusiasmo pela causa abolicionista. Julio Bueno, arrastado pelos ideais de fraternidade humana, encandilados no seu coração bem formado, formou-se, resoluto, ao lado da falange que se batia pela abolição e pelo advento da República. (....)
           Júlio Bueno, depois de publicar um acatado compêndio de música, quando professor da Escola Normal de Campanha, (antiga) e o “Almanaque de Campanha”, teve que atender a um convite da Câmara Municipal de Muzambinho, onde foi um dos fundadores do Liceu Municipal. (1902) Pois em Campanha, a Escola Normal fora suprimida pelo Governo de Minas e posto em disponibilidade os seus lentes. (...) (SOARES, 1940)
O prof. Júlio Bueno, nasceu em campanha em 1864, cursou a escola normal, o curso de agronomia em Campanha junto com Salathiel. Manteve em campanha a Pensão Bueno, e, foi historiador da cidade.


Júlio Bueno (foto da Galeria de Diretores da Escola Estadual Prof. Salatiel de Almeida)

Dedicou quase toda sua vida ao ensino, ensinando em Campanha inicialmente, depois durante 23 anos em Muzambinho como professor do Grupo Escolar “Cesário Coimbra”, do Lyceu Municipal e da Escola Normal, depois mudou para Ayuroca onde foi diretor, depois voltou para campanha para dar aula na segunda Escola Normal oficial e como diretor do Grupo Escolar de Campanha[3] durante três anos (1925-1928). “tendo imanado todo sua afanosa existência como professor aposentado”  da Escola Normal de Campanha[4]. (O Muzambinhense – 14/06/1936). Em 1936, falece Mário Lima, fundador da Cadeira 32 da Academia Mineira de Letras, que tem como patrono Marquês de Sapucaí. Júlio Bueno é indicado para a cadeira, mas falece poucos dias antes de assumi-la (a cadeira é assumida por Heli Menegale).[5] Foi considerado grande autor e consagrado jornalista, com inúmeras publicações.
Talento de escol, inteligência fulgida, Júlio Bueno tinha igualmente grande preparo [ilegível] e vastos conhecimentos de História e Geografia.
           A imprensa desta e doutras localidades, nos quais exerceu sua nobre profissão de educador emérito que era, empresou sempre Julio Bueno o fulgor do seu saber e o fulgor da sua pena adamantina.
           O morto ilustre deixou várias obras atestados vivos de seu grande amor às artes e às letras, dentre as quais lembramo-nos da seguintes: “Notas e Fábulas”, “Almanaque da Campanha”, “Compendio de Música”, “Discursos e Conferências” e a magnífica conferência literária “As Aves”, proferida há anos no “Liceu Municipal”.[6]
           Membro do “Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais”, jornalista e escritor distinto candidatou-se a vaga na Academia Mineira de Letras, cadeira 42, patrono Márquez de Sapucahy. (...)
           Modesto em excesso, carinhoso e bom tinha o venerando professor vasto círculo de relações em todo o Sul de Minas, que perdeu, com a sua morte, mui sentida, um nobre e luminoso espírito.
           Alma sem arestas, coração boníssimo, Júlio Bueno tinha amigos dedicados nesta nossa modesta tenda de trabalho, que, saudosos das suas palestras alegres e instrutivas, pedem ao eterno que lhe proporcione na mansão dos justos, sossego e paz perenes. (O Muzambinhense – 14/06/1936)

Às 6h30 do dia 4 de junho de 1936, faleceu “grande e dedicado propulsor do ensino em nosso estado”, Júlio Bueno. Deixou com viúva a D. Almerinda Brandão Bueno, de família de Botelhos, e filhos Moacir Bueno, ex-diretor de “O Muzambinhense”, escrivão e coletor federal, casado com D. Petronilha Introcaso Bueno, diretora do Grupo Escolar “Cesário Coimbra”; dr. Wagner Brandão Bueno, juiz de Campos Gerais, casado com d. Emerenciana Prado Bueno; Elza, Alda e Walkíria, normalistas; Ysolda, professoranda; Lavínia e Maria Isabel menores.
Nosso mestre e nosso amigo, conquistando-nos o respeito e a admiração, pela inexcedível cordialidade de seu trato supinamente brando e cavalheiresco. (...) brilhante inteligência e invulgar mérito, se esforçou por exceder, num auto desafio, às suas pequenas virtudes de coração e caráter que lhe facultou destacado lugar no meio social, onde sempre se soube conduzir com elegância moral. (...) o mérito inexcedível da sinceridade (...) lembrança da atuação de Júlio Bueno no departamento de instrução em Muzambinho, onde, ao lado de uma plêiade de denodados educacionistas, a fronte dos quais se destaca como um símbolo de abnegação, energia, tenacidade e inteligência, o vulto de Salathiel de Almeida, ideou e realizou a criação do então “Lyceu Municipal” – tradicional educandário que, ainda, aí esta elevado à categoria de Ginásio oficial do estado.
           E justo, pois, que a alma muzambinhense se confraja dolorosamente machucada com o passamento de Júlio Bueno, em que perde um grande amigo e um intemerato prougnador de seus alevantados ideais de civismo e cultura.
A legendária cidade de Campanha, ao receber no seio maternal de sua terra os despojos morais de Júlio Bueno, não está só na dor e no pranto, eis que, a seu lado, a alma Muzambinhense, coberta de crepe e tomada de profunda mágoa, soluçante e aflita, se ajoelha ante ao túmulo de seu grande amigo e desvelado filho adotivo. (Salles Navarro - O Muzambinhense – 14/06/1936)


            Um dos livros de Júlio Bueno fala da História de Campanha. Outro livro, muito interessante é “Discursos e Conferências”. Neste livro ele transcreve 7 conferências que fez:
Conferências:
1. GLORIA IN EXELSIS DEO – Discurso pronunciado por ocasião de ser inaugurado o Lyceu Municipal de Muzambinho, em 1902.
2. Pronunciado por ocasião da inauguração da estrada de ferro em Muzambinho.
3. AS AVES – Realizada no Lyceu Municipal de Muzambinho, oferecida ao ilustre Presidente de  Minas, Dr. João Pinheiro da Silva.
4. Pronunciado na sessão solene realizada no dia 7 de Dezembro de 1913, paraninfando a 4ª turma de professorandas da Escola Normal de Muzambinho.
5. UMA TRINDADE DE GENIOS – Conferência realizada a 11 de Setembro de 1909 no Lyceu Municipal de Muzambinho.
6. DANTE – Proferida no Teatro “Bernardo Guimarães”, de Muzambinho, por ocasião do 6º Centenário de Dante Alighieri, a 14 de Setembro de 1921.
7. Discurso de aniversário do Lyceu Municipal de Muzambinho.
8. Discurso proferido no Grupo “Cesário Coimbra” no dia 7 de setembro de 1922.
(BUENO, 1923)

Transcrevemos alguns trechos da primeira conferência, que foi feita em 1902, por ocasião da inauguração do Lyceu:
Hoje, nesta data solene do centenário e Vitor Hugo, a mais poderosa celebração literária do século 19, nós não poderíamos prestar-lhe maior homenagem, render-lhe mais ardente culto do que inaugurando um Lyceu, onde o seu espírito vai saturar de luz a alma cândida da mocidade deste lugar. (..)
           E não há por certo mais bela [ação meritória] e melhor do que a que acaba de realizar a Câmara Municipal, criando este Lyceu. (...)
           Foi em uma escola em Gênova que Colombo aprendeu Geografia, cujo conhecimento aclarou no seu espírito  concepção vaga de Atlântida, essa terra de legendas populares de que Dante se ocupa na Divina Comédia. (...)
           Eis, meus senhores, o papel brilhante a que pode atingir uma escola, a que póde atingir este estabelecimento cuja realização deve esta cidade à Câmara Municipal, composta de patriotas animados dos mais elevados intuitos, impulsionados pelo pensamento nobre de preparar a mocidade a quem dentro em breve serão confiados os destinos de Muzambinho, deste risonho recanto de Minas, onde a natureza se esmerou em dádivas do mais subido valor. (...)
           Eu , pois, o mais obscuro membro do corpo docente este Lyceu, tão promissor de messes opulentas, venho cheio de júbilo hoje saudar, em meu nome e em nome do corpo docente, o povo de Muzambinho, aqui representados por sua Câmara Municipal, à frente da qual se acha o meu velho amigo e mestre querido, Coronel Francisco Navarro de Moraes Salles, o incansável propugnador do progresso do município. (...)
           De envolta com esta saudação dirijo ao ilustre presidente da Câmara os meus agradecimentos pelo honroso convite para professor neste estabelecimento. Para corresponder a essa prova de confiança, que muito me penhora, eu prometo-vos esforçar-me no desempenho da honrosíssima tarefa que me foi destinada. Antes determinar, felicito-vos a todos desta bela cidade: pela vossa Câmara, corporação em cujo seio se aninham as mais alevantadas aspirações de progresso; pela vossa imprensa, aríete poderoso a que nada resiste, vencendo as mais das vezes o erro e a ignorância, trazendo em si o remédio contra os poucos males que pode produzir, pela vossa banda musical; pelos vossos juízes; pelos vossos advogados e pelo vosso promotor de justiça; pelos vossos professores primários; pelos vossos médicos e pelos vossos farmacêuticos; pelo vosso Clube Literário; pelo vosso cura, o bom vigário Esaú; pelos vossos agricultores, industriais, comerciantes e funcionários públicos.
Felicito-vos, finalmente pelas vossas ricas florestas, pelas vossas graciosas montanhas, pelas vossas águas cristalinas, pelos vossos vales uberrimos, pela doce alegria de vossos filhos, pela angélica pureza de vossas filhas, pela bondade de vossas mães, pelos carinhos de vossas irmãs, pelos cuidados extremosos de vossas esposas. (...)
           Este gloria eterno ouvimo-lo no ciciar da brisa que brinca nestas colinas; ouvimo-lo no gorgeio das vossas aves; ouvimo-lo na voz possante de vossas cachoeiras cuja força há de em breve ser empregada para trazer ao seio da cidade um foco de luz e um novo influxo de progresso.
           Nesse dia, que não vem longe, este Lyceu será mantido pelos reditos da luz elétrica e então a divisa de Muzambinho poderá ser com muita propriedade: LUX A LUCE. (BUENO, 1923)
           
            No jornal do dia 3 de outubro de 1937, por ocasião do fechamento do Ginásio pelo governador Valladares, o prof. Júlio Bueno é lembrado em seu discurso inaugural, Gloria in Excelsis Deo, e sua frase de encerramento LUX A LUCE é relembrada. É a forma de mostrar o pesar pelo fechamento do Ginásio, uma homenagem ao prof. Júlio Bueno, que fez o discurso de inauguração.
           
            Uma das características de Júlio Bueno era o ufanismo. Ele acreditava ser a escola a arca salvadora da humanidade: “Sede estudiosos, sede bons, para serdes brasileiros dignos, dignos deste glorioso título.” (BUENO, 1923).
            A sua cultura foi tão destacada que, quando Frutuoso Santos, presidente do Grêmio “Salatiel de Almeida” enviou o telegrama pelo falecimento do poeta, ele se referiu ao “boníssimo e culto pedagogo” (O Muzambinhense – 14/06/1936). Nas edições seguintes à sua morte, os redatores d’O Muzambinhense publicaram algumas de suas crônicas.
            Soares destaca a importância de Júlio Bueno para o Lyceu
Para a realização honesta, profícua e inteligente dos programas tanto do Liceu como o da Escola Normal, Salatiel de Almeida, desde as primeiras aulas desses estabelecimentos, sempre contou com a intervenção de notáveis e ótimos professores, JÚLIO BUENO, por exemplo, foi um dos professores mais brilhantes do Liceu Municipal desde a sua fundação, ao qual emprestou o melhor de suas energias no sentido do progresso dessa soberba casa de ensino, durante 23 anos.(SOARES, 1940)






[1] Na Galeria de ex-diretores da EE Prof. Salatiel de Almeida, aparecem as fotos de Júlio Bueno, Dr. Fernando Avelino Correa e Cel. Navarro como fundadores. Se isso fosse, deveriam considerar Salatiel de Almeida e Wladimir Mattos também como fundadores. O último, sequer é citado na historia oficial da escola. “Prof. Júlio Bueno, Fernando Avelino Correa, Cel. Francisco Navarro Moraes Salles – Os dirigentes acima foram os fundadores do Colégio Lyceu Muzambinho em 26 de Setembro de 1901 e numa ação colegiada estiveram à frente da instituição até 1904.” (A Folha Regional – 29/09/2001) Sobre isso pode-se consultar o capítulo 3 para maiores detalhes.
[2] Uma das epígrafes do livro de Soares (1940) é: “Falar da história de Muzambinho é, de algum modo, evocar Cabo Verde e Campanha!...”, referindo-se as cidades “mãe” (Cabo Verde) e “bisavó” (Campanha), de Muzambinho. A “avó”, Caldas, não tem muita influência sobre a história oficial do município.
[3] A Escola Normal onde Júlio Bueno lecionou é a segunda escola normal. No prédio da antiga escola foi instalado o Grupo Escolar, mais tarde Escola Estadual Zoroastro de Oliveira. Júlio Bueno foi de 24/01/1925 a 1928 diretor deste Grupo Escolar. Informações do site: http://www.berin.com.br/releases/roberto.htm acessado em janeiro de 2006.
[4] Deve-se ressaltar que Júlio Bueno foi um dos dois únicos professores que lecionou na antiga e na nova Escola Normal de Campanha, isso, antes e depois de sua estada de 23 anos em Muzambinho. O outro foi Francisco Lentz de Araújo. Informações no site: http://www.berin.com.br/releases/roberto.htm acessado em janeiro de 2006.
[5] Sobre a Academia Mineira de Letras e seus membros, fundadores e patronos (“imortais”) veja: http://www.academiamineiradeletras.org.br/patronos.htm acessado em janeiro de 2006.
[6] Entre as suas obras, o livro “Discusos e Conferências” aponta:  “Obras do mesmo autor: Compendio de Música, Almanach de Campanha, Limites entre S. Paulo e Minas, Notas e Fábulas, Discursos e Conferências, As Aves (Conferência), As Aves do Brasil (livros didáticos), A Catedral (História), Um Caso de Consciência (Drama, tradução), Novos e Velhos (Literatura e Política).” (BUENO, 1923). “As Aves” e “Novos e Velhos” fazem parte do catálogo de obras da UFSC.