O impeachment de José Januário de
Magalhães
A Câmara de 1937
Figura 83 – Reunião política na Câmara
Municipal antiga (foto do acervo do Museu Francisco Leonardo Cerávolo)
A
última edição em que os tucanos através do jornal “O Muzambinhense” elogiam
Valladares é a de 17/01/1937, quando a Câmara envia solidariedade a Valladares.
Nesta
mesma edição mostra-se a eleição para vice-presidente da Câmara do dr. Talcídio
de Oliveira, sendo o presidente A. Magalhães
Alves e secretários Messias Gomes de Melo e Francisco Venceslau dos Anjos.
dr. Lycurgo se afasta da Câmara por motivos de saúde.
Curiosamente,
exatamente um mês depois desta data, as reuniões da Câmara são presididas
primeiramente por Talcídio de Oliveira (até 21.02) e depois por Messias Gomes
de Melo, sempre em reuniões rápidas e sem pautas a serem discutidas.
A
leitura das atas do início do mandado na presidência da Câmara do dr. Lycurgo e
depois de Magalhães Alves não mostram apenas intensos debates contra o
prefeito, mas coisas de progresso fundamentalmente para a Zona Rural e
distritos. Criam-se novas escolas principalmente em Juruaia e Monte Belo na roça (Babilônia, Areias, Posse dos Lopes, Posse dos Santos, Fazenda Monte Alegre), leva-se água até Juruaia e
Mata do Sino, asfalta-se a avenida
principal de Monte Belo, coloca-se iluminação pública no Moçambo a partir de abaixo-assinados do sr. Pasquale
Petreca, calça-se a Rua Santos Dumont, nomeia professora substituta
para Santa Cruz da Aparecida (segunda escola), entre outras atitudes.
José Januário enfim
abandona os Tucanos
O ano de 1937 foi um ano
emblemático, não só no Brasil, mas em Muzambinho. Aqui ,
entra em cena a política de Muzambinho tendo o Ginásio como principal alvo.
Logo
após a morte do dr. Lycurgo, dr. José Januário passa para o lado dos pica-paus,
os tucanos retiram o apoio à Valladares e Vargas, Leopoldo Poli reabre o jornal “O Muzambinho” com críticas intensas ao
Ginásio. Começam os pica-paus a criticarem o Ginásio. Fortes críticas,
propaganda difamatória do reitor do Ginásio.
Havia
evidente conotação política. Antes da ruptura de Vargas e Antônio Carlos, elogios públicos eram feitos
ao mestre Salathiel de Almeida, homenagens públicas:
A comissão abaixo assinada convida aos
amigos e admiradores do Snr. Salathiel de Almeida, para, hoje, às 7 horas da
tarde, reunirem-se em frente ao Theatro, e daí seguirem até a casa do mesmo,
onde o Dr. Lafayete Navarro expressará em palavras brilhantes, o sentir do
povo de Muzambinho que é de gratidão e solidariedade ao educador modelar.
Dr. Lycurgo Leite
Dr. José Januário de Magalhães
Heleodoro Mariano de Almeida
Renato Lagoeiro Bandeira de Melo
Guilherme Cabral
Antônio José da Cunha Júnior
Leopoldo Poli
Benjamim Rondinelli
Renato Lacerda
José Hypolito Guimarães
Valério Lacerda (O Muzambinhense – 25/08/1935)
O
mesmo Lafayette Navarro, que expressará com palavras
brilhantes, o sentir do povo de Muzambinho que é de gratidão e solidariedade ao
educador modelar, publicaria artigo no “Diário de São Paulo” chamando-o de
nefasto, autoritário e vários outros adjetivos que depreciam o seu antigo
mestre, que dois anos antes ele fizera homenagens.
Não
só ele, mas também Leopoldo Poli e o próprio dr. José Januário.
Figura 84 – Dr. José Januário de Magalhães
(foto do acervo do Museu Municipal Francisco Leonardo Cerávolo)
As
páginas sociais d’ “O Muzambinhense” continuavam a jogar confetes:
“dr. Salatiel de Almeida digníssimo e
correto Reitor do nosso Ginásio”. (Sociais do “Muzambinhense” de 31/01/1937)
Mas
começava uma trama política, onde a luta pelo poder era uma luta contra os
tucanos, contra Antônio Carlos, contra a força de poder em Muzambinho, e,
portanto, contra Magalhães Alves, contra Salathiel e contra o Ginásio Mineiro
de Muzambinho.
Aparentemente
o Ginásio representava aos olhos do povo e dos políticos representantes do
grupo pica-pau, a “Confraria Ginasiana” como Lafayette Navarro afirma.
Talvez,
a morte de Lycurgo tenha causado mudanças de postura em Salathiel ou Magalhães
Alves. Talvez uma luta de poder com o prefeito dr. José Januário.
Salathiel
de Almeida publicou no jornal “O Muzambinhense”, extenso artigo, chamado “Depoimento sobre uma traição”, onde ele
explica como aconteceu a traição do dr. José Januário de Magalhães, que se
bandeara ao lado dos pica-paus.
Transcrevo
na íntegra no apêndice, o documento de 24 de janeiro de 1937, e a leitura dela
é importante. Não conheço a versão dos pica-paus para o assunto. Nem tenho
certeza se dr. José Januário aqui já havia se aliado aos pica-paus dos
Coimbras.
Salathiel
começa o artigo comentando que no dia 17 do mesmo mês, o jornal “O Muzambinho”
publicou um artigo chamado “Parasita
Prestigiado”, assinado pelo dr. José Januário de Magalhães faz várias
críticas ao prof. Salathiel relacionados aos episódios das eleições municipais
de 7 de junho de 1936.
O
depoimento do prof. Salathiel fala sobre a recusa do dr. José Januário de
Magalhães em aceitar a candidatura do dr. Talcídio para vereador. Segundo Salathiel o dr. José
Januário renunciou a candidatura e para agradar o dr. Lycurgo foi com seu filho
Ary Almeida na casa do dr. José Januário insistir para que
ele mantivesse a candidatura. No artigo, Salathiel se defende da acusação do dr.
José Januário de que o prof. Salathiel lhe havia prometido a renúncia do dr.
Talcídio.
Interessante
que Salathiel no artigo se defende “sem
tomar em consideração os conceitos emitidos sobre mim”, onde flagrantemente
havia sido atacado.
O
artigo é interessante pois conta todo o processo da indicação do dr. José
Januário até a ruptura, vindo das palavras do próprio prof. Salathiel de
Almeida. É um importante e célebre
texto que não pode ser desconsiderado.
Diz
que no texto procurou ser “fiel, sereno e
verdadeiro”. Vê-se nas palavras do mestre serenidade, visto que ele não faz
ataques (como lhe faziam).
No
texto Salathiel fala do desejo do dr. Lycurgo na recondução do dr. José Januário e da
concordância do grupo na homologação do nome do médico para continuar no cargo:
“querido e acatado, a opinião do grande
chefe foi aceita, embora, como disse, a contragosto de muitos elementos do
partido, inclusive o próprio signatário deste que já negara ao sr. dr. J.
Januário o seu voto, na primeira vez que o seu nome fora levado ao governo para
tal cargo”. Salathiel assume que não concordara desde a primeira vez com a
candidatura do dr. José Januário. É importante repetir aqui que a eleição para
prefeito naquela época era indireta, e que o prefeito era a continuidade do
Agente Executivo municipal, geralmente assumido pelo presidente da Câmara.
Salathiel
narra que a indicação do dr. José Januário para prefeito não gerou empolgação
do grupo e que não entusiasmava o grupo e nem a população, mas foi acatado em
respeito ao dr. Lycurgo. Conta Salathiel sobre a reunião de escolha dos
vereadores para a eleição e sobre o convite ao prefeito para participar da
reunião, e sobre todos os episódios de divergência sobre a candidatura do
médico Talcídio de Oliveira, a imposição de voto de todos candidatos ao dr.
José Januário e o compromisso a todos, a carta de renúncia do dr. José
Januário, a visita do reitor e seu filho à casa do prefeito para desistir da
renúncia.
Sobre
a carta de renúncia, Salathiel diz: “Esse
documento infeliz continha evidentemente um propósito fingido de renúncia e um
intuito claro de ameaça. Era um modelo acabado de traição política.”
Diz
Salathiel que o dr. Lycurgo Leite se sentiu enojado com aquele procedimento.
Também na carta, Salathiel diz: “A
devolução foi feita e de tão boa fé agimos nós, que nem sequer tiramos uma
cópia desse documento”.
Salathiel
conta da insistência do prefeito na renúncia do dr. Talcídio, que foi o segundo
vereador mais votado. Também transcreve a carta de renúncia do dr. Talcídio[1],
contando sua versão do episódio.
Salathiel
encerra seu depoimento que diz ser escrito “à
luz meridiana da verdade”. E pede que o povo julgue se ele é um intransigente e bajulador ou um homem bem
intencionado e animado dos mais nobres intuitos de servir à causa do Partido
Progressista, que era a causa de Muzambinho[2].
e provoca com um sutil ataque:
Para terminar, duas palavras sobre a
torpe insinuação do Dr. José Januário, de “negociatas com o Governo”, de minha
parte.
Estou
plenamente convencido de que o meu nome paira, no conceito do povo, muito acima
dessa tola aleivosia que não me atinge.
Nos
meus 60 anos de existência, do quais 40 de vida pública, laboriosa e honrada,
não me arreceio de um confronto com a curta existência do jovem censor, que em minguado
tempo de noviciado público se vê abarbado com embaraçosas prestações de contas.
Salathiel de ALMEIDA (O Muzambinhense
– 24/01/1937)
Talvez
essa manifestação do reitor foi a sua declaração de morte. Talvez tenha sido o
início formal da disputa dele com dr. José Januário. Talvez isso que fez os
pica-paus quererem atingir o Ginásio com mais dureza ainda.
Tucanos x Dr. José
Januário de Magalhães
A política em 1937
esquentara mais do que nunca. Não tinham o chefe Lycurgo Leite. Antônio Carlos perdia o seu prestígio com Vargas. Valladares era muito chegado ao dr. José
Januário de Magalhães. Os pica-paus ficaram mais fortes do que nunca e tinha
pela primeira vez o apoio do governo de Minas Gerais.
Os
tucanos, que tinham 2/3 da Câmara Municipal, mesmo depois de algumas baixas,
rejeitaram as contas do dr. José Januário e cassaram o seu mandato. Antônio
Magalhães Alves, presidente da Câmara,
assumiria o cargo.
Mas
dr. José Januário não saiu e a guerra com a Câmara começou.
O
final desse ano seria emblemático demais. O prefeito abandona o seu grupo
político pelo qual foi eleito. Frei Florentino, um líder importante, morre.
Pica paus e tucanos se igualam em forças políticas. Ginásio amplamente
difamado. Dois jornais se degladiavam. Salatiel exonerado. Novo reitor do Lyceu assassinado. Decretada a ditadura do Estado
Novo: Getúlio torna-se ditador em
10 de novembro. E, dr. José Januário prefeito biônico.
Tudo isso em um ano só. O mais
agitado de todos até então. Até parece que dr. Lycurgo escolhera a hora certa
para morrer. Se estivesse vivo, talvez a nossa história fosse outra.
Alguns trechos do jornal “O
Muzambinhense” falam sobre a disputa da Câmara com o prefeito. dr. José
Januário de Magalhães, que sanciona o orçamento, mas manda outra proposta
orçamentária para a Câmara. O jornal, de 17/01/1937 faz inúmeras e fortes
críticas ao prefeito, em um artigo duro e acusador. Fazem até uma insinuação
velada: “[Dr. José Januário] Não se
recordou, também, de Luiz XVI que deixou a cabeça na guilhotina por tentar
resistir a que os franceses fiscalizassem suas finanças.”
Neste mesmo mês longo artigo tem o
título “Câmara recusa contas do prefeito”,
onde faz duras críticas, inclusive aos gastos com pedras e monumentos:
Seguindo seus trâmites regimentais,
discute a Câmara um projeto de resolução, negando aprovação às contas do
prefeito, relativas ao período de 1º de agosto a 31 de dezembro próximo findo.
O
parecer da Comissão de Finanças é uma peça longa, bem fundamentada, apoiada em
indisfarçáveis dados numéricos, redigida com meridiana clareza, de modo a fazer
ressaltar, à evidência, que o chefe do executivo local aplicou ilicitamente os
dinheiros públicos.
Em
nossa próxima edição, daremos à publicidade esse documento público que
demonstra, de modo irretorquível, os desmandos financeiros da atual
administração. (...)
Todos
os funcionários municipais, inclusive o operariado, estão em considerável
atraso nos recebimentos. Os concessionários de luz e de limpeza pública não
receberam as verbas destinadas a tais serviços. As dotações que se destinavam a
pagamentos ao Governo do Estado, ao Departamento das Municipalidades, à
corporação musical, aos credores por apólice, foram desviadas.
Serviços
de necessidade social indiscutível, como o de assistência à infância e à
maternidade, bem como o de assistência aos indigentes, para os quais o
orçamento – obedecendo, aliás, a Constituição – consignava verbas regulares –
deixaram de ser executados. O coração granítico do prefeito, na hora das
reivindicações proletárias que atravessamos, não palpita diante da miséria das
criancinhas e das mães desamparadas, para só vibrar, de orgulhoso entusiasmo,
diante do “Cruzeiro de Pedra”[3]
– “um dos maiores monumentos da arte do Estado de Minas”.
O
serviço de educação pública – alicerce da grandeza futura de nossa Pátria –
está em desmantê-lo. A
quarta parte da verba a ele consagrada, por mandamento da lei constitucional,
sofreu ilegal e clamoroso desvio.
Todas
as normas acauteladoras dos dinheiros públicos foram, truculentamente,
espesinhadas pelo executivo muzambinhense: - Nem hasta pública, nem pedidos de
créditos adicionais, nem orçamento das obras de monta, nem contrato firmado
para a execução delas, nem empenho das despesas. Todas as leis, inclusive as
constitucionais, caíram desrespeitadas, aos pés do absolutismo que se intenta
implantar na Prefeitura de Muzambinho, com destoante anacronismo com a
mentalidade sadia que surgiu com a revolução de 1930. (...) Errou S. S.,
supondo poder dispensar os conselhos honestos dos representantes do povo,
erigindo-se em único, supremo e absoluto poder.
Errou
lamentavelmente! (O Muzambinhense – 31/01/1937)
A Câmara, em 1ª discussão, negou-se a aprovar as contas do Prefeito
Em sua sessão de ordem, a Câmara, por
dois terços de seus votos, negou sua aprovação às contas do Prefeito, relativas
ao período de 1º de agosto a 31 de dezembro do ano passado, por motivos de
ilícita aplicação dos dinheiros públicos.
A
votação foi nominal, havendo se pronunciado pela rejeição das contas, na forma
do parecer da Comissão de Finanças, os vereadores Dr. Antônio Magalhães Alves, Francisco Venceslau dos Anjos, Ivo Antônio Marques, João Viana de Figueiredo, Messias Gomes de Melo e dr. Talcídio de Oliveira, e pela aprovação apenas os srs. Dr.
Fábio de Oliveira Coimbra, Henrique Vieira e José Luiz Marcondes Júnior.
Em
defesa do parecer, falou o Dr. Talcídio de Oliveira, seu relator, o qual, sem
ser interrompido por apartes, demonstrou, com os algarismos enviados pelo
Prefeito, o esmagador volume que, do ano de 1935 para 1936, g anhou a dívida do
Município que já atinge a vultuosa soma de oitocentos contos de réis.
Amanhã,
as contas serão submetidas à penúltima discussão.(O Muzambinhense – 31/01/1937)
Valladares não aceitou a
decapitação de dr. José Januário de Magalhães. Outro artigo, do jornal “O Muzambinhense” de
26/09 reproduz matéria do jornal “O Estado de Minas”, de 11/09/1937, o qual
acusam de não ser partidário do partido deles:
Fala que o governo estadual não acatou
a rejeição das contas de J. Januário, desrespeitando a Constituição Estadual e
a Lei Orgânica dos Municípios. Conclui com “... automaticamente, está o
prefeito destituído de suas funções, devendo assumir o cargo o presidente da
Câmara. Não é moral nem jurídico que continua a exercitar o cargo o prefeito
tido pela maioria dos vereadores com mau aplicador dos dinheiros municipais.
(...)
[Critica da situação que pergunta como
vão aprovar o novo orçamento do prefeito para o 2º semestre se eles já o
destituíram?]
Assim
é que, continuando a arrecadação, não se sabe onde vai o dinheiro; o
encarregado da limpeza pública não recebe desde muito tempo os seus pagamentos,
a Companhia de luz há mais de ano nada recebe, a música deixou de dar retretas
por não lhe serem pagos os vencimentos contratados; a benemérita Santa Casa, há
mais de 2 anos não recebe a sua subvenção; os contratantes de estradas de
rodagem paralisaram os serviços por não receberem seus pagamentos, etc.
Enquanto
isso, há a solene ereção de um cruzeiro de pedra, em que se gastaram dezenas de
contos de réis, sem verba orçamentária, sem orçamento e sem hasta pública!!!
Alega o prefeito destituído, porém, mantido “manu militari”, no exercício de
fato do cargo, que não tem dinheiro para por em dia os pagamentos autorizados
no orçamento. Como consegue que o dinheiro para obras não autorizadas? É que
ele sabe onde o dinheiro se encontra... Segundo é voz corrente, emite ele
letras de câmbio, descontadas fraternalmente pelo seu cunhado, o capitalista
português sr. Guilherme Cabral!!! Para que, pois, orçamento? Estando
sendo os municípios sacrificados pela má aplicação dos dinheiros públicos sendo
eles a seu lado a lei que, infelizmente não vem sendo cumprida, somente lhes resta,
enquanto o regimem legal não se impor, reduzir consideravelmente o orçamento,
só para não se dizer não ter sido ele elaborado. Dessa forma, o município será
sacrificado, com a compensação dos municípios não o serem... (Muzambinho, 11 de
setembro de 1937, publicado no jornal “Estado de Minas”, autoria de Eufrosino
Ferreira). (O Muzambinhense – 26/09/1937)
Antes da Câmara
destituir José Januário, a Câmara foi dissolvida, e José Januário ficou mais 8
anos. Sem eleição nenhuma e nem aprovação das contas.
Críticas
uma semana mais antigas a dr. José Januário já apareciam, numa época ainda de
não rompimento total com Valladares por parte dos tucanos:
... foi lida mensagem do Prefeito,
fazendo remessa à Câmara de nova proposta orçamentária para o corrente
exercício, por haver erros no orçamento elaborado e sancionado. O presidente
declarou não incluir essa matéria em ordem do dia, porquanto já era matéria
vencida. (No mesmo jornal há atos de solidariedade a Valladares e de pesar ao
dr. Licurgo Leite). (O Muzambinhense – 17/01/1937)
Este jornal de 17 de janeiro
foi publicado no mesmo dia que outra edição do jornal “O Muzambinho” da qual
não temos notícias, mas lá Salathiel é atacado por dr. José Januário. Portanto,
este jornal de 17 de janeiro foi sui
generis, pois ainda não representava uma ruptura total. Foi neste dia, 17
de janeiro de 1937 que acirraram-se as brigas, devido ao ataque do dr. José
Januário ao prof. Salathiel de Almeida sob a alcunha de parasita privilegiado que a grande briga Pica Paus e Tucanos se acirrou e o Ginásio começa a se desmontar.
Difamação do Ginásio
“O Muzambinho”
foi criado, entre seus objetivos, para difamar o Ginásio, o que nos parece.
“O
Muzambinhense” fazia a defesa. No apêndice, sob o trecho Difamação do Ginásio, teremos uma série
de textos extraídos de jornais que falam sobre o intenso ataque que a escola
recebeu no ano de 1937 e as defesas no jornal tucano.
Os primeiros artigos que
tivemos acesso sobre os problemas na escola de Salathiel iniciaram no dia 17 de
janeiro, com o artigo “Meu Caro
Conselheiro” de Paulo Rosa, que começa com: “Acabo
de receber a carta com que V. justifica o seu artigo contra o Ginásio e procura
sustentar as ocas idéias nele exaradas.”. O artigo cita também Armstrong, o
pseudônimo de uma outra pessoa, que também não sabemos de quem se trata. Eis
enigmas interessantes: quem seriam “Conselheiro”, “Paulo Rosa[4]”
e “Armstrong”?
No
dia 24 de janeiro, Paulo Rosa, escreve outro artigo, intitulado “Meu inefável Conselheiro”, e utiliza de
uma linguagem irônica, como no artigo anterior, começando confessando que o seu adversário o derrotou fragorosamente e que à ele caberia a coroa de vitória.
Só
para se ter uma idéia do tom utilizado nos debates, cito um trecho de Rosa em
24 de janeiro:
Terminando, por hoje, dou-lhe o meu melhor conselho: - a única coisa que V. deve tentar
restabelecer é o seu juízo e, para isto, sirva-se da sua própria e feliz
lembrança: “Barbacena – um dos melhores climas do Estado, boa água, excelente
frutas” e ... magnífico hospício...
Com
um cordial abraço, seu afetuoso.
No
dia 24 de janeiro, também foi escrito um artigo de Armstrong: “em um dos números passados desta folha o
templo de ensino desta cidade – o Ginásio Mineiro – foi atacado despeitadamente
por uma pena de déspotas, por um cérebro doentio....”. O artigo é
interessante pois discute o significado da palavra panacéia, que pode ser lida no apêndice.
Em
31 de janeiro Paulo Rosa cita o debate em seu artigo “Hora da Saudade”.
Há
um texto publicado no dia 17 de janeiro, de Pedro Segundo Gouveia do Prado que nos mostra que o ataque ao Ginásio
começaram a acontecer anteriormente as datas que relatamos:
Consigno nestas linhas meus aplausos e
parabéns ao sr. Amstrong, que no número próximo passado desta folha levantou
bem alto a sua voz em defesa do nosso Ginásio – velho mas honroso casarão,
e sob o qual muitos ingratos vão buscar a força necessária para depois saírem
açoitando-o e maldizendo-o com as mais mesquinhas e despeitadas palavras que
podem sair de uma sensível alma
humana.
Ao
Dr. Salatiel de Almeida, pai de muitos desprotegidos de
Fortuna, e à sua força tanto física como
moral, por sustentar sobre seus
ombros o preso de doze ou mais pavilhões desse estabelecimento, os nossos mais
sinceros elogios.
Pedro Segundo Gouveia Prado. 13 de
janeiro de 1937. (O Muzambinhense – 17/01/1937)
No
dia 26 de setembro, é publicado um artigo chamado “Duas Datas Caras ao Povo de Muzambinho”, que fala do aniversário
do Ginásio, dia 26, e do aniversário de nascimento do dr. Lycurgo, no dia 28.
O
artigo fala dos problemas do colégio de Salathiel:
Infelizmente uma nuvem pestilêncial
envolveu o velho estabelecimento (...). Espíritos maus poisaram sobre as vigas
mestras da boa casa. Mas, nova aurora sucederá à noite escura de hoje e, com a
cintilação luminosa, as aves agourentas levantarão vôo, de modo que ainda é
possível haver luz sobre os escombros de uma obra que não podia ter sido
destruída, porque ela é a alma mesma de Muzambinho.
O
artigo fala que Lycurgo foi poupado a dolorosas provações, dissabores
cruéis e desilusões maiores, em referência aos problemas políticos da
cidade e aos ataques à escola.
Porém,
Lafayette Navarro, filho do Cel. Navarro, faz
um artigo muito importante, do qual transcrevemos no apêndice, publicado no
Diário de S. Paulo do dia 31 de março. A leitura do texto é muito importante,
pois apresenta a defesa do dr. José Januário ao artigo
“Depoimento de uma traição”, do prof.
Salathiel de Almeida.
O
autor do texto fala da tentativa de Salathiel demitir um professor, dos ataques
de Salathiel ao dr. José Januário e da tentativa cassação do prefeito por
acusação de peculato pelos vereadores. Fala também da tentativa do grupo tucano
de impor uma série de regras à candidatura do dr. José Januário, numa “ata
monstro” que impunha que o prefeito para atuar precisava consultar suas bases
(algo comum e bem visto hoje em dia).
O
artigo também diz que a briga de Salathiel com o dr. José Januário deve-se aos
interesses de Salathiel não atendidos pelo prefeito. Os argumentos e a forma de
apresentar as informações reforçam a tese de que havia a tendência da liderança
ser para dr. José Januário ou para Salathiel.
O
texto do Diário de S. Paulo é denominado “O
caso político de Muzambinho à luz clara da verdade”.
Vou
destacar alguns trechos, fazer alguns grifos, apresentar temas tratados no
artigo todos são meus:
Trecho 1: A cidade de Muzambinho no sul do estado de
Minas Gerais, está sendo palco da mais desleal e indecorosa das campanhas
partidárias que há notícia nos anais da história política do interior do país.
Esse progresso é devido ao denodado esforço dos políticos e administradores
anteriores dr. Américo Luz, cel. Francisco Navarro de
Moraes Salles, Francisco Paoliello, Aristides Coimbra, e, ultimamente, pela energia e profícua
gestão administrativa do atual prefeito dr. José Januário de Magalhães.
Trecho 2:
Cita elogios ao dr. José Januário publicado no jornal dos adversários “O
Muzambinhense” no dia 1º de junho de 1936. Cita o jornal como adversário,
esquecendo de contar que na época o dr. José Januário era tucano.
Trecho 3:
“Contrastando com tudo isso, com a
postura patriótica e elegância cívica desses beneméritos de Muzambinho,
ressalta a latismável atuação do sr Salathiel de Almeida, reitor
do Ginásio Mineiro daquela cidade, que conseguiu, com nociva
maestria transformar aquele educandário em verdadeiro covil de
vergonhosa politicalha, em que se postergam os alevantados interesses do ensino
em vantagem a um pernicioso faccionismo e em que se consultam apenas os interesses
pessoais de um grupo, forcejando por liquidar a boa fé e a credulidade do
povo.
Isso se explica pela grande
ascendência que o sr. Salathiel sempre procurou exercer e, designadamente agora
[ilegível] sobre a maioria dos professores, quase todos ex-alunos do antigo
Lyceu Municipal de que era diretor.
Acresce ainda o fator
psicológico do seu temperamento autoritário e por vezes, despótico,
sempre cultivado e acariciado pelo que se costuma denominar de “protecionismo
ginasial”.
De feito: Estando a vida
daquele município visceralmente ligada à vida e desenvolvimento dessa
instituição de ensino [1], todas
as administrações locais se tem louvavelmente timbrado em protegê-la,
consoante se pode verificar na farta legislação a respeito, constante dos
arquivos da prefeitura.
Daí, a custa da repetição de
fatos e circunstâncias que iam consumando, o querer o Sr. Salathiel como que personificar
a própria instituição de ensino, fundada por uma plêiade de antigos
abnegados de Muzambinho, e vir auferindo, quase que exclusiva e
individualmente, todos os benefícios decorrentes do amparo e estimulo à causa a
instrução pública municipal.
Assim é que, tendo obtido dos
poderes públicos uma enorme cópia de favores para o estabelecimento de ensino
de que era diretor e hoje é reitor, consistentes em isenção de impostos,
privilégios, empréstimos e muitos mais, jamais o Sr. Salatiel conseguiu
dotá-lo de adequado aparelhamento técnico e de instalações consentâneas com as
exigências do ensino.[2]
Entretanto, uma enorme soma de
dinheiro foi drenada dos cofres municipais para esse educandário, por
intermédio do sr. Salathiel, não tendo, talvez, sido aplicada aos fins a que
se destinava [3].
Posto que o Sr. Salathiel
tivesse sido acatado e protegidíssimo, no início de sua vida e ulteriormente,
por todos os dirigentes do município, o propósito que sempre predominou, que
não poderia ser outro senão por uma inversão absurda de coisas, foi o de se
desenvolver o ensino naquela instituição, o estabelecimento, o Lyceu Municipal,
o Ginásio Mineiro e, nunca a indivíduos, ao Sr. diretor, ao Sr. reitor.”
O
autor Lafayette Navarro, que há dois anos prestava
homenagem ao prof. Salathiel de Almeida, desta vez o atacava: o chamou de:
nefasto, maquiavélico, politiqueiro, déspota, autoritário, nocivo, egoísta,
parasita, interesseiro, mesquinho e o acusou de corrupto (veja [3]). Disse que
o reitor personificava a própria instituição e que tinha “comparsas” em sua
“confraria ginasiana”.
Outra
coisa importante deste trecho é que se assume em [1] que a vida de Muzambinho
está relacionada ao desenvolvimento da Escola.
Mas
em [2] que acho algo surpreendente: uma crítica à qualidade do Lyceu, o que não
foi encontrado em nenhum outro documento da época.
Trecho 4: “Felizmente,
estamos informados de que o patriótico governo daquele Estado está tomando
sérias providencias no sentido de o expurgar de todos os seus maus elementos e
o elevar à dignidade de uma casa de ensino condizente com os foros de
civilização daquela grande unidade da federação, e com a importantíssima causa
educacional pátria.”
Aqui
está a ameaça. O governo vai fechar o Ginásio, e isso aconteceu. Lafayette
Navarro, associado ao dr. José Januário, ao qual ele louva em todo o artigo,
faz uma ameaça que aconteceu e custou caro ao povo de Muzambinho, tendo que
conviver entre 1938 e 1947 sem nenhum ginásio gratuito no município, e onde o
antigo Lyceu se tornou um batalhão do exército. Este trecho mostra o papel dos
pica-paus no fechamento do Ginásio.
Trecho 5: “o
Sr. Salathiel de Almeida começou de querer encarnar a própria dignidade do
estabelecimento.
Daí, para o exacerbamento do seu
autoritarismo foi um passo.
Adquiriu, então, foros de
autoridade, exigindo benefícios quase exclusivamente pessoais, impondo
condições e se agastando quando insatisfeito em seu menor propósito.
E característico o fato de ter o
Sr. Salathiel, certa vez em que fora contrariado em seu autoritarismo, lançar
aos quatro ventos a notícia que
abandonaria a reitoria do Ginásio como se isso significasse a morte daquele estabelecimento de ensino que quiçá,
o desaparecimento da própria cidade de Muzambinho e não houve em todo o Brasil,
um técnico em matéria de ensino, uma pessoa respeitável pelo saber e pela
dignidade, capaz de o substituir ns funções do seu cargo.”
Este
trecho fala um pouco sobre a personalidade de Salathiel, vista sob um ângulo
crítico. Isso é raro, visto que antes de 1936 não haviam críticas à Salathiel,
e após sua saída de Muzambinho ele voltou à ser louvado.
Trecho 6: “Todos, autoridades administrativas e, mesmo
as judiciárias, por deferência natural, modéstia e por uma espécie absurda de
tradição de respeito ao homem que, “simbolizará o próprio saber, o próprio
ensino, a própria educação”, lhe prestavam homenagens e lhe rendiam o preito de
sua respeitosa, quase mística e supersticiosa veneração, como se prosternassem
aos pés de um ídolo. Era de fato, um ídolo, inatingível, incessível, e, por
isso, ninguém lhe conhecia a frágil estrutura de argila.”
Talvez
isso nos explique os inúmeros elogios feitos ao reitor prof. Salathiel. Realmente existia
veneração e misticismo em torno da figura emblemática do educador, o que
podemos claramente perceber na revista que o Lyceu publicou em 1928.
Trecho 7: “O sr. Salathiel de Almeida, que
secretariava a sessão arvorou-se, como sempre, em “leader”, perdeu o controle
dos seus nervos, quis impor sua opinião mas foi pouco feliz ainda daquela
feita.
Esse impasse não era mais do que
uma grosseira insinuação aos membros do diretório para que afastassem o nome do
dr. José Januário da candidatura a prefeito.
Entretanto, os aludidos membros
do diretório manifestaram-se radicalmente a favor da candidatura do dr. José
Januário, e a reunião resultou, assim, improfícua,
não surtindo o efeito que o sr.Salathiel esperava.”
O
Trecho 7 nos dá uma versão totalmente diferente da que Salathiel deu no artigo
do dia 17 de janeiro.
O
artigo de Salathiel, ao meu ver, parece mais confiável, visto que o grupo que
se manifestou radicalmente a favor da
candidatura do dr. José Januário não o acompanhou após sua ruptura com o grupo
tucano.
Trecho 8: “Elaboraram uma “ata-monstro” contendo
condições draconianas, atentatórias da própria dignidade humana e às quais
deveria submeter-se, cegamente, o dr. José Januário de Magalhães.
(...)
Nunca se, viu falar, na história
pátria, de uma oligarquia tão premente e de uma tão tacanha concepção de
política, só mesmo digna da estuita cerebração dos morubixabas de aldeia.”
A linguagem empolada e
ufanista não se justificaria à forma quase marxista do modelo italiano de
governo através de conselhos, muito utilizado no Brasil. O que pediam ao
prefeito é apenas uma espécie de fidelidade partidária, o que pode ser lido no
artigo no apêndice.
Trecho 9: ““Seria eleito prefeito e presidente da
câmara o Dr. Lycurgo Leite, que, renunciando ao primeiro desses
cargos, daria oportunidade para escolha de outro nome.” [o texto fala ser
esta proposta do grupo do prof. Salathiel]
A honrada, prestigiosa e
tradicional família Coimbra, rejeitou energicamente tão indecorosa proposta.
Não poderia, de nenhum modo,
pactuar com aquele ato de verdadeira traição ao Dr. José Januário de Magalhães.”
E
muito interessante a citação explícita à família Coimbra, que mostra a fundamental
importância que eles tinham na política de Muzambinho, inclusive em relação ao
dr. José Januário, eleito pelos seus adversários, e só depois associado ao
grupo pica-pau.
Trecho 10: “Depois
da eleição os políticos da “confraria ginasiana” traíram novamente porque a
câmara, em que são a maioria eventual, rejeitou acintosamente todas as
salutares propostas que lhe foram enviadas, em sua primeira mensagem pelo
prefeito Dr. José Januário de Magalhães.
O Dr. José Januário de Magalhães
pode ter a consciência tranqüila, porque, no juízo do reto dos homens cujo
caráter não se vende em almoeda, saiu, Deus louvado, ileso da execrável trama
em que o tentaram envolver.
(...) não querendo absolutamente
seguir os ditames da politicalha ginasiana capitaneada pelo Sr. Salathiel de
Almeida –
elemento, aliás, completamente destituído de credenciais políticas – grande
parte desses elementos ficou onde estava, ao lado do prefeito Dr. José Januário
de Magalhães, com quem cerrou fileiras, constituindo-se
em sólida mole partidária, composta das famílias mais tradicionais da cidade de
Muzambinho, entre as quais se contam os Vieira, os Paolielos, os Coimbra, os Navarros, os Prados, os Magalhães, os Polis e
muitas muzambinhenses de coração as primeiras filiadas, todas animadas dos mais
alevantados anseios do progresso, de culto aos antepassados, de solidariedade,
de cooperação, de entreajuda e de paz.”
Acima
a defesa do dr. José Januário sobre a rejeição de suas contas.
Trecho 11:
“Não mais as fumidas pomas do erário
municipal.
Não mais o “protecionismo
ginasial”...
Não mais...
Muzambinho, a culta cidade
sul-mineira, não será todavia, detida de seu progresso.
O Ginásio Mineiro, completamente saneado dos seus nefastos
elementos, reivindicará o antigo renome, desfrutado em todo o país, de
estabelecimento modelar de ensino, em que pontificaram Carlos Góes, Júlio Bueno, Oscar da Cunha Pinto Pereira, Almeida Magalhães, Honório Armond, Mário Magalhães Gomes, mr. Nixon, Pedro Saturnino e
outros luminares das letras pátrias e orgulho do magistério pátrio, excelentes
elementos que o Sr. Salathiel de Almeida não soube conservar, verdadeiros
abnegados que não recebiam os seus parcos ordenados.
No entanto, o antigo Lyceu Municipal era um verdadeiro sorvedouro das
rendas municipais.
Daí lhe vem o nome. Ali, tudo
era municipal... Até mesmo o diretor parecia encarnar e personificar o
município.”
A
crítica, que em todo seu conjunto e motivações políticas, acabou por fechar o
Ginásio.
Há
no trecho também outras duas constatações interessantes: que Salathiel encarna
o município (que pode dar algumas luzes à problemas elaborados em capítulos
anteriores) e que Salathiel perdeu os professores do Ginásio (o que
provavelmente deve ser apenas uma provocação).
O
artigo é importante, pois nos dá algumas visões do que estava acontecendo.
Neste artigo, Salathiel não é mais o herói, mas o vilão autoritário.
Dr.
José Januário de Magalhães agora é o herói para os pica-paus. Ele já foi
herói dos tucanos. Um herói de segunda grandeza, mas um herói. Para os
pica-paus é o principal herói. Salathiel era herói até para dr. José Januário e
Lafayette Navarro, agora é vilão, autoritário.
Lafayette
reconhece a importância do diretor: “Até
mesmo o diretor parecia encarnar e personificar o município”. Esta frase,
vinda de um adversário, mostra a importância política do mestre.
De
mais, faz duras e seriíssimas críticas ao professor Salathiel e ao Ginásio.
A
leitura do texto nos coloca questões que não seriam conhecidas apenas com a
leitura do jornal “O Muzambinhense”.
Claro,
que deixo por conta do leitor reparar algumas incoerências do dr. Lafayette
Navarro, se levarmos em conta as outras informações que possuímos.
ARTIGOS PUBLICADOS NA
IMPRENSA NACIONAL
TEXTOS BÁSICOS
SALATHIEL DE ALMEIDA X DR. JOSÉ JANUÁRIO DE MAGALHÃES
O ARTIGO “DEPOIMENTO DE UMA TRAIÇÃO” – 17.01.1937
Depoimento sobre uma traição
Salathiel de Almeida
Na sua edição de 17 deste mês, “O Muzambinho” publicou um artigo assinado
pelo Dr. José Januário de Magalhães, sob a epígrafe “Parasita Prestigiado” em
que, depois de referências desairosas à minha pessoa, alude a uma intervenção
minha relativamente à sua projetada renúncia à candidatura de prefeito, por
ocasião das eleições municipais de 7 de junho.
Sem
tomar em consideração os conceitos emitidos sobre mim, quero, no entanto,
prestar meu depoimento sobre a segunda parte. Transcrevo o trecho em apreço:
“Momentos depois
(depois de haver escrito uma carta de renúncia ao Dr. Licurgo Leite) fui
procurado em minha residência pelos Drs. Salathiel e Ary Almeida que pediam
insistentemente para que eu escrevesse outra carta destruindo os efeitos da
primeira. Alegavam que o Partido seria entregue de pés e mão atados ao
adversário e que o Dr. Lycurgo estava em desespero e não registraria mais os
nomes de candidatos – estando o prazo d’este registro para se extinguir dentro
de uma hora. Resisti, porém terminei cedendo. O primeiro desse emissário
deu a palavra que após as eleições faria
com que um dos vereadores renunciasse.”
Para exata compreensão do assunto de que me vou ocupar, farei uma
exposição sucinta dos fatos políticos ocorridos desde a indicação do nome do
Dr. José Januário de Magalhães para prefeito até a data da eleição.
Procurarei,
nessa narrativa, ser fiel, sereno e verdadeiro.
INDICAÇÃO DO PREFEITO
No
dia 20 de maio do ano passado, reuniram-se no Club Muzambinho, sob a presidência do saudoso chefe Dr. Licurgo
Leite, elementos destacados do Partido Progressista Municipal, afim de se
resolver sobre a escolha do candidato ao cargo de prefeito.
Era
uma simples formalidade, para satisfazer a inquietante ansiedade revelada pelo
Prefeito do Município e seus parentes próximos.
O
dr. Licurgo Leite, anteriormente, em palestra com amigos, manifestava, com
decepção para muitos, o desejo de que continuasse na Prefeitura o dr. José
Januário.
Querido
e acatado, a opinião do grande chefe foi aceita, embora, como disse, a
contragosto de muitos elementos do Partido, inclusive o próprio sinatório deste
que já negara ao sr. dr. J. Januário o seu voto, na primeira vez que o seu nome
fora levado ao governo para tal cargo.
Aquela
reunião foi, pois, apenas uma homologação à discreta indicação feita pelo Dr.
Licurgo Leite, a quem o Partido renovava assim o seu apoio e solidariedade.
Esta
é a verdade. O ambiente da assembléia era de frieza e indiferença, só tendo
vibrado quando solicitada pelo Dr. Licurgo Leite que, generoso como sempre, fez
o elogio do candidato indicado.
Os
cronistas políticos da época noticiaram o fato com os flamejantes adjetivos que
o caso requeria, mas o Dr. Prefeito se fosse um pouco psicólogo teria
verificado que o seu nome para bandeira
do partido nos prélios cívicos da campanha estava de molde a inspirar muito
pouco entusiasmo nas hostes combatentes.
ESCOLHA DOS VEREADORES.
Nesta mesma reunião, a assembléia delegara poderes para organizar a chapa
de vereadores e juizes de paz, a uma comissão composta dos Sr. Dr. José Ari de
Almeida, Artur Carlos de Sousa, Ananias Bueno de Azeredo, Osório Faria Pereira,
Jorge Vieira, Ubaldo Petreca, Alfredo Januário de Magalhães, Alcebíades de
Paula e Silva, Alfredo Porfírio de Sousa, João Custódio de Azevedo, João Pedro
Bonele, José Amâncio de Sousa, Olimpío Leite e Antônio Gonçalves de Souza
Sobrinho.
Para
dar desempenho a esta delicada incumbência reuniram-se os membros dessa
comissão, no dia 31 de Maio do ano passado na residência do Dr. Licurgo Leite,
e sob sua presidência.
Num
gesto de especial deferência para com a pessoa do candidato indicado, o Dr.
Licurgo Leite mandou convidar o Dr. José Januário para assistir à importante
reunião.
Com
a presença deste, iniciaram-se os trabalhos. Preliminarmente a comissão
estabeleceu o critério de que os candidatos a vereadores deveriam ser
escolhidos entre os elementos mais representativos da lavoura, do comércio e
das classes liberais do município, tendo o presidente feito um apelo aos seus
amigos para que os recrutassem, de preferência, entre os moços do Partido, afim
de que, com mentalidade nova, sadia e patriótica, trabalhassem com entusiasmo pela
prosperidade de Muzambinho.
Assim
orientada, a comissão indicou, para representantes da lavoura Henrique Vieira,
João Viana de Figueiredo e Ivo Antônio Marques; para representantes do comércio
Messias Gomes de Melo, Hasloscher Amaral e Francisco Venceslau dos Anjos.
Tratando-se
da indicação dos representantes das classes liberais, a assembléia fez questão
que fosse incluído em primeiro lugar o nome do dr. Licurgo Leite, para ser
homenageado como presidente da primeira Câmara Constitucional de Muzambinho, e
orientar com sua proficiência e conhecimentos jurídicos, a reorganização do
município, de acordo com a nova Constituição.
Obtida
a aquiescência do prezado chefe, foi o seu nome incluído na lista dos vereadores.
Em seguida foi lembrado e recebido com gerais aplausos o nome do dr. Magalhães
Alves.
Faltava
o nome de um médico para a representação das classes liberais. O dr. Licurgo
Leite toma a palavra e sugere os dos drs. Antero Costa e Talcídio de Oliveira,
ambos, disse, correligionários dedicados e moços de alto valor moral e
intelectual. Pediu à comissão que se pronunciasse sobre um deles.
O Dr. José Januário de Magalhães, candidato
a prefeito, declarou então que em se tratando de dois colegas,, não tinha
preferências.
Ubaldo Petreca propõe o nome do dr. Talcídio de Oliveira que foi
unanimemente aceito.
Estava
assim escolhida a chapa de vereadores, num ambiente de perfeita cordialidade e
completa correção política, sem protesto nem divergências.
COMPROMISSO PARTIDÁRIO.
A noite, o dr. Licurgo Leite, tendo conhecimento de que se procurava
explorar o fato de não serem inteiramente amistosas as relações entre o
prefeito indicado e o dr. Talcídio de Oliveira, convidou a este para um
encontro na minha residência.
Prontamente
atendido, o dr. Licurgo Leite, na presença de vários amigos, comunicou ao dr.
Talcídio a indicação do seu nome para vereador, fazendo-o ciente de que o
Partido impunha aos seus candidatos uma exigência política: - votar no dr. José
Januário de Magalhães para prefeito.
A
essa declaração respondeu o dr. Talcídio:
-
Sou um soldado disciplinado do Partido. Votarei no seu candidato.
Esclarecida
assim com lealdade e elegância a atitude do distinto moço, o dr. Licurgo sempre
conciliador e digno, dirigiu-se a residência do Prefeito, que se achava
adoentado, e o pôs ao corrente da resolução do seu colega.
Parecia
assim desfeita a teia da perfídia que se tecia com o intuito de toldar o
ambiente de harmonia e solidariedade política reinante.
A CARTA DO PREFEITO
Não obstante a atuação corretíssima, elevada e inatacável do Presidente
do Partido, como se despreende do relato que venho fazendo imparcialmente, os
melindres pessoais do sr. Prefeito não se satisfizeram. Era preciso que
houvesse uma vítima em holocausto à sua desmedida vaidade.
Escreveu
então, no dia seguinte, o dr. José Januário uma carta ao dr. Licurgo Leite,
comunicando-lhe que, refletindo melhor, havia deliberado renunciar à sua
candidatura ao cargo de prefeito e que, nesse sentido, ESTVA DIRIGINDO UMA
CIRCULAR AOS SEUS AMIGOS. Esse documento infeliz continha evidentemente um
propósito fingido de renúncia e um intuito claro de ameaça. Era um modelo
acabado de traição política, dado o momento em que era feito, isto é, nas
últimas horas restantes para o registro dos candidatos, como seu próprio
sinatário confirma.
Se
o jovem candidato tinha motivos ponderáveis para se opor à inclusão de algum
nome na chapa de vereadores, por que não se manifestou com sinceridade diante a
comissão representativa das forças vivas do Partido, que era o órgão autorizado
para tomar conhecimento da sua renuncia, na hipótese de não aprovar o seu veto?
Mais
acentuada se torna ainda a incorreção partidária desse moço, quando se
considera que ele se propunha a renunciar a sua candidatura a prefeito, mas
conservada para seu uso e gozo e para instrumento de suas ameaças, a
Prefeitura, cargo de que se achava investido por indicação do Dr. Licurgo
Leite, em nome do Partido que abandonava.
De
posse dessa carta, o Dr. Licurgo Leite reuniu imediatamente em seu escritório
vários amigos e correligionários entre os quais se encontravam o sinatário
deste e seu filho Ari de Almeida.
Profundamente
emocionado e revoltadíssimo diante os termos insólitos daquela lamentável
missiva, manifestava ele o propósito de abandonar a direção do Partido,
recusando-se mesmo a fazer o registro dos candidatos.
Compreendemos
como era humana e natural a decepção de que se achava possuído em face daquela
injustificável e inesperada deslealdade. Protestamos, todavia, contra a sua
resolução, tendo alguns amigos sugerido a idéia de uma convocação imediata do
Diretório Central.
O
Dr. Licurgo Leite recusou esse alvitre declarando-se enojado com aquele
procedimento, mormente partindo, como partida, de uma pessoa da sua família.
Era, dizia, um homem afeito à luta, mas não daquela natureza, no seio de seu
lar. Sobrepunha sempre, afirmou ele, como sabiam os amigos, as relações da
família a qualquer ordem de interesses.
Propus-me,
então, a ter um entendimento pessoal com o Dr. José Januário, pecado de que
hoje me penitencio.
Aceita
a idéia por alguns amigos presentes e repelida fortemente por outros que
desejavam a luta imediata; sem aquiescência nem recusa formal, por parte do Dr.
Licurgo Leite, levei avante o meu intento, tendo convidado o meu filho Ari de
Almeida para acompanhar-me até a casa do Prefeito.
A ENTREVISTA
Recebidos por ele, expus a fim de minha visita, fazendo-lhe sentir a
contrariedade que a sua atitude causara em nosso grande amigo e chefe, cuja
correção exalcei.
Estudei,
com ele, amistosamente a situação, mostrando-lhe que o Partido o prestigiava
integralmente, e que o seu nome, lançado para prefeito era apoiado por todos os vereadores indicados.
Insisti em demonstrar a falta de razão do seu gesto, principalmente por
ter assistido à reunião e não ter uma palavra de objeção.
Aos
meus argumentos, respondeu significando também a sua grande contrariedade,
relutando, todavia, em aceder ao apelo que lhe dirigi para retirar sua carta de
renúncia.
Recordei-lhe
então, com sinceridade, que ele estava errado, que era um criatura do dr.
Licurgo Leite, e que a sua carreira política se fazia a sombra do nome e do
prestígio daquele chefe.
A
essa observação franca de minha parte, respondeu que não era seu propósito
magoar o dr. Licurgo, cuja amizade muito prezava.
Obtemperou,
em seguida, interrogando-me por que não se retirava da chava o nome do dr.
Talcídio de Oliveira, ficando assim a Câmara constituída só de pessoas com as
quais mantinha relações cordiais, facilitando destarte a sua administração.
A
essa interrogação expliquei que a minha presença ali revelava o desejo de
harmonizar todas as correntes políticas do Partido, e que uma resolução daquela
ordem causaria justificado descontentamento ao candidato atingido por aquele
golpe, à sua família e amigos.
Ao
que respondeu o Prefeito, dizendo que aquele moço não tinha eleitorado ao passo
que ele dispunha de 2.000 votos.
Retruquei-lhe
então que a retirada daquele nome importava numa capitis diminutio da comissão organizadora da chapa, com a qual a
direção do Partido, por certo, não concordaria, nem tinha autorização para
fazer tal alteração à revelia dos membros da referida comissão.
Aceitando
as minhas considerações, autorizou-me a declarar que retirava a sua renúncia e
pediu-me, obtivesse, a devolução da carta que havia dirigido ao Dr. Licurgo
Leite.
A
devolução foi feita e de tão boa fé agimos nós, que nem sequer tiramos uma
cópia desse documento de que tanto se ufana o Dr. José Januário de Magalhães e
que, no meu conceito, é o testemunho da maior injustiça e incorreção partidária
praticadas contra o saudoso chefe e amigo Licurgo Leite, a cuja lealdade,
nobreza de caráter e respeito à palavra empenhada rendo, reverente, a minha
homenagem póstuma.
Encerrando
minha entrevista, fiz um apelo ao Dr. José Januário para que da parte dele e do
Dr. Talcídio de Oliveira cessassem pequenas divergências pessoais, e que,
ambos, moços de futuro, trabalhassem unidos pelo progresso de Muzambinho.
Assegurei-lhe
que o Dr. Talcídio de Oliveira renunciaria o seu mandato de vereador, a ter de
abrir uma cisão política no seio do Partido, por desinteligências pessoais com
o prefeito.
Folgo
em registrar que este meu juízo foi perfeitamente confirmado.
RENÚNCIA DE VEREADORES
Como é do conhecimento público, durante o pleito de 7 de junho, o Dr.
José Januário desenvolveu por si, por seus parentes e funcionários da
Prefeitura, forte campanha contra as candidaturas dos Drs. Talcídio e Magalhães
Alves, não conseguindo, no entanto, derrotá-los, embora fosse o chefe que dispunha de todo o eleitorado do
partido (2.000 votos!)
Não
conseguiu sequer impedir que o Dr. Talcídio de Oliveira fosse, na cidade, o
candidato progressista mais votado após o Dr. Licurgo Leite.
Em
vista desta atitude incorreta e deselegante do candidato a prefeito, e para não
faltar ao compromisso assumido, Magalhães Alves e Talcídio de Oliveira, logo
após o pleito e antes da apuração, depuseram as suas renúncias nas mãos do
inolvidável Presidente do Partido Progressista de Muzambinho.
Por
nímia gentileza do dr. Licurgo Leite Filho, pude obter do arquivo do seu
venerando Pai, a carta de renúncia do dr. Talcídio de Oliveira, que publico em
seguida, deixando de fazer o mesmo com a do dr. Magalhães Alves, por julgar
desnecessário.
Eis
a carta:
“Prezado amigo dr.
Lycurgo
Saudações
Era meu desejo escrever-lhe esta no dia seguinte ao
das eleições municipais; não o fiz porém, respeitando a necessidade de repouso
a que o senhor fez jus, em conseqüência da luta estafante que o pleito lhe
impôs.
Preliminarmente presto homenagem à superioridade e
nobreza com que V. S. preparou e dirigiu o pleito de 7 de Junho e por isto faço
questão de frisar que esta carta nada contém que o possa magoar.
Permita o nobre amigo eu recordar que, eu, humilde
companheiro, no nosso partido, jamais pleiteei a menor posição política; sempre
tenho vivido em retraimento não só porque minhas ocupações me empunham, como
ainda pela convicção que tenho de que os mais crentes nem sempre são os que
mais incensam.
De fato, e infelizmente, os últimos acontecimentos
provam-no sobejamente.
Escolhido candidato a vereador, compreendi de meu
dever aceitar a distinção com que meus amigos me honravam.
Entregue-me com entusiasmo à propaganda do nosso
partido, procurando convencer aqueles meus amigos e influenciados, ainda
hesitantes, e tenho certeza de o haver conseguido; tudo porém, fiz de pleno
acordo com V. S., a quem dei cont, em tempo oportuno, de todos os meus passos.
O pleito porém, confirmou o que muita gente temia:
Elementos oficiais do partido desenvolveram esforços tremendos contra mim e
outros companheiros de candidatura; a mesma atuação da Secretaria do Interior
nas eleições de 34.
Assisti entristecido a esse vergonhoso espetáculo;
revoltei-me, mas me contive.
Fomos dois os companheiros diretamente visados: Eu e
o dr. Magalhães Alves, amigo nobilíssimo a quem o Partido deve muitos anos de
trabalho e dedicação.
Já os fatos desenrolados, antes e durante as
eleições, me haviam ditado uma resolução; esta acaba de se firmar com a
renuncia do Dr. Magalhães Alves com quem sou solidário.
Deponho pois em suas honradas mãos a cadeira de
vereador, se é que fui eleito.
Mais uma vez quero prestar homenagens às suas
qualidades de homem e chefe do partido.
Peço também que continue a contar entre os seus
amigos mais humildes e dedicados o
Talcídio de Oliveira
Muzambinho, 18 de Junho 1936.”
O Dr. Licurgo Leite recusou-se a aceitar a renuncia dos dois vereadores,
tendo oportunamente desligado ambos do compromisso de votar no Dr. José
Januário, como consta da célebre ata, “documento indigno e extemporâneo”, como
confessa o próprio Prefeito, e que ele “instado por amigos” (?) não “hesitou em
assinar”.
É
este meu depoimento, escrito à luz meridiana da verdade.
Submeto-o
à consideração pública , para que o povo julgue se a minha atuação foi de um
“intransigente”, de um “bajulador” ou a de um homem bem intencionado e animado
dos mais nobres intuitos de servir à causa do Partido Progressista, que era a
causa de Muzambinho.
***
Para
terminar, duas palavras sobre a torpe insinuação do Dr. José Januário, de
“negociatas com o Governo”, de minha parte.
Estou
plenamente convencido de que o meu nome paira, no conceito do povo, muito acima
dessa tola aleivosia que não me atinge.
Nos
meus 60 anos de existência, do quais 40 de vida pública, laboriosa e honrada,
não me arreceio de um confronto com a curta existência do jovem censor, que em
minguado tempo de noviciado público se vê abarbado com embaraçosas prestações
de contas.
Salathiel de ALMEIDA” (O Muzambinhense – 24/01/1937)
CASSAÇÃO DO PREFEITO DR. JOSÉ JANUÁRIO DE MAGALHÃES – 1937
Sabemos,
pela extensa leitura do jornal “O Muzambinhense”, detalhadamente explicada no Capítulo
6, que a Câmara rejeitou as contas do prefeito dr. José Januário de Magalhães e
determinou que assumiria o local do médico o presidente da Câmara dr. Antônio
Magalhães Alves, passando ao cargo de presidente do legislativo o médico dr.
Talcídio de Oliveira. dr. Talcídio e Magalhães Alves eram desafetos do
prefeito.
O
prefeito não foi afastado por interferência do Governador Valladares.
Abaixo
reproduzimos edital distribuído em forma de folheto, republicado por Passos
Júnior (2006):
Edital
O Dr. Talcídio de Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Muzambinho,
Estado de Minas Gerais, etc.
FAZ
saber a quantos o presente edital virem ou dele notícia tiverem que, em virtude
da Resolução n.3 da Câmara Municipal, a partir desta data, por força do artigo
64, a, da Constituição do Estado de Minas Gerais, deixou de ser prefeito do
município de Muzambinho o Dr. José Januário de Magalhães, por não ter
apresentado contas documentadas e não as ter aprovadas por motivo de aplicação
ilícita dos dinheiros públicos, serão, portanto, nulos de pleno direito todos
os atos praticados por ele naquele caráter, inclusive os de recebimentos,
quitações, contratos, etc.
Dado
e passado na Secretaria da Câmara Municipal de Muzambinho, em 17 de fevereiro
de 1937.
(a) DR. TALCÍDIO DE OLIVEIRA
PRESIDENTE EM EXERCÍCIO
ATAQUES A SALATHIEL E AO GINÁSIO NA IMPRENSA NACIONAL - 1937
Um artigo
difamatório do Lyceu, o qual consideramos exemplar é o de Navarro (1937), pois
lá dão a versão da Cessação do dr. José Januário pelos olhos de pica-paus:
Secção Livre – O Diário de S. Paulo – 31.3.1937
“O caso político de Muzambinho à luz clara da verdade”
Lafayette Navarro
A
cidade de Muzambinho no sul do estado de Minas Gerais, está sendo palco da mais
desleal e indecorosa das campanhas partidárias que há notícia nos anais da
história política do interior do país.
Não
obstante, continua aquela cidade florescente e animada por um incessante
progressos, oferecendo ótima impressão aos forasteiros que ali aportam, dados o
agradável aspecto de suas ruas assaltadas e bem cuidadas e os seus artísticos
jardins, belíssimos logradouros públicos que lhe emprestam a aprazível feição
da jovialidade e frescura.
Dotada
de excelente clima de montanha, situada a poucas léguas de Poços de Caldas,
Muzambinho está fadada a se constituir em ponto obrigatório de parada e ameno
descanso ao transeunte em demanda daquela conhecida estância hidro-termal de
Minas Gerais.
Para
tanto, já foi objeto de estudo e entabolado entendimento coroado de êxito,
entre as prefeituras das duas localidades, a construção de boa estrada para
automóveis, ligando-se diretamente, em substituição à atual que passa por Cabo
Verde e Botelhos e pela qual se poderá atingir aquela estação bancária em pouco
mais de hora e meia.
Encontram-se
presentemente em adianta construção um prédio para hotel e o moderno edifício
em que se instalará a sede do recém fundado Automóvel Clube de Muzambinho,
sociedade literária e recreativa de que fazem parte as famílias mais tradicionais
e a mais fina elite da cidade.
A
Prefeitura, a Câmara Municipal e a Coletoria Estadual locais foram
confortavelmente instaladas em majestoso prédio próprio recentemente adquirido
pela municipalidade.
Esse
progresso é devido ao denodado esforço dos políticos e administradores
anteriores dr. Américo Luz, cel. Francisco Navarro de Moraes Salles, Francisco
Paoliello, Aristides Coimbra, e, ultimamente, pela energia e profícua gestão
administrativa do atual prefeito dr. José Januário de Magalhães, filho de uma
das mais antigas e conceituadas famílias muzambinhenses e que, desde 1932, vem
governando aquele município, ante os aplausos e todos, inclusive dos seus
próprios aversários políticos atuais que lhe entreteceram veementes encômios,
como se pode lê no manifesto do Partido Progressista Municipal publicado em o
“Muzambinhense”, de 1º de junho de 1936:
“A
candidatura do atual prefeito se impunha ao Partido como homenagem aos seus
méritos, à sua operosidade e para a continuação da fecunda obra administrativa
que vem realizando, com honesto e real proveito para o município.”
Contrastando
com tudo isso, com a postura patriótica e elegância cívica desses beneméritos
de Muzambinho, ressalta a latismável atuação do sr Salathiel de Almeida, reitor
do Ginásio Mineiro daquela cidade, que conseguiu, com nociva maestria
transformar aquele educandário em verdadeiro covil de vergonhosa politicalha,
em que se postergam os alevantados interesses do ensino em vantagem a um
pernicioso faccionismo e em que se consultam apenas os interesses pessoais de
um grupo, forcejando por liquidar a boa fé e a credulidade do povo.
Isso
se explica pela grande ascendência que o sr. Salathiel sempre procurou exercer
e, designadamente agora [ilegível] sobre a maioria dos professores, quase todos
ex-alunos do antigo Lyceu Municipal de que era diretor.
Acresce
ainda o fator psicológico do seu temperamento autoritário e por vezes,
despótico, sempre cultivado e acariciado pelo que se costuma denominar de
“protecionismo ginasial”.
De
feito: Estando a vida daquele município visceralmente ligada à vida e
desenvolvimento dessa instituição de ensino, todas as administrações locais se
tem louvavelmente timbrado em protege-la, consoante se pode verificar na farta
legislação a respeito, constante dos arquivos da prefeitura.
Daí,
a custa da repetição de fatos e circunstâncias que iam consumando, o querer o
Sr. Salathiel como que personificar a própria instituição de ensino, fundada
por uma plêiade de antigos abnegados de Muzambinho, e vir auferindo, quase que
exclusiva e individualmente, todos os benefícios decorrentes do amparo e
estimulo à causa a instrução pública municipal.
Assim
é que, tendo obtido dos poderes públicos uma enorme cópia de favores para o
estabelecimento de ensino de que era diretor e hoje é reitor, consistentes em
isenção de impostos, privilégios, empréstimos e muitos mais, jamais o Sr.
Salatiel conseguiu dotá-lo de adequado aparelhamento técnico e de instalações
consentâneas com as exigências do ensino.
Entretanto,
uma enorme soma de dinheiro foi drenada dos cofres municipais para esse
educandário, por intermédio do sr. Salathiel, não tendo, talvez, sido aplicada
aos fins a que se destinava.
Posto
que o Sr. Salathiel tivesse sido acatado e protegidíssimo, no início de sua
vida e ulteriormente, por todos os dirigentes do município, o propósito que
sempre predominou, que não poderia ser outro senão por uma inversão absurda de
coisas, foi o de se desenvolver o ensino naquela instituição, o
estabelecimento, o Lyceu Municipal, o Ginásio Mineiro e, nunca a indivíduos, ao
Sr. diretor, ao Sr. reitor.
Entretanto,
o Sr. Salathiel e os que lhe seguem a pegada, estão convencidíssimos do
contrário e quando se faz qualquer objeção ou censura a atos de sua vida
particular ou profissional com grave repercussão sobre a ordem do
estabelecimento e abastamento do ensino; quando se diz, por exemplo, que S. Sa.
se arvorou ridiculamente em chefe político em detrimento da disciplina e
decência escolares, procuram torcer o verdadeiro e justo pensamento, querendo
significar que combate o Ginásio, que se quer destruir a velha e tradicional
instituição muzambinhense.
O
contrário é o que se quer:
-
Quer-se salva-lo desse alude de lama em que se teima em conservar.
Felizmente,
estamos informados de que o patriótico governo daquele Estado está tomando
sérias providencias no sentido de o expurgar de todos os seus maus elementos e
o elevar à dignidade de uma casa de ensino condizente com os foros de
civilização daquela grande unidade da federação, e com a importantíssima causa
educacional pátria.
Eis
um retrospecto que se impunha, para melhor compreensão das remotas origens da
atual campanha pessoal movida naquela localidade contra seu operoso,
inteligente e honrado prefeito, Dr. José Januário de Magalhães.
Com
efeito, constantemente focalizado nas reiteradas homenagens que se tributavam
ao Lyceu Municipal; o Sr. Salathiel de Almeida começou de querer encarnar a
própria dignidade do estabelecimento.
Daí,
para o exarcebamento do seu autoritarismo foi um passo.
Adquiriu,
então, foros de autoridade, exigindo benefícios quase exclusivamente pessoais,
impondo condições e se agastando quando insatisfeito em seu menor propósito.
E
característico o fato de ter o Sr. Salathiel, certa vez em que fora contrariado
em seu autoritarismo, lançar aos quatro ventos
a notícia que abandonaria a reitoria do Ginásio como se isso
significasse a morte daquele
estabelecimento de ensino que quiçá, o desaparecimento da própria cidade de
Muzambinho e não houve em todo o Brasil, um técnico em matéria de ensino, uma
pessoa respeitável pelo saber e pela dignidade, capaz de o substituir ns
funções do seu cargo.
Chegou,
mesmo a telegrafar ao governo, colocando-o estranhamento no dilema de, ou
afastar um dos mais competentes e pontuais professores, ou aceitar a sua
resignação do cargo de reitor de Ginásio.
A
sindicância se fez em torno do caso e nada absolutamente se apurando contra o
aludido e integro professor, foi o respectivo processo arquivado, e, entretanto,
continua o Sr. Salatiel exercendo a reitoria do Ginásio.
Todos,
autoridades administrativas e, mesmo as judiciárias, por deferência natural,
modéstia e por uma espécie absurda de tradição de respeito ao homem que,
“simbolizará o próprio saber, o próprio ensino, a própria educação”, lhe
prestavam homenagens e lhe rendiam o preito de sua respeitosa, quase mística e
supersticiosa veneração, como se prosternassem aos pés de um ídolo. Era de
fato, um ídolo, inatingível, incessível, e, por isso, ninguém lhe conhecia a
frágil estrutura de argila.
Assim,
sempre se afeiçoou a mandar e a ser intransigentemente respeitado, servindo-se
de indivíduos vitimados por complexos de inferioridade ou que lhe eram
naturalmente subalternos pelas condições sociais ou precária situação de vida,
por detrás dos quais, habilmente manobrava e realizava seus planos
maquiavelicamente engendrados.
Homens
assim, com a hipertrofia da vontade, não podem ser contrariados. Faze-lo, é
desencadear toda uma parcela de vindictas.
Entretanto,
o honrado e operoso prefeito de Muzambinho, cujo só intuito era administrar e,
não criar parasitismos, viu-se na contingência de desatender as egoístas e
interesseiras solicitações do Sr. Salatiel.
O
Dr. José Januário de Magalhães não é, efetivamente, pessoa facilmente
manobrável e suscetível de se submeter a mesquinhas injunções e quem quer que
seja.
Conseqüentemente,
a indecorosa campanha pessoal que o Sr. Salatiel lhe vem movendo, a que
culminou na ridícula veleidade frustrada da destituição do prefeito
legitimamente eleito e cujo próximo epílogo será a mais flagrante e vergonhosa
derrocada em matéria política, de todos os tempos.
O
plano foi ardilosamente arquitetado por mãos de mestre.
Seu
ponto de partida foi tentarem incompatibilizar o Dr. José Januário de Magalhães
com seu companheiro de política e ex-chefe do Partido Progressista Municipal, o
já falecido Dr. Lycurgo Leite.
Sob
a alegação de que o prefeito, a quem devia caber exclusivamente a parte
administrativa, estava se imiscuindo na esfera propriamente política do
município, puseram-se em campo os diabólicos contendores.
É
sobre que baseavam essa sua alegação de desrespeito à alçada política que, por
um esquisito convencionalismo, era defesa ao Dr. José Januário de Magalhães:
No
simples fato de ter ele escrito uma carta, verdadeiramente particular a pessoa
afastada das lides políticas e uma outra em que pleiteava, para um rapaz seu
amigo, o modestíssimo emprego de guarda-fios...
Ora,
quem quer que seja dotado de elementar bom senso, não pode desconhecer que
entre nós, por um inv[ilegível]rado costume político sempre se consultam o
diretório do partido ou a seu chefe, por ocasião do provimento de quaisquer
cargos públicos.
Na
politicalha do interior essa prática chega ao extremo de tolher qualquer
iniciativa de particulares, estranhos ao partido, transformando o chefe em
verdadeiro cacique ou morubixaba, oligarquia patriarcal que em tudo, nas
mínimas coisas, precisa ser ouvido, intrometendo-se até mesmo na própria vida
privada dos indivíduos.
A
política de Muzambinho caminhava nessa direção.
Queriam
cercear ao dr. José Januário de Magalhães a própria liberdade de agir,
fiscalizar-lhe até os atos da sua vida particular.
De
resto, a disputada eleição dos vereadores municipais se fez com o seu nome
inscrito na bandeira do partido, porque não se podia deixar de reconhecer-lhe
incontestável prestígio político pessoal.
De
fato, o dr. José Januário de Magalhães foi quem mais trabalhou naquele
memorável pleito, em que desenvolveu a melhor de suas energias para a qual
contribuiu com elevada soma de dinheiro, conforme inúmeros recibos em seu
poder, e com grande porção do eleitorado.
As
duas aludidas cartas escritas por s. exa não foram senão um mesquinho pretexto,
torpemente explorado por seus desafetos pessoais, para início da execução do
plano maduramente preconcebido.
Oreado
o impasse, tornou-se necessário consultar a opinião do partido.
Em memorável reunião realizada em a residência do cel. Francisco Navarro de Moraes Salles, à vista de haver o dr. Lycurgo Leite manifestava intenção de abandonar a direção política do partido, aquele venerando ancião revelou sua veemente desaprovação a cisão do mesmo, alegando ausência absoluta de motivos respeitável, em face das simples cartas particulares escritas pelo dr. José Januário de Magalhães, as quais não podiam, de forma algum, constituir intromissão na esfera política do município.
Em memorável reunião realizada em a residência do cel. Francisco Navarro de Moraes Salles, à vista de haver o dr. Lycurgo Leite manifestava intenção de abandonar a direção política do partido, aquele venerando ancião revelou sua veemente desaprovação a cisão do mesmo, alegando ausência absoluta de motivos respeitável, em face das simples cartas particulares escritas pelo dr. José Januário de Magalhães, as quais não podiam, de forma algum, constituir intromissão na esfera política do município.
O
sr. Salathiel de Almeida, que secretariava a sessão arvorou-se, como sempre, em
“leader”, perdeu o controle dos seus nervos, quis impor sua opinião mas foi
pouco feliz ainda daquela feita.
Esse
impasse não era mais do que uma grosseira insinuação aos membros do diretório
para que afastassem o nome do dr. José Januário da candidatura a prefeito.
Entretanto,
os aludidos membros do diretório manifestaram-se radicalmente a favor da
candidatura do dr. José Januário, e a reunião resultou, assim, improfícua, não
surtindo o efeito que o sr.Salathiel esperava.
Muito
bem andaram, naquele lanço, os srs. membros do diretório mantendo o seu ponto
de vista, perfeitamente coerentes com o resultado de um grande conclave levado
a efeito pouco tempo antes, em o Club Muzambinho , em que foi calorosamente
aclamado o nome do dr. José Januário de Magalhães como candidato do partido às
próximas eleições.
Demorados
foram os debates e a palavra, por muitas vezes, franqueadas aos assistentes.
Estavam
presentes o sr. Salathiel e seus comparsas, mas nenhum teve a ousadia ou
coragem de lançar ali outra candidatura, em contraposição a do dr. José
Januário, isso porque haviam habilmente auscultado a opinião geral da
assembléia e temeram, muito naturalmente, um fracasso eminente.
Malograda
a reunião da casa do cel. Navarro, engedraram outro plano. Elaboraram uma
“ata-monstro” contendo condições draconianas, atentatórias da própria dignidade
humana e às quais deveria submeter-se, cegamente, o dr. José Januário de
Magalhães.
Era
uma verdadeira servidão moral um instrumento imoral de estorção, de pressão, de
coação, em que se lhe roubava até mesmo o direito de opinar, a liberdade de
querer e de agir, reduzindo-o a mero autômato, espectro de homem sem
personalidade.
Anteriormente,
como se disse, já o quiseram impossibilitar de escrever simples cartas
particulares, como se a qualquer pessoa não fosse dados o incontestável direito
de se comunicar epistolarmente com os seus amigos.
Nunca
se, viu falar, na história pátria, de uma oligarquia tão premente e de uma tão
tacanha concepção de política, só mesmo digna da estuita cerebração dos
morubixabas de aldeia.
Nessa
famigerada ata, entre outras, se impunham ao dr. José Januário de Magalhães,
mediante compromisso de honra de os vereadores “prestarem inteiro apoio à sua
administração”, as seguintes monstruosas condições:
“Abster-se
de qualquer intervenção ou atuação em matéria política, sob qualquer forma ou
pretexto, acatar incondicionalmente todas as deliberações partidárias; não
manifestar de forma alguma, por escrito ou oralmente, solidariedade política a
qualquer pessoa ou entidade, do município ou fora dele, sem expresso
assentimento do partido, por qualquer seus órgãos dirigentes; emitir qualquer
crítica ou censura aos membros do partido”.
Note-se
que os srs. vereadores aceitaram um compromisso, porquanto que ao dr. José
Januário de Magalhães impuseram condições.
A
própria terminologia ali usada retrata, iniludivelmente, as vis compulsiva, a
quase vis absoluta, sob cujo império quiseram imobilizar o dr. José Januário.
Queriam,
como meridianamente se vê, reduzi-lo a uma espécie de massa amorfa,
inconsciente e sem vida, facilmente plasmável ao saber dos seus subalternos e
inconfessáveis interesses pessoais.
Haverá
peça mais infamante, mais vergonhosa para aqueles cujos cérebros, obsecados
pela monomania do mandonismo sectário demoniacamente a engendraram e
maquiavelicamente a puseram em execução?!
Poder-se-á
argumentar que o Dr. José Januário de Magalhães não deveria jamais ter assinado
esse documento criminoso e imoral que se lhe impunha.
Entretanto,
fazendo-o, deu uma dignificante prova dos seus alevantados propósitos de bem
servir ao partido, enquanto esse também lhe fosse fiel e os Srs. vereadores
“prestassem inteiro apoio à sua administração”.
O
que seus falsos companheiros ansiosamente queriam é que ele, efetivamente, se
opusesse à assinatura daquele documento de infâmia e désse, assim, ele próprio
motivos ao seu afastamento justificado do partido.
Aí,
a traição se nos estereotipa solarmente aos olhos.
Mas,
contra a insídia da astuta raposa, se opôs a acuidade inteligente da águia.
E
o Dr. José Januário de Magalhães, meditando, seguramente, sobre a cláusula de
honra assumida pelos vereadores de “prestarem inteiro apoio à sua
administração”, assinou inteligentemente a monstruosa ata.
E
fez bem. Não poderia ser assim, capciosamente afastado do partido, substituída
a sua candidatura pela de outro, quando é certo que os nomes dos vereadores
foram sufragados nas urnas,sob compromisso de ser ele oportunamente eleito
prefeito.
Além
disso, tinha ele próprio, o seu eleitorado, os seus verdadeiros amigos, os
quais não poderiam ser, por essa forma indigna, traídos, surpreendidos com a
eleição de uma terceira pessoa, que lhes não merecia gritantemente a
deliberação solene do grande conclave realizado no Club Muzambinho a que já
referimos.
DE
resto, ainda que não tivesse cumprido estritamente todas as cláusulas daquela
nefanda ata, não se poderia, jamais taxar esse seu ato de “traição”, por isso
que não pòde haver traição na inobservância de condições criminosas e indignas
e se justificariam, no caso, quaisquer medidas de “legítima defesa”.
Era
ilícito o objeto daquele “contrato sui-generis” e o seu valor, por isso,
inexistente.
Era
a objetivação de um ato elevado de dolo e aberrante da ética, dos princípios
gerais do direito, do próprio direito positivo e da mais elementar noção os
atributos da liberdade individual consignados e garantidos pelas constituições
dos povos civilizados.
Foram
todavia, os rancorosos e gratuitos adversários do Dr. José Januário de
Magalhães os verdadeiros e únicos “TRAIDORES”.
Efetivamente,
S. Excia. foi traído antes no dia e depois da sua eleição.
Antes,
porque os caudatários do Sr. Salatiel de Almeida, enviaram um emissário à casa
de um dos seus próprios adversários para se negociar a queda do Dr. José
Januário de Magalhães.
Eis,
entre muitos, um fato que não podem contestar.
“Seria
eleito prefeito e presidente da câmara o Dr. Lycurgo Leite, que, renunciando ao
primeiro desses cargos, daria oportunidade para escolha de outro nome.”
A
honrada, prestigiosa e tradicional família Coimbra, rejeitou energicamente tão
indecorosa proposta.
Não
poderia, de nenhum modo, pactuar com aquele ato de verdadeira traição ao Dr.
José Januário de Magalhães.
No
dia da eleição foi ainda traído o dr. José Januário, dado o tom de franca
hostilidade de descarado facciosismo dos discursos encomendados e pronunciados
na solenidade da posse do prefeito, pelo Dr. José Ary de Almeida, Moacyr Bueno
e Dr. Antônio Magalhães Alves, atual presidente da câmara.
Depois
da eleição os políticos da “confraria ginasiana” traíram novamente porque a
câmara, em que são a maioria eventual, rejeitou acintosamente todas as
salutares propostas que lhe foram enviadas, em sua primeira mensagem pelo
prefeito Dr. José Januário de Magalhães.
A
“ata-monstro”, a que já nos referimos prognosticava todas essas traições.
O
Dr. José Januário de Magalhães pode ter a consciência tranqüila, porque, no
juízo do reto dos homens cujo caráter não se vende em almoeda, saiu, Deus
louvado, ileso da execrável trama em que o tentaram envolver.
S.
Excia, absolutamente não traiu, mas foi covardemente traído.
Traído
e nefastamente hostilizado pelos seus companheiros e admiradores de ontem,
depois de ter tido em
Belo Horizonte , entendimento pessoal com o governo do Estado,
cujos propósitos em face da política muzambinhense sempre se orientaram no
sentido da paz e da conciliação, operou-se, entre o provecto prefeito Dr. José
Januário de Magalhães e a vigorosa falange política chefiada pelo Dr. Fábio
Coimbra e Dr. Armando Coimbra, um salutar movimento mútuo e simpatia e
aproximação.
Com
o prematuro falecimento do Dr. Lycurgo Leite, que desde o início da campanha
política de 30 vinha orientando o partido ao lado da pujante visão administrativa
do Dr. José Januário de Magalhães, grande parte de elementos, de inegável
destaque social e real prestígio eleitoral, não querendo absolutamente seguir
os ditames da politicalha ginasiana capitaneada pelo Sr. Salathiel de Almeida –
elemento, aliás, completamente destituído de credenciais políticas – grande
parte desses elementos ficou onde estava, ao lado do prefeito Dr. José Januário
de Magalhães, com quem cerrou fileiras, constituindo-se em sólida mole
partidária, composta das famílias mais tradicionais da cidade de Muzambinho,
entre as quais se contam os Vieira, os Paolielos, os Coimbra, os Navarros, os
Prados, os Magalhães, os Polis e muitas muzambinhenses de coração as primeiras
filiadas, todas animadas dos mais alevantados anseios do progresso, de culto
aos antepassados, de solidariedade, de cooperação, de entreajuda e de paz.
É
um brilhante e edificante movimento de reação dos advenas aproveitadores do
esforço alheio, que se inculcam foros de autoridade e que se compraziam em
viver comodamente enroscados, como epífitas nocivas ou parasitas sugadoras, aos
troncos dos vetustos robles senhoriais, que são os verdadeiros eponimos
daquelas paragens muzambinhense, seus abnegados fundadores e benfeitores.
Recrudesceram, com isso, a inveja, o despeito e o rancor do Sr. Salathiel de
Almeida e seus sequazes.
Não
mais as fumidas pomas do erário municipal.
Não
mais o “protecionismo ginasial”...
Não
mais...
Muzambinho,
a culta cidade sul-mineira, não será todavia, detida de seu progresso.
O
Ginásio Mineiro, completamente saneado dos seus nefastos elementos,
reivindicará o antigo renome, desfrutado em todo o país, de estabelecimento
modelar de ensino, em que pontificaram Carlos Góes, Júlio Bueno, Oscar da Cunha
Pinto Pereira, Almeida Magalhães, Honório Armond, Mário Magalhães Gomes, mr.
Nixon, Pedro Saturnino e outros luminares das letras pátrias e orgulho do
magistério pátrio, excelentes elementos que o Sr. Salathiel de Almeida não
soube conservar, verdadeiros abnegados que não recebiam os seus parcos
ordenados.
No
entanto, o antigo Lyceu Municipal era um verdadeiro sorvedouro das rendas
municipais.
Daí
lhe vem o nome. Ali, tudo era municipal... Até mesmo o diretor parecia encarnar
e personificar o município.
Mas,
a fertilidade prodigiosa, o cérebro do Sr. Reitor ainda não estancará:
- Ao compasso de sua magistral batuta, continuou, após
a eleição, a seu contra-gosto, do prefeito Dr. José Januário de Magalhães, a
dança macabra dos edis muzambinhenses, tripudiando sobre a ingênua credulidade
do povo de sua grei.
Convocou
os “decenviros da pedra lascada”, sob os augustos auspícios de Ulpiano – o
sorridente.
Como
medida preliminar, elaboraram, em grosseiro decalque, um interessantíssimo
Regimento Interno da Câmara, afeiçoado dos condenáveis propósitos de cercear
quaisquer iniciativas do prefeito.
Escarafuncharam,
a seguir, a Constituição do Estado, o Código Eleitoral, a Lei Orgânica do
Município e, invocando até mesmo disposições de leis anteriores completamente
revogadas, deitaram sabença, forgicaram uma comissão de justiça facciosa e
ignorante, tentaram surrupiar os documentos comprovantes das contas
apresentadas pelo prefeito Dr. José Januário e, consoante vinham assoalhando
aso quatro ventos, não aprovaram as referidas contas e declararam
irrecorrivelmente vago o cargo de prefeito municipal de Muzambinho.
Queriam
agir como partes e como juízes e aventaram a mais abstrusa doutrina sobre a
matéria processual dos recursos.
E
que contas [ilegível] essas?
Eram
conta simples, lisas, devidamente comprovadas por documentos revestidos de
formalidades legais e relativas a despesas realizadas dentro do saldo das
verbas orçamentárias, no curtíssimo período compreendido entre 1º de agosto e
31 de dezembro de 1936!
Apegaram-se,
todavia, os juriconsultos, especializados em contabilidade mercantil, às
expressões do artigo 64, alínea a), da Constituição do Estado de Minas,
“aplicação ilícita dos dinheiros públicos”, e, maldosa e mentirosamente,
trombetearam, pela imprensa do país, que o Dr. José Januário de Magalhães havia
se apropriado, em proveito próprio, dos dinheiros da prefeitura, havia cometido
o grave crime do peculato.
Urgia,
entretanto, não aprovar as contas apresentadas pelo prefeito.
Seria
o último recurso, a única brecha que se lhes ensejava para se apossarem das
ambicionadas arcas do erário municipal.
Torcendo
o espírito da lei, violentando a Constituição Estadual, julgaram, em última
instância, as contas do prefeito, e, em prodigiosa e risível acrobacia
jurídica, saltaram por cima do Egrégio Tribunal de Contas, o único que
legalmente pode julgar definitivamente as contas dos prefeitos.
Mas,
era preciso alijar o Dr. José Januário de Magalhães da prefeitura, custasse o
que custasse.
A
estupenda Resolução n. 3, promulgada por um sui-generis Vice-Presidente da
Câmara, em grotesca e estulta substituição ao ingênuo Presidente, é a última
palavra em matéria legiferante, de todos os tempos!
Falemos
seriamente: erros palmares desse calibre, praticados por bacharéis em direito
pelas nossas tradicionais Faculdades, depõem, não há negá-lo, contra a cultura
jurídica da pátria de Pedro Lessa, Lafayette Rodrigues Pereira, Teixeira de
Freitas e tantos outros.
Mas,
o antigo Conselho Consultivo, no qual tomava assento o meso Dr. Antônio
Magalhães Alves, ilustrado presidente da câmara automaticamente deposto, nunca
deixou de aprovar as corretas contas apresentadas pelo íntegro prefeito Dr.
José Januário de Magalhães, cuja brilhante gestão sempre se pautou pela mais
ampla divulgação administrativa, como pode verificar nas anuais prestações de
contas, devidamente publicadas e profusamente difundidas no município e fora
dele.
E
todas as atas das sessões do aludido Conselho Consultivo, se consignaram,
todavia, calorosos votos de encômios à profícua administração do Dr. José
Januário de Magalhães, cuja brilhante gestão sempre se pautou pela mais ampla
divulgação administrativa como pode ver-se nas anuais prestações de contas,
devidamente publicadas e profusamente difundidas no município e fora dele.
Em
todas as atas das sessões do aludido Conselho Consultivo, se consignaram,
todavia, calorosos votos e encômios à profícua administração do Dr. José
Januário de Magalhães, fato facilmente verificável em o livro n. 1, existente
no arquivo da prefeitura daquela localidade.
O
escândalo judiciário dos sapientíssimos edis de Muzambinho, já transpôs s lides
daquele município e do próprio Estado de Minas, como um escárnio à tendenciosa
propaganda que fizeram, pela imprensa do país, contra seu adversário pessoal
Dr. José Januário de Magalhães, que, de toda essa espurcicia moral lançada
contra sua dignidade, saiu ileso, limpo e mais dignificado ainda. A péssima
impressão causada pelos ridículos erros dos vereadores daquela cidade, os quais
ingenuamente a todos asseguravam a disposição do Dr. Prefeito, produziu
significativo desânimo e grande desconfiança entre os correligionários do Sr.
Salathiel de Almeida.
A
debandada é geral. O fracasso certíssimo e fragoroso.
São Paulo – Março – 1937
Lafayette Navarro
Autorizo a publicação deste no “Diário de S. Paulo”.
Lafayette Navarro
Reconheço a firma retro de Lafayette Navarro. Dou fé.
Muzambinho, 18 de Março de 1937. Em test, LCC da verdade. O 3º Tabelião
Lindolpho Cecílio Coimbra.”
O
artigo é importante, pois nos dá algumas visões do que estava acontecendo.
Neste artigo, Salatiel não é mais o herói, mas o vilão autoritário.
Dr.
José Januário de Magalhães agora é o herói para os pica-paus. Ele já foi herói
dos tucanos. Um herói de segunda grandeza, mas um herói. Para os pica-paus é o
principal herói. Salatiel era herói até para dr. José Januário e Lafayette
Navarro, agora é vilão, autoritário.
Lafayette
reconhece a importância do diretor: “Até
mesmo o diretor parecia encarnar e personificar o município”. Esta frase,
vinda de um adversário, mostra a importância política do mestre.
De
mais, faz duras e seriíssimas críticas ao professor Salathiel e ao Ginásio.
A
leitura do texto nos coloca questões que não seriam conhecidas apenas com a
leitura do jornal “O Muzambinhense”. Outras versões.
Claro,
que deixo por conta do leitor reparar algumas incoerências do dr. Lafayette
Navarro, se levarmos em conta as outras informações que possuímos.
A CAMPANHA DE DIFAMAÇÃO DO GINÁSIO - 1937
“O
Muzambinho” atacava e “O Muzambinhense” defendia. Vamos mostrar alguns trechos
que ajudam a elucidar o problema:
Meu caro Conselheiro ***
Paulo Rosa[5]
O Muzambinhense – 17.01.1937
Acabo
de receber a carta com que V. justifica o seu artigo contra o Ginásio e procura
sustentar as ocas idéias nele exaradas.
Antes
de mais nada, deixe-me dizer-lhe que, ao recebê-la, adivinhei não ser sua, pois
a mesma se achava impregnada daquele seu habitual e irritante cheiro de
alfazema.
Desafia-me
V., logo de princípio, provar-lhe a existência de um só erro no seu trabalho.
Na
realidade, erros propriamente não existem (aquele errozinho no emprego do
demonstrativo não foi levado em conta). E não foi a insólita colocação de um
pronome, nem uma chocante violação das regras elementares da concordância que
me obrigaram a declarar ser o seu trabalhinho obra de algum aluno reprovado em
português.
Não
submeti a uma rigorosa análise gramatical a sua carunchada plataforma de remodelador.
Apreciei-a
como trabalho de composição, de imaginação e, nesse terreno, reafirmo, -
achei-a horrível. Embora V. tivesse passado várias noites em claro, lidando com
dicionários e gramáticas, afim de coordenar aqueles conceitos, a impressão causada
foi má.
Confesso-lhe,
porém, que se soubesse ser V. o escritor daquela peça, eu teria passado sobre o
fato, pois conheço bem a sua teimosia. Quando uma coisa lhe entra na cabeça,
não há cristão que a tire.
V.
não evolui. Por mais que se faça, não se consegue convencê-lo de que estamos no
século XX.
Ainda
há poucos dias, vi uma fotografia sua, recentemente tirada, que me encheu de
horror. Se não me engano foi na “Ave Maria”, revista religiosa que publica
retrato de fiéis favorecidos.
Estava
V. ao lado de uma velha cadeira, com a mão direita apoiada no alto do espaldar,
um guarda-sol no braço esquerdo, de chapéu coco e uma enorme sempre-viva na
lapela.
Se
ao menos V. estivesse sério!...
Mas
aquele seu sorriso forçado, a galã cinematográfico, contrastava pavorosamente com a antigualha
que o cobria!!!
Não
pense V., meu querido amigo, que viso atirá-lo no ridículo. Pelo contrário.
Quero tirá-lo dele. Quero convencê-lo de que a telegrafia sem fios é um fato e
de que o rádio substituiu o realejo, assim como o cinema falado matou a
lanterna mágica.
Que
V. continue a dormir de camisola e touca e vote ódio ao pijama é tolerável,
pois trata-se de uma questão de culto ao passado e não fede a vista senão dos
mais íntimos.
Mas
o seu indefectível guarda pó já é outro caso. Este provoca o riso dos viajantes
irreverentes.
Convença-se,
meu amigo, que o tango atirou às teias de aranha a velha quadrilha, e o smoking
destronou a sobrecasaca.
Jogue
fora a sua, compre um dinner-jacket e venha dançar um fox que, garanto, lhe
fará esquecer as saudosas polkas.
O
Carnaval está chegando, mas, - veja lá! – hoje usa-se o lança-perfume. O
entrudo, a bisnaga e o limão de cheiro já passaram...
De
passado, a única coisa que voltou, querido amigo, foi o bigode. Voltou, mais
voltou civilizado, pequenino, engraçadinho. E V. poderia adotá-lo, se a
natureza ingrata não o bigodeasse, deixando-o imberbe.
O
resto ainda somente pelos museus. E, dificilmente, deles retiraremos as
bárbaras impiedosas e despóticas palmatórias com as quais V. quer que se
obriguem os jovens estudantes a se levantarem, trêmulos e pálidos de medo, à
passagem de um desses raros, rígidos e arrogantes mestres. Creia-me, meu
cordial amigo, que V., com essas idéias tirânicas e retrógradas, com essas atitudes
ásperas e extravagantes me faz lembrar aquela velha e histórica locomotiva –
“Baronesa” – atravessando as modernas ruas do Rio de Janeiro em demanda á Feira
de Amostras.
Ela
representava o Passado e tudo em seu redor o Presente: arranha-céus, bondes
elétricos, polícia especial, automóveis de linha aerodinâmicas, e, no alto, o
ruído dos aviões.
Muito
embora tivesse ela atravessado as moderníssimas avenidas da nossa Capital,
impassível, soberba e indiferente ao riso do povo, eu senti um vago pesar em
notar o ridículo a que lançavam aquela pobre coitadinha, apupada pela gritaria
dos rádios e ironizada pelo olhar do “Graf Zeppelin”.
Não
me leve a mal, meu prezado e divertido amigo, mas toda vez que leio os seus
escritos, ou ouço as suas arengas, sinto-me invadido de profunda tristeza,
porque me salta aos olhos a figura da pobre “Baronesa”, lambuzando de graxa o
luzidio asfalto da Avenida ou cuspindo carvão na alva indumentária dos
cariocas.
Desculpe
e abrace o seu afetuoso.”
Meu inefável Conselheiro ***
Paulo Rosa
O Muzambinhense – 24.01.1937
Amigo
sincero da verdade, confesso que, desta vez, V. me derrotou fragorosamente.
Cabe-lhe
a coroa de vitória. Alise a sua pastinha e assente sobre a caixa óssea que
protege a sua minguada e rara massa cerebral o troféu que V. acaba de
conquistar.
A
rasteira que V. me pregou foi única no gênero. Comprometi-me a analisar todas
as suas composições, para gáudio de nossos leitores e, ao ler a última,
achei-me num beco sem saída. Sem saída e sem entrada.
Embora
V., orgulhoso, se considere “um carretão aparelhado para todas as estradas”,
não logrou trilhar por nenhuma. No último “amontoado de palavras extraviadas”,
V. não conseguiu nem ao menos deixar “um sulco fértil de asneiras”.
O
meu logro foi completo. Comemorar o que?
Esta
vitória, porém, não foi devida ao seu engenho e arte. Confesso que esse triunfo
cabe ao nosso confrade Armstrong que, com uma segura, vigorosa e bem aplicada
bordoada, deixou V. tonto e sem eu assunto.
Todavia
passarei um benevolente olhar sobre a sua tarefa.
A
sua imaginação pesada faz com que Amstrong o chamasse de carretão. Gostando da
comparação, V. foi além, arvorando-se em zorra, mas prefiro confirmar lhe,
diante de seus derradeiros e desafinados apitos, o título de “Baronesa” a queV.
Faz indiscutivelmente jus com as suas idéias retrógradas.
Zangou-se
V. e perdeu as estribeiras quando Armstrong pos o dedo na sua chaga
ortográfica.
Não
proceda assim, meu amigo, seja mais dócil, mais meigo, senão... V. sai fora dos
trilhos!
De
minha parte, juro, não reparei na sua ortografia. O que me embevece, querido,
são os seus processos pedagógicos que poderiam talvez ser adotados por volta do
ano de 1537. É bem provável que, naquela época, a adoção dos seus métodos
conduzisse os pobres catequistas para dentro da barriga de nossos indígenas.
Durante
uma quinzena, V. estafou-se em trabalhos. Abriu dicionários, gramáticas,
enciclopédias e, revolvendo todos os seus vastos conhecimentos de história, deu
à luz um artigo em linguagem tão chula e de erudição tão barata.
Encantou-me,
entretanto, saber que V., na sua opinião, depois desta exaustiva corrida,
colimou seu objetivo, “voltando à vaca fria” (que chulice”) e citando Appeles
(erudição de menino de curso primário...).
Pode
ser que V. haja aprendido esse modo de falar nalgum clássico de além-mar, mas,
entre nós, a gente educada e culta regeita-o.
Além
desta lamentável derrapada, V. pregou
uma trombada na palavra “panacéia”
julgando-a sinônima de mistura...
É
por isto que os estudantes, coitados, vivem às tontas, sem saber a quem seguir:
se os gramáticos, se os sapateiros... de Appelles!
Numa
das rodas da sua zorra, percebi uma ironia atirada ao Ginásio...
Então
V. ignora, meu rubicundo amigo, que existe nesta terra um Mestre que, de per si, vale
um ginásio ou mesmo uma universidade inteira? Desconhece V. a existência de um
desses monumentos históricos que, conhecedor profundo das línguas mortas, perde
anos e anos em pesquisas, mas consegue descobrir o dificílimo processo
evolutivo do queijo?
Não
sabe, então, V., meu embezerrado amigo, que vive entre nós essa enciclopédia
ambulante que decorou páginas inteiras do saudoso mestre Mario Barreto e sabe
justificar, numa demonstração de assombrosa e piramidal cultura, os plurais em
ãos ães e ões?
É
com este, meu dulçoroso amigo, que muita gente estabelece comparações... O
Ginásio não é o melhor estabelecimento de Muzambinho, o Mestre o supera!
Francamente,
meu amigo, com as credenciais que V. apresenta ao público jamais conseguirá
restabelecer coisa alguma.
O
seu apito, meu “Baronesa”, está muito gasto.
Terminando,
por hoje, dou-lhe o meu melhor conselho:
- a única coisa que V. deve tentar restabelecer é o seu juízo e, para
isto, sirva-se da sua própria e feliz lembrança: “Barbacena – um dos melhores
climas do Estado, boa água, excelente frutas” e ... magnífico hospício...
Com
um cordial abraço, seu afetuoso.”
Novo artigo “Hora da Saudade”, de Paulo Rosa, falando
com o Conselheiro. O trecho que se refere ao Ginásio “... quero afirmar-lhe que se V. continuar com as suas lições de português
pela imprensa, a embolia é certa, o moribundo Ginásio... reviverá e o
médico-expurgo...bate as botas....” (O Muzambinhense – 31/01/1937)
“Como já vos escrevi, inteligentes leitores, em um dos
números passados desta folha, o templo de ensino desta cidade – o Ginásio
Mineiro – foi atacado despeitadamente por uma pena déspota, por um cérebro
doentio, pó ruma cabeça geradora e acumuladora de idéias desconexas.
Não
me apraz o bater em lutas estéreis, como tão pouco me empolga o medir-me com
Pachecos que pensam e julgam ser a sabedoria um dom que se lhes patenteou.
É
bem sabido que na guerra o mais fraco será vencido, como é sabido que somente a
Sansãos é dado o privilégio de abater, com queixadas de burros, os Filisteus.
Eu
também sei isso. Sei, mas avanço; sei, mas não recuo porque me veio à mente uma
página anedótica havida entre a mutuca e o leão, porque mais que todos eu me
cinjo à razão.
O
Escriba, querendo se destrilhar da minha fraca mas acertada defesa, disse
observar, em meu trabalho, unicamente xingamentos que pretendiam cobrir as duras verdade por ele emitidas.
Verdades? Não.
São
duras pilhérias – filhas tão duras como a cabeça-mater. E se são essas as
verdades que o nosso grande remodelador tem a dizer em público, é bom, é mil
vezes melhor que se proclame a todo mundo que já nasceu um candidato ao prêmio
Nobel de mentirosos!
Para
se dizer uma verdade em pleno século, é necessário que se pense, que se julgue,
que se meça; para que um jornal seja verdadeiramente benemérito, é preciso que seus artigos sejam estudados, sejam
refletidos. E, sendo assim, como se pode compreender que as duras verdades são rabiscadas e que um benemérito
jornal encerre artigos da tal jaez?
Mas
o que eu li, o que ataca o Ginásio, não passa, repito, de um filho do despeito,
de um produto falso, fabricado em um cérebro ferido, guardando no seu todo, um
dilúvio de banalidades, verdade essa que foi aceita e atestada pelo cunho do
próprio autor, perante a evocação divina – “quanto lugar comum, meu Deus.”
Ao
homem que ostenta, com o galgar uma tribuna para proferir duras verdades, lhe é imposto, pela praxe, o munir-se da palavra
eloqüente, ou quando escrevendo, do estilo scintillante
a fim de pasmar a turba.
Se
lhe não servir tão normal, crecontritamente, ser-lhe melhor erguer-se em campo
das letras apoiando em carunchosas muletas e a turba se pasmará... ante o
tamanho das quedas e solavancos!
Mais
uma vez me deparo com um punhado de vocábulos cuja análise e cujos ditames me
abalam os nervos!
Pobre
autor! Não lhe reparo mais o estilo. Não lhe esbordôo mais as arrogâncias.
Somente, e com grande espanto para mim, notei, entre os duros ditos, a
assombrosa falta de propriedade na colocação de um termo.
Qualificou-nos,
o autor de “O GYMNÁSIO”, de propinadores de uma panacéia. É interessante! Muita
vez o que se diz para ofender alguém, torna-se-lhe um elogio.
O
competente autor empregou “panacéia” como significando “mistura”, mostrando-nos
assim que brigou com seus dicionários, patenteando-nos a veracidade do
provérbio – “quem cospe para cima, na cara lhe cai”.
“Panacéia”
– jamais significou “mistura” nem nos tempos das invasões bárbaras na Península
Ibérica, tempos nos quais o remodelador se julga estar; nem na data presente.
“Panacéia”
– significa remédio universal para todos os males e, assim sendo, nós somos uma
panacéia. Estamos prontos e decididos a dar cura à ignorância e ao despeito – males
cruéis que mui impiedosamente fustigam os miolos do pai de “O GYMNÁSIO”.
Finalizando
estas justas considerações, passo a explicar ao articulista em questão que ele
foi bem próprio numa palavra: aceitou, sem vexame, o apelido de “carretão” e,
foi inda mais além, chamando-se de “zorra”, quando lhe falei de seu estilo
arrebicado e descolorido.
Podemos
nos apaziguar, muzambinhenses que me ledes, porque um carretão, por mais sólido
que seja, nunca jamais poderá ruir o ginásio, se lhe vai no cabeçalho tal boi
normando desenferado...
ARMSTRONG” (O Muzambinhense – 24/01/1937)
Duas Datas Caras ao Povo de Muzambinho
A
data de hoje é uma das mais caras é tradição de nossa cidade e de nosso
município. Ela marca o início da vida oficial e efetiva do antigo Liceu
Municipal de Muzambinho, que Salatiel de Almeida, Dr. Fernando Avelino Correia,
e o Cel. Francisco Navarro, coadjuvados pelo Cônego Pedro Nolasco e pelo
saudoso professor Júlio Bueno, fundaram, organizaram e mantiveram com denodada
prova de amor ao ensino.
Tão
notaria era a obra desses ilustres servidores de Muzambinho, que não houve
autoridade administrativa que os não auxiliasse, emprestando à iniciativa todo
o apoio e todo o concurso dos poderes públicos.
Dos
realizadores da empresa que angariou para Muzambinho o renome de centro
intelectual, apenas um, Salatiel de Almeida, levou a cabo o empreendimento,
vencendo óbices de toda sorte.
Tanto
assim que, ao ser convertido o antigo educandário em ginásio do Estado, obra
meritória que devemos ao grande Andrada, apenas salatiel ainda se achava em
atividade, à frente dos destinos da casa que ajudou a fundar, que organizou,
dirigiu, engrandeceu e transformou.
Pelo
Liceu passaram várias dezenas de moços que se instalaram normalmente em vida
prática, militando nas profissões liberais, nas letras, nas artes, no
magistério, na indústria, no comércio, na lavoura. A maioria deles, de coração
bem formado, de caráter aprimorado, jamais se esqueceu a fonte cristalina da
primeira água bebida em Muzambinho, de tal modo que o festejado educador tem
tido a ventura de encontrar, até agora, no ginásio e na Escola Normal os filhos
de numerosos ex-alunos.
Não
nos cabe entoar loas a essa obra que só por si recomenda seus realizadores. A
prova de seu mérito, nós recebemos continuamente dos municípios vizinhos, de
Minas e S. Paulo, onde o nome de Salatiel de Almeida é pronunciado com o
respeito com que todo homem normal e civilizado se refere a seu preceptor.
Infelizmente
uma nuvem pestilêncial envolveu o velho estabelecimento que foi sempre a maior
glória de Muzambinho. Espíritos maus poisaram sobre as vigas mestras da boa
casa. Mas, nova aurora sucederá à noite escura de hoje e, com a cintilação
luminosa, as aves agourentas levantarão vôo, de modo que ainda é possível haver
luz sobre os escombros de uma obra que não podia ter sido destruída, porque ela
é a alma mesma de Muzambinho.
A
outra data sobremodo cara a todos os muzambinhenses é a de 28 de setembro.
Ela
marca o aniversário natalício do Dr. Licurgo Leite!
Não
faz um ano ainda que o ilustre varão morreu, e os fatos sucedidos na cidade que
ele tanto amou parece se haverem desenrolado em decênios de desilusões, de
sofrimento e de dor.
Foi
poupado a dolorosas provações, a dissabores cruéis e a desilusões maiores, que
na vida somente fez o bem, semeou a paz e a concórdia, foi capaz de todas as
renúncias, jamais faltou à palavra dada e nunca mentiu aos seus amigos.
No
dia de seu aniversário natalício em que sua casa se enchia de companheiros, que
ele acolhia com a mesma simplicidade de todas as horas, volvamos o nosso
pensamento para aquele que soube ser chefe, porque sempre soube ser bom. (O
Muzambinhense – 26/09/1937)
Todo material e imagens dessa página são livres e podem ser utilizados de acordo com a licença:
citando como autor Otávio Luciano Camargo Sales de Magalhães
[1] Interessante notar que o Dr. Talcídio chega atrasado
na posse dos vereadores da Câmara Municipal, quase perdendo sua vaga.
[2] Esse trecho mostra, pelas palavras do próprio
Salathiel, que ele era político e não apolítico como dizia Montanari ou
insinuava Soares.
[3] Em frente da Igreja Matriz.
[5] Paulo Rosa é o pseudônimo do prof. José Maria Armond, segundo
informações do sr. Graco Magalhães Alves, filho do prof. Antônio Magalhães
Alves.