IMPEACHMENT DE JOSÉ JANUÁRIO DE MAGALHÃES

O impeachment de José Januário de Magalhães


A Câmara de 1937


Figura 83 – Reunião política na Câmara Municipal antiga (foto do acervo do Museu Francisco Leonardo Cerávolo)

                A última edição em que os tucanos através do jornal “O Muzambinhense” elogiam Valladares é a de 17/01/1937, quando a Câmara envia solidariedade a Valladares.
                Nesta mesma edição mostra-se a eleição para vice-presidente da Câmara do dr. Talcídio de Oliveira, sendo o presidente A. Magalhães Alves e secretários Messias Gomes de Melo e Francisco Venceslau dos Anjos. dr. Lycurgo se afasta da Câmara por motivos de saúde.
                Curiosamente, exatamente um mês depois desta data, as reuniões da Câmara são presididas primeiramente por Talcídio de Oliveira (até 21.02) e depois por Messias Gomes de Melo, sempre em reuniões rápidas e sem pautas a serem discutidas.
                A leitura das atas do início do mandado na presidência da Câmara do dr. Lycurgo e depois de Magalhães Alves não mostram apenas intensos debates contra o prefeito, mas coisas de progresso fundamentalmente para a Zona Rural e distritos. Criam-se novas escolas principalmente em Juruaia e Monte Belo na roça (Babilônia, Areias, Posse dos Lopes, Posse dos Santos, Fazenda Monte Alegre), leva-se água até Juruaia e Mata do Sino, asfalta-se a avenida principal de Monte Belo, coloca-se iluminação pública no Moçambo a partir de abaixo-assinados do sr. Pasquale Petreca, calça-se a Rua Santos Dumont, nomeia professora substituta para Santa Cruz da Aparecida (segunda escola), entre outras atitudes.

José Januário enfim abandona os Tucanos


                O ano de 1937 foi um ano emblemático, não só no Brasil, mas em Muzambinho. Aqui, entra em cena a política de Muzambinho tendo o Ginásio como principal alvo.
                Logo após a morte do dr. Lycurgo, dr. José Januário passa para o lado dos pica-paus, os tucanos retiram o apoio à Valladares e Vargas, Leopoldo Poli reabre o jornal “O Muzambinho” com críticas intensas ao Ginásio. Começam os pica-paus a criticarem o Ginásio. Fortes críticas, propaganda difamatória do reitor do Ginásio.
                Havia evidente conotação política. Antes da ruptura de Vargas e Antônio Carlos, elogios públicos eram feitos ao mestre Salathiel de Almeida, homenagens públicas:
A comissão abaixo assinada convida aos amigos e admiradores do Snr. Salathiel de Almeida, para, hoje, às 7 horas da tarde, reunirem-se em frente ao Theatro, e daí seguirem até a casa do mesmo, onde o Dr. Lafayete Navarro expressará em palavras brilhantes, o sentir do povo de Muzambinho que é de gratidão e solidariedade ao educador modelar.
Dr. Lycurgo Leite
Dr. José Januário de Magalhães
Heleodoro Mariano de Almeida
Renato Lagoeiro Bandeira de Melo
Guilherme Cabral
Antônio José da Cunha Júnior
Leopoldo Poli
Benjamim Rondinelli
Renato Lacerda
José Hypolito Guimarães
Valério Lacerda (O Muzambinhense – 25/08/1935)
                O mesmo Lafayette Navarro, que expressará com palavras brilhantes, o sentir do povo de Muzambinho que é de gratidão e solidariedade ao educador modelar, publicaria artigo no “Diário de São Paulo” chamando-o de nefasto, autoritário e vários outros adjetivos que depreciam o seu antigo mestre, que dois anos antes ele fizera homenagens.
                Não só ele, mas também Leopoldo Poli e o próprio dr. José Januário.


Figura 84 – Dr. José Januário de Magalhães (foto do acervo do Museu Municipal Francisco Leonardo Cerávolo)

                As páginas sociais d’ “O Muzambinhense” continuavam a jogar confetes:
“dr. Salatiel de Almeida digníssimo e correto Reitor do nosso Ginásio”. (Sociais do “Muzambinhense” de 31/01/1937)
                        Mas começava uma trama política, onde a luta pelo poder era uma luta contra os tucanos, contra Antônio Carlos, contra a força de poder em Muzambinho, e, portanto, contra Magalhães Alves, contra Salathiel e contra o Ginásio Mineiro de Muzambinho.
                Aparentemente o Ginásio representava aos olhos do povo e dos políticos representantes do grupo pica-pau, a “Confraria Ginasiana” como Lafayette Navarro afirma.
                Talvez, a morte de Lycurgo tenha causado mudanças de postura em Salathiel ou Magalhães Alves. Talvez uma luta de poder com o prefeito dr. José Januário.

                Salathiel de Almeida publicou no jornal “O Muzambinhense”, extenso artigo, chamado “Depoimento sobre uma traição”, onde ele explica como aconteceu a traição do dr. José Januário de Magalhães, que se bandeara ao lado dos pica-paus.
                Transcrevo na íntegra no apêndice, o documento de 24 de janeiro de 1937, e a leitura dela é importante. Não conheço a versão dos pica-paus para o assunto. Nem tenho certeza se dr. José Januário aqui já havia se aliado aos pica-paus dos Coimbras.
                Salathiel começa o artigo comentando que no dia 17 do mesmo mês, o jornal “O Muzambinho” publicou um artigo chamado “Parasita Prestigiado”, assinado pelo dr. José Januário de Magalhães faz várias críticas ao prof. Salathiel relacionados aos episódios das eleições municipais de 7 de junho de 1936.
                O depoimento do prof. Salathiel fala sobre a recusa do dr. José Januário de Magalhães em aceitar a candidatura do dr. Talcídio para vereador. Segundo Salathiel o dr. José Januário renunciou a candidatura e para agradar o dr. Lycurgo foi com seu filho Ary Almeida na casa do dr. José Januário insistir para que ele mantivesse a candidatura. No artigo, Salathiel se defende da acusação do dr. José Januário de que o prof. Salathiel lhe havia prometido a renúncia do dr. Talcídio.
                Interessante que Salathiel no artigo se defende “sem tomar em consideração os conceitos emitidos sobre mim”, onde flagrantemente havia sido atacado.
                O artigo é interessante pois conta todo o processo da indicação do dr. José Januário até a ruptura, vindo das palavras do próprio prof. Salathiel de Almeida. É um importante e célebre texto que não pode ser desconsiderado.
                Diz que no texto procurou ser “fiel, sereno e verdadeiro”. Vê-se nas palavras do mestre serenidade, visto que ele não faz ataques (como lhe faziam).
               
                No texto Salathiel fala do desejo do dr. Lycurgo na recondução do dr. José Januário e da concordância do grupo na homologação do nome do médico para continuar no cargo: “querido e acatado, a opinião do grande chefe foi aceita, embora, como disse, a contragosto de muitos elementos do partido, inclusive o próprio signatário deste que já negara ao sr. dr. J. Januário o seu voto, na primeira vez que o seu nome fora levado ao governo para tal cargo”. Salathiel assume que não concordara desde a primeira vez com a candidatura do dr. José Januário. É importante repetir aqui que a eleição para prefeito naquela época era indireta, e que o prefeito era a continuidade do Agente Executivo municipal, geralmente assumido pelo presidente da Câmara.
                Salathiel narra que a indicação do dr. José Januário para prefeito não gerou empolgação do grupo e que não entusiasmava o grupo e nem a população, mas foi acatado em respeito ao dr. Lycurgo. Conta Salathiel sobre a reunião de escolha dos vereadores para a eleição e sobre o convite ao prefeito para participar da reunião, e sobre todos os episódios de divergência sobre a candidatura do médico Talcídio de Oliveira, a imposição de voto de todos candidatos ao dr. José Januário e o compromisso a todos, a carta de renúncia do dr. José Januário, a visita do reitor e seu filho à casa do prefeito para desistir da renúncia.
                Sobre a carta de renúncia, Salathiel diz: “Esse documento infeliz continha evidentemente um propósito fingido de renúncia e um intuito claro de ameaça. Era um modelo acabado de traição política.”
                Diz Salathiel que o dr. Lycurgo Leite se sentiu enojado com aquele procedimento. Também na carta, Salathiel diz: “A devolução foi feita e de tão boa fé agimos nós, que nem sequer tiramos uma cópia desse documento”.
                Salathiel conta da insistência do prefeito na renúncia do dr. Talcídio, que foi o segundo vereador mais votado. Também transcreve a carta de renúncia do dr. Talcídio[1], contando sua versão do episódio.
                Salathiel encerra seu depoimento que diz ser escrito “à luz meridiana da verdade”. E pede que o povo julgue se ele é um intransigente e bajulador ou um homem bem intencionado e animado dos mais nobres intuitos de servir à causa do Partido Progressista, que era a causa de Muzambinho[2]. e provoca com um sutil ataque:
Para terminar, duas palavras sobre a torpe insinuação do Dr. José Januário, de “negociatas com o Governo”, de minha parte.
                Estou plenamente convencido de que o meu nome paira, no conceito do povo, muito acima dessa tola aleivosia que não me atinge.
                Nos meus 60 anos de existência, do quais 40 de vida pública, laboriosa e honrada, não me arreceio de um confronto com a curta existência do jovem censor, que em minguado tempo de noviciado público se vê abarbado com embaraçosas prestações de contas.
Salathiel de ALMEIDA (O Muzambinhense – 24/01/1937)

                        Talvez essa manifestação do reitor foi a sua declaração de morte. Talvez tenha sido o início formal da disputa dele com dr. José Januário. Talvez isso que fez os pica-paus quererem atingir o Ginásio com mais dureza ainda.


Tucanos x Dr. José Januário de Magalhães


                A política em 1937 esquentara mais do que nunca. Não tinham o chefe Lycurgo Leite. Antônio Carlos perdia o seu prestígio com Vargas. Valladares era muito chegado ao dr. José Januário de Magalhães. Os pica-paus ficaram mais fortes do que nunca e tinha pela primeira vez o apoio do governo de Minas Gerais.
                Os tucanos, que tinham 2/3 da Câmara Municipal, mesmo depois de algumas baixas, rejeitaram as contas do dr. José Januário e cassaram o seu mandato. Antônio Magalhães Alves, presidente da Câmara, assumiria o cargo.
                Mas dr. José Januário não saiu e a guerra com a Câmara começou.
                O final desse ano seria emblemático demais. O prefeito abandona o seu grupo político pelo qual foi eleito. Frei Florentino, um líder importante, morre. Pica paus e tucanos se igualam em forças políticas. Ginásio amplamente difamado. Dois jornais se degladiavam. Salatiel exonerado. Novo reitor do Lyceu assassinado. Decretada a ditadura do Estado Novo: Getúlio torna-se ditador em 10 de novembro. E, dr. José Januário prefeito biônico.
Tudo isso em um ano só. O mais agitado de todos até então. Até parece que dr. Lycurgo escolhera a hora certa para morrer. Se estivesse vivo, talvez a nossa história fosse outra.

Alguns trechos do jornal “O Muzambinhense” falam sobre a disputa da Câmara com o prefeito. dr. José Januário de Magalhães, que sanciona o orçamento, mas manda outra proposta orçamentária para a Câmara. O jornal, de 17/01/1937 faz inúmeras e fortes críticas ao prefeito, em um artigo duro e acusador. Fazem até uma insinuação velada: “[Dr. José Januário] Não se recordou, também, de Luiz XVI que deixou a cabeça na guilhotina por tentar resistir a que os franceses fiscalizassem suas finanças.”
Neste mesmo mês longo artigo tem o título “Câmara recusa contas do prefeito”, onde faz duras críticas, inclusive aos gastos com pedras e monumentos:
                Seguindo seus trâmites regimentais, discute a Câmara um projeto de resolução, negando aprovação às contas do prefeito, relativas ao período de 1º de agosto a 31 de dezembro próximo findo.
                O parecer da Comissão de Finanças é uma peça longa, bem fundamentada, apoiada em indisfarçáveis dados numéricos, redigida com meridiana clareza, de modo a fazer ressaltar, à evidência, que o chefe do executivo local aplicou ilicitamente os dinheiros públicos.
                Em nossa próxima edição, daremos à publicidade esse documento público que demonstra, de modo irretorquível, os desmandos financeiros da atual administração. (...)
                Todos os funcionários municipais, inclusive o operariado, estão em considerável atraso nos recebimentos. Os concessionários de luz e de limpeza pública não receberam as verbas destinadas a tais serviços. As dotações que se destinavam a pagamentos ao Governo do Estado, ao Departamento das Municipalidades, à corporação musical, aos credores por apólice, foram desviadas.
                Serviços de necessidade social indiscutível, como o de assistência à infância e à maternidade, bem como o de assistência aos indigentes, para os quais o orçamento – obedecendo, aliás, a Constituição – consignava verbas regulares – deixaram de ser executados. O coração granítico do prefeito, na hora das reivindicações proletárias que atravessamos, não palpita diante da miséria das criancinhas e das mães desamparadas, para só vibrar, de orgulhoso entusiasmo, diante do “Cruzeiro de Pedra”[3] – “um dos maiores monumentos da arte do Estado de Minas”.
                O serviço de educação pública – alicerce da grandeza futura de nossa Pátria – está em desmantê-lo. A quarta parte da verba a ele consagrada, por mandamento da lei constitucional, sofreu ilegal e clamoroso desvio.
                Todas as normas acauteladoras dos dinheiros públicos foram, truculentamente, espesinhadas pelo executivo muzambinhense: - Nem hasta pública, nem pedidos de créditos adicionais, nem orçamento das obras de monta, nem contrato firmado para a execução delas, nem empenho das despesas. Todas as leis, inclusive as constitucionais, caíram desrespeitadas, aos pés do absolutismo que se intenta implantar na Prefeitura de Muzambinho, com destoante anacronismo com a mentalidade sadia que surgiu com a revolução de 1930. (...) Errou S. S., supondo poder dispensar os conselhos honestos dos representantes do povo, erigindo-se em único, supremo e absoluto poder.
                Errou lamentavelmente! (O Muzambinhense – 31/01/1937)

A Câmara, em 1ª discussão, negou-se a aprovar as contas do Prefeito
Em sua sessão de ordem, a Câmara, por dois terços de seus votos, negou sua aprovação às contas do Prefeito, relativas ao período de 1º de agosto a 31 de dezembro do ano passado, por motivos de ilícita aplicação dos dinheiros públicos.
                A votação foi nominal, havendo se pronunciado pela rejeição das contas, na forma do parecer da Comissão de Finanças, os vereadores Dr. Antônio Magalhães Alves, Francisco Venceslau dos Anjos, Ivo Antônio Marques, João Viana de Figueiredo, Messias Gomes de Melo e dr. Talcídio de Oliveira, e pela aprovação apenas os srs. Dr. Fábio de Oliveira Coimbra, Henrique Vieira e José Luiz Marcondes Júnior.
                Em defesa do parecer, falou o Dr. Talcídio de Oliveira, seu relator, o qual, sem ser interrompido por apartes, demonstrou, com os algarismos enviados pelo Prefeito, o esmagador volume que, do ano de 1935 para 1936, ganhou a dívida do Município que já atinge a vultuosa soma de oitocentos contos de réis.
                Amanhã, as contas serão submetidas à penúltima discussão.(O Muzambinhense – 31/01/1937)

Valladares não aceitou a decapitação de dr. José Januário de Magalhães. Outro artigo, do jornal “O Muzambinhense” de 26/09 reproduz matéria do jornal “O Estado de Minas”, de 11/09/1937, o qual acusam de não ser partidário do partido deles:
Fala que o governo estadual não acatou a rejeição das contas de J. Januário, desrespeitando a Constituição Estadual e a Lei Orgânica dos Municípios. Conclui com “... automaticamente, está o prefeito destituído de suas funções, devendo assumir o cargo o presidente da Câmara. Não é moral nem jurídico que continua a exercitar o cargo o prefeito tido pela maioria dos vereadores com mau aplicador dos dinheiros municipais. (...)
[Critica da situação que pergunta como vão aprovar o novo orçamento do prefeito para o 2º semestre se eles já o destituíram?]
                Assim é que, continuando a arrecadação, não se sabe onde vai o dinheiro; o encarregado da limpeza pública não recebe desde muito tempo os seus pagamentos, a Companhia de luz há mais de ano nada recebe, a música deixou de dar retretas por não lhe serem pagos os vencimentos contratados; a benemérita Santa Casa, há mais de 2 anos não recebe a sua subvenção; os contratantes de estradas de rodagem paralisaram os serviços por não receberem seus pagamentos, etc.
                Enquanto isso, há a solene ereção de um cruzeiro de pedra, em que se gastaram dezenas de contos de réis, sem verba orçamentária, sem orçamento e sem hasta pública!!! Alega o prefeito destituído, porém, mantido “manu militari”, no exercício de fato do cargo, que não tem dinheiro para por em dia os pagamentos autorizados no orçamento. Como consegue que o dinheiro para obras não autorizadas? É que ele sabe onde o dinheiro se encontra... Segundo é voz corrente, emite ele letras de câmbio, descontadas fraternalmente pelo seu cunhado, o capitalista português sr. Guilherme Cabral!!! Para que, pois, orçamento? Estando sendo os municípios sacrificados pela má aplicação dos dinheiros públicos sendo eles a seu lado a lei que, infelizmente não vem sendo cumprida, somente lhes resta, enquanto o regimem legal não se impor, reduzir consideravelmente o orçamento, só para não se dizer não ter sido ele elaborado. Dessa forma, o município será sacrificado, com a compensação dos municípios não o serem... (Muzambinho, 11 de setembro de 1937, publicado no jornal “Estado de Minas”, autoria de Eufrosino Ferreira). (O Muzambinhense – 26/09/1937)

                        Antes da Câmara destituir José Januário, a Câmara foi dissolvida, e José Januário ficou mais 8 anos. Sem eleição nenhuma e nem aprovação das contas.
                Críticas uma semana mais antigas a dr. José Januário já apareciam, numa época ainda de não rompimento total com Valladares por parte dos tucanos:
... foi lida mensagem do Prefeito, fazendo remessa à Câmara de nova proposta orçamentária para o corrente exercício, por haver erros no orçamento elaborado e sancionado. O presidente declarou não incluir essa matéria em ordem do dia, porquanto já era matéria vencida. (No mesmo jornal há atos de solidariedade a Valladares e de pesar ao dr. Licurgo Leite). (O Muzambinhense – 17/01/1937)
                Este jornal de 17 de janeiro foi publicado no mesmo dia que outra edição do jornal “O Muzambinho” da qual não temos notícias, mas lá Salathiel é atacado por dr. José Januário. Portanto, este jornal de 17 de janeiro foi sui generis, pois ainda não representava uma ruptura total. Foi neste dia, 17 de janeiro de 1937 que acirraram-se as brigas, devido ao ataque do dr. José Januário ao prof. Salathiel de Almeida sob a alcunha de parasita privilegiado que a grande briga Pica Paus e Tucanos se acirrou e o Ginásio começa a se desmontar.

Difamação do Ginásio



                        “O Muzambinho” foi criado, entre seus objetivos, para difamar o Ginásio, o que nos parece.
                “O Muzambinhense” fazia a defesa.  No apêndice, sob o trecho Difamação do Ginásio, teremos uma série de textos extraídos de jornais que falam sobre o intenso ataque que a escola recebeu no ano de 1937 e as defesas no jornal tucano.
                Os primeiros artigos que tivemos acesso sobre os problemas na escola de Salathiel iniciaram no dia 17 de janeiro, com o artigo “Meu Caro Conselheiro” de Paulo Rosa, que começa com:  “Acabo de receber a carta com que V. justifica o seu artigo contra o Ginásio e procura sustentar as ocas idéias nele exaradas.”. O artigo cita também Armstrong, o pseudônimo de uma outra pessoa, que também não sabemos de quem se trata. Eis enigmas interessantes: quem seriam “Conselheiro”, “Paulo Rosa[4]” e “Armstrong”?
                No dia 24 de janeiro, Paulo Rosa, escreve outro artigo, intitulado “Meu inefável Conselheiro”, e utiliza de uma linguagem irônica, como no artigo anterior, começando confessando que o seu adversário o derrotou fragorosamente e que à ele caberia a coroa de vitória.
                Só para se ter uma idéia do tom utilizado nos debates, cito um trecho de Rosa em 24 de janeiro:
            Terminando, por hoje, dou-lhe o meu melhor conselho:  - a única coisa que V. deve tentar restabelecer é o seu juízo e, para isto, sirva-se da sua própria e feliz lembrança: “Barbacena – um dos melhores climas do Estado, boa água, excelente frutas” e ... magnífico hospício...
                   Com um cordial abraço, seu afetuoso.
                No dia 24 de janeiro, também foi escrito um artigo de Armstrong: “em um dos números passados desta folha o templo de ensino desta cidade – o Ginásio Mineiro – foi atacado despeitadamente por uma pena de déspotas, por um cérebro doentio....”. O artigo é interessante pois discute o significado da palavra panacéia, que pode ser lida no apêndice.
                Em 31 de janeiro Paulo Rosa cita o debate em seu artigo “Hora da Saudade”.

                Há um texto publicado no dia 17 de janeiro, de Pedro Segundo Gouveia do Prado que nos mostra que o ataque ao Ginásio começaram a acontecer anteriormente as datas que relatamos:
Consigno nestas linhas meus aplausos e parabéns ao sr. Amstrong, que no número próximo passado desta folha levantou bem alto a sua voz em defesa do nosso Ginásio – velho mas honroso casarão, e sob o qual muitos ingratos vão buscar a força necessária para depois saírem açoitando-o e maldizendo-o com as mais mesquinhas e despeitadas palavras que podem sair de uma sensível alma humana.
                   Ao Dr. Salatiel de Almeida, pai de muitos desprotegidos de Fortuna, e à sua força tanto física como moral, por sustentar sobre seus ombros o preso de doze ou mais pavilhões desse estabelecimento, os nossos mais sinceros elogios.
Pedro Segundo Gouveia Prado. 13 de janeiro de 1937. (O Muzambinhense – 17/01/1937)

                No dia 26 de setembro, é publicado um artigo chamado “Duas Datas Caras ao Povo de Muzambinho”, que fala do aniversário do Ginásio, dia 26, e do aniversário de nascimento do dr. Lycurgo, no dia 28.
                O artigo fala dos problemas do colégio de Salathiel:
Infelizmente uma nuvem pestilêncial envolveu o velho estabelecimento (...). Espíritos maus poisaram sobre as vigas mestras da boa casa. Mas, nova aurora sucederá à noite escura de hoje e, com a cintilação luminosa, as aves agourentas levantarão vôo, de modo que ainda é possível haver luz sobre os escombros de uma obra que não podia ter sido destruída, porque ela é a alma mesma de Muzambinho.
                O artigo fala que Lycurgo foi poupado a dolorosas provações, dissabores cruéis e desilusões maiores, em referência aos problemas políticos da cidade e aos ataques à escola.

                Porém, Lafayette Navarro, filho do Cel. Navarro, faz um artigo muito importante, do qual transcrevemos no apêndice, publicado no Diário de S. Paulo do dia 31 de março. A leitura do texto é muito importante, pois apresenta a defesa do dr. José Januário ao artigo “Depoimento de uma traição”, do prof. Salathiel de Almeida.
                O autor do texto fala da tentativa de Salathiel demitir um professor, dos ataques de Salathiel ao dr. José Januário e da tentativa cassação do prefeito por acusação de peculato pelos vereadores. Fala também da tentativa do grupo tucano de impor uma série de regras à candidatura do dr. José Januário, numa “ata monstro” que impunha que o prefeito para atuar precisava consultar suas bases (algo comum e bem visto hoje em dia).
                O artigo também diz que a briga de Salathiel com o dr. José Januário deve-se aos interesses de Salathiel não atendidos pelo prefeito. Os argumentos e a forma de apresentar as informações reforçam a tese de que havia a tendência da liderança ser para dr. José Januário ou para Salathiel.
                O texto do Diário de S. Paulo é denominado “O caso político de Muzambinho à luz clara da verdade”.
                Vou destacar alguns trechos, fazer alguns grifos, apresentar temas tratados no artigo todos são meus:

Trecho 1: A cidade de Muzambinho no sul do estado de Minas Gerais, está sendo palco da mais desleal e indecorosa das campanhas partidárias que há notícia nos anais da história política do interior do país. Esse progresso é devido ao denodado esforço dos políticos e administradores anteriores dr. Américo Luz, cel. Francisco Navarro de Moraes Salles, Francisco Paoliello, Aristides Coimbra, e, ultimamente, pela energia e profícua gestão administrativa do atual prefeito dr. José Januário de Magalhães.

Trecho 2: Cita elogios ao dr. José Januário publicado no jornal dos adversários “O Muzambinhense” no dia 1º de junho de 1936. Cita o jornal como adversário, esquecendo de contar que na época o dr. José Januário era tucano.

Trecho 3:Contrastando com tudo isso, com a postura patriótica e elegância cívica desses beneméritos de Muzambinho, ressalta a latismável atuação do sr Salathiel de Almeida, reitor do Ginásio Mineiro daquela cidade, que conseguiu, com nociva maestria transformar aquele educandário em verdadeiro covil de vergonhosa politicalha, em que se postergam os alevantados interesses do ensino em vantagem a um pernicioso faccionismo e em que se consultam apenas os interesses pessoais de um grupo, forcejando por liquidar a boa fé e a credulidade do povo.
                Isso se explica pela grande ascendência que o sr. Salathiel sempre procurou exercer e, designadamente agora [ilegível] sobre a maioria dos professores, quase todos ex-alunos do antigo Lyceu Municipal de que era diretor.
                Acresce ainda o fator psicológico do seu temperamento autoritário e por vezes, despótico, sempre cultivado e acariciado pelo que se costuma denominar de “protecionismo ginasial”.
                De feito: Estando a vida daquele município visceralmente ligada à vida e desenvolvimento dessa instituição de ensino [1], todas as administrações locais se tem louvavelmente timbrado em protegê-la, consoante se pode verificar na farta legislação a respeito, constante dos arquivos da prefeitura.
                Daí, a custa da repetição de fatos e circunstâncias que iam consumando, o querer o Sr. Salathiel como que personificar a própria instituição de ensino, fundada por uma plêiade de antigos abnegados de Muzambinho, e vir auferindo, quase que exclusiva e individualmente, todos os benefícios decorrentes do amparo e estimulo à causa a instrução pública municipal.
                Assim é que, tendo obtido dos poderes públicos uma enorme cópia de favores para o estabelecimento de ensino de que era diretor e hoje é reitor, consistentes em isenção de impostos, privilégios, empréstimos e muitos mais, jamais o Sr. Salatiel conseguiu dotá-lo de adequado aparelhamento técnico e de instalações consentâneas com as exigências do ensino.[2]
                Entretanto, uma enorme soma de dinheiro foi drenada dos cofres municipais para esse educandário, por intermédio do sr. Salathiel, não tendo, talvez, sido aplicada aos fins a que se destinava [3].
                Posto que o Sr. Salathiel tivesse sido acatado e protegidíssimo, no início de sua vida e ulteriormente, por todos os dirigentes do município, o propósito que sempre predominou, que não poderia ser outro senão por uma inversão absurda de coisas, foi o de se desenvolver o ensino naquela instituição, o estabelecimento, o Lyceu Municipal, o Ginásio Mineiro e, nunca a indivíduos, ao Sr. diretor, ao Sr. reitor.”
                O autor Lafayette Navarro, que há dois anos prestava homenagem ao prof. Salathiel de Almeida, desta vez o atacava: o chamou de: nefasto, maquiavélico, politiqueiro, déspota, autoritário, nocivo, egoísta, parasita, interesseiro, mesquinho e o acusou de corrupto (veja [3]). Disse que o reitor personificava a própria instituição e que tinha “comparsas” em sua “confraria ginasiana”.
                Outra coisa importante deste trecho é que se assume em [1] que a vida de Muzambinho está relacionada ao desenvolvimento da Escola.
                Mas em [2] que acho algo surpreendente: uma crítica à qualidade do Lyceu, o que não foi encontrado em nenhum outro documento da época.

Trecho 4:  “Felizmente, estamos informados de que o patriótico governo daquele Estado está tomando sérias providencias no sentido de o expurgar de todos os seus maus elementos e o elevar à dignidade de uma casa de ensino condizente com os foros de civilização daquela grande unidade da federação, e com a importantíssima causa educacional pátria.”
                Aqui está a ameaça. O governo vai fechar o Ginásio, e isso aconteceu. Lafayette Navarro, associado ao dr. José Januário, ao qual ele louva em todo o artigo, faz uma ameaça que aconteceu e custou caro ao povo de Muzambinho, tendo que conviver entre 1938 e 1947 sem nenhum ginásio gratuito no município, e onde o antigo Lyceu se tornou um batalhão do exército. Este trecho mostra o papel dos pica-paus no fechamento do Ginásio.

Trecho 5: o Sr. Salathiel de Almeida começou de querer encarnar a própria dignidade do estabelecimento.
                Daí, para o exacerbamento do seu autoritarismo foi um passo.
                Adquiriu, então, foros de autoridade, exigindo benefícios quase exclusivamente pessoais, impondo condições e se agastando quando insatisfeito em seu menor propósito.
                E característico o fato de ter o Sr. Salathiel, certa vez em que fora contrariado em seu autoritarismo, lançar aos quatro ventos  a notícia que abandonaria a reitoria do Ginásio como se isso significasse a morte  daquele estabelecimento de ensino que quiçá, o desaparecimento da própria cidade de Muzambinho e não houve em todo o Brasil, um técnico em matéria de ensino, uma pessoa respeitável pelo saber e pela dignidade, capaz de o substituir ns funções do seu cargo.”
                Este trecho fala um pouco sobre a personalidade de Salathiel, vista sob um ângulo crítico. Isso é raro, visto que antes de 1936 não haviam críticas à Salathiel, e após sua saída de Muzambinho ele voltou à ser louvado.

Trecho 6: “Todos, autoridades administrativas e, mesmo as judiciárias, por deferência natural, modéstia e por uma espécie absurda de tradição de respeito ao homem que, “simbolizará o próprio saber, o próprio ensino, a própria educação”, lhe prestavam homenagens e lhe rendiam o preito de sua respeitosa, quase mística e supersticiosa veneração, como se prosternassem aos pés de um ídolo. Era de fato, um ídolo, inatingível, incessível, e, por isso, ninguém lhe conhecia a frágil estrutura de argila.”
                Talvez isso nos explique os inúmeros elogios feitos ao reitor prof. Salathiel. Realmente existia veneração e misticismo em torno da figura emblemática do educador, o que podemos claramente perceber na revista que o Lyceu publicou em 1928.

Trecho 7: “O sr. Salathiel de Almeida, que secretariava a sessão arvorou-se, como sempre, em “leader”, perdeu o controle dos seus nervos, quis impor sua opinião mas foi pouco feliz ainda daquela feita.
                Esse impasse não era mais do que uma grosseira insinuação aos membros do diretório para que afastassem o nome do dr. José Januário da candidatura a prefeito.
                Entretanto, os aludidos membros do diretório manifestaram-se radicalmente a favor da candidatura do dr. José Januário, e a reunião resultou, assim, improfícua, não surtindo o efeito que o sr.Salathiel esperava.”
                O Trecho 7 nos dá uma versão totalmente diferente da que Salathiel deu no artigo do dia 17 de janeiro.
                O artigo de Salathiel, ao meu ver, parece mais confiável, visto que o grupo que se manifestou radicalmente a favor da candidatura do dr. José Januário não o acompanhou após sua ruptura com o grupo tucano.

Trecho 8: “Elaboraram uma “ata-monstro” contendo condições draconianas, atentatórias da própria dignidade humana e às quais deveria submeter-se, cegamente, o dr. José Januário de Magalhães.
                (...)
                Nunca se, viu falar, na história pátria, de uma oligarquia tão premente e de uma tão tacanha concepção de política, só mesmo digna da estuita cerebração dos morubixabas de aldeia.”
                A linguagem empolada e ufanista não se justificaria à forma quase marxista do modelo italiano de governo através de conselhos, muito utilizado no Brasil. O que pediam ao prefeito é apenas uma espécie de fidelidade partidária, o que pode ser lido no artigo no apêndice.
               
Trecho 9: “Seria eleito prefeito e presidente da câmara o Dr. Lycurgo Leite, que, renunciando ao primeiro desses cargos, daria oportunidade para escolha de outro nome.” [o texto fala ser esta proposta do grupo do prof. Salathiel]
                A honrada, prestigiosa e tradicional família Coimbra, rejeitou energicamente tão indecorosa proposta.
                Não poderia, de nenhum modo, pactuar com aquele ato de verdadeira traição ao Dr. José Januário de Magalhães.”
                E muito interessante a citação explícita à família Coimbra, que mostra a fundamental importância que eles tinham na política de Muzambinho, inclusive em relação ao dr. José Januário, eleito pelos seus adversários, e só depois associado ao grupo pica-pau.
               
Trecho 10:          “Depois da eleição os políticos da “confraria ginasiana” traíram novamente porque a câmara, em que são a maioria eventual, rejeitou acintosamente todas as salutares propostas que lhe foram enviadas, em sua primeira mensagem pelo prefeito Dr. José Januário de Magalhães.
                O Dr. José Januário de Magalhães pode ter a consciência tranqüila, porque, no juízo do reto dos homens cujo caráter não se vende em almoeda, saiu, Deus louvado, ileso da execrável trama em que o tentaram envolver.
                (...) não querendo absolutamente seguir os ditames da politicalha ginasiana capitaneada pelo Sr. Salathiel de Almeida – elemento, aliás, completamente destituído de credenciais políticas – grande parte desses elementos ficou onde estava, ao lado do prefeito Dr. José Januário de Magalhães, com quem cerrou fileiras, constituindo-se em sólida mole partidária, composta das famílias mais tradicionais da cidade de Muzambinho, entre as quais se contam os Vieira, os Paolielos, os Coimbra, os Navarros, os Prados, os Magalhães, os Polis e muitas muzambinhenses de coração as primeiras filiadas, todas animadas dos mais alevantados anseios do progresso, de culto aos antepassados, de solidariedade, de cooperação, de entreajuda e de paz.”
                Acima a defesa do dr. José Januário sobre a rejeição de suas contas.

Trecho 11:
                “Não mais as fumidas pomas do erário municipal.
                Não mais o “protecionismo ginasial”...
                Não mais...
                Muzambinho, a culta cidade sul-mineira, não será todavia, detida de seu progresso.
                O Ginásio Mineiro, completamente saneado dos seus nefastos elementos, reivindicará o antigo renome, desfrutado em todo o país, de estabelecimento modelar de ensino, em que pontificaram Carlos Góes, Júlio Bueno, Oscar da Cunha Pinto Pereira, Almeida Magalhães, Honório Armond, Mário Magalhães Gomes, mr. Nixon, Pedro Saturnino e outros luminares das letras pátrias e orgulho do magistério pátrio, excelentes elementos que o Sr. Salathiel de Almeida não soube conservar, verdadeiros abnegados que não recebiam os seus parcos ordenados.
                No entanto, o antigo Lyceu Municipal era um verdadeiro sorvedouro das rendas municipais.
                Daí lhe vem o nome. Ali, tudo era municipal... Até mesmo o diretor parecia encarnar e personificar o município.”
                A crítica, que em todo seu conjunto e motivações políticas, acabou por fechar o Ginásio.
                Há no trecho também outras duas constatações interessantes: que Salathiel encarna o município (que pode dar algumas luzes à problemas elaborados em capítulos anteriores) e que Salathiel perdeu os professores do Ginásio (o que provavelmente deve ser apenas uma provocação).

                O artigo é importante, pois nos dá algumas visões do que estava acontecendo. Neste artigo, Salathiel não é mais o herói, mas o vilão autoritário.
                Dr. José Januário de Magalhães agora é o herói para os pica-paus. Ele já foi herói dos tucanos. Um herói de segunda grandeza, mas um herói. Para os pica-paus é o principal herói. Salathiel era herói até para dr. José Januário e Lafayette Navarro, agora é vilão, autoritário.
                Lafayette reconhece a importância do diretor: “Até mesmo o diretor parecia encarnar e personificar o município”. Esta frase, vinda de um adversário, mostra a importância política do mestre.
                De mais, faz duras e seriíssimas críticas ao professor Salathiel e ao Ginásio.
                A leitura do texto nos coloca questões que não seriam conhecidas apenas com a leitura do jornal “O Muzambinhense”.
                Claro, que deixo por conta do leitor reparar algumas incoerências do dr. Lafayette Navarro, se levarmos em conta as outras informações que possuímos.

ARTIGOS PUBLICADOS NA IMPRENSA NACIONAL











TEXTOS BÁSICOS


SALATHIEL DE ALMEIDA X DR. JOSÉ JANUÁRIO DE MAGALHÃES
O ARTIGO “DEPOIMENTO DE UMA TRAIÇÃO” – 17.01.1937


Depoimento sobre uma traição
Salathiel de Almeida

                Na sua edição de 17 deste mês, “O Muzambinho” publicou um artigo assinado pelo Dr. José Januário de Magalhães, sob a epígrafe “Parasita Prestigiado” em que, depois de referências desairosas à minha pessoa, alude a uma intervenção minha relativamente à sua projetada renúncia à candidatura de prefeito, por ocasião das eleições municipais de 7 de junho.
                Sem tomar em consideração os conceitos emitidos sobre mim, quero, no entanto, prestar meu depoimento sobre a segunda parte. Transcrevo o trecho em apreço:
“Momentos depois (depois de haver escrito uma carta de renúncia ao Dr. Licurgo Leite) fui procurado em minha residência pelos Drs. Salathiel e Ary Almeida que pediam insistentemente para que eu escrevesse outra carta destruindo os efeitos da primeira. Alegavam que o Partido seria entregue de pés e mão atados ao adversário e que o Dr. Lycurgo estava em desespero e não registraria mais os nomes de candidatos – estando o prazo d’este registro para se extinguir dentro de uma hora. Resisti, porém terminei cedendo. O primeiro desse emissário deu  a palavra que após as eleições faria com que um dos vereadores renunciasse.”
                Para exata compreensão do assunto de que me vou ocupar, farei uma exposição sucinta dos fatos políticos ocorridos desde a indicação do nome do Dr. José Januário de Magalhães para prefeito até a data da eleição.
                Procurarei, nessa narrativa, ser fiel, sereno e verdadeiro.
INDICAÇÃO DO PREFEITO
                No dia 20 de maio do ano passado, reuniram-se no Club Muzambinho, sob a presidência do saudoso chefe Dr. Licurgo Leite, elementos destacados do Partido Progressista Municipal, afim de se resolver sobre a escolha do candidato ao cargo de prefeito.
                Era uma simples formalidade, para satisfazer a inquietante ansiedade revelada pelo Prefeito do Município e seus parentes próximos.
                O dr. Licurgo Leite, anteriormente, em palestra com amigos, manifestava, com decepção para muitos, o desejo de que continuasse na Prefeitura o dr. José Januário.
                Querido e acatado, a opinião do grande chefe foi aceita, embora, como disse, a contragosto de muitos elementos do Partido, inclusive o próprio sinatório deste que já negara ao sr. dr. J. Januário o seu voto, na primeira vez que o seu nome fora levado ao governo para tal cargo.
                Aquela reunião foi, pois, apenas uma homologação à discreta indicação feita pelo Dr. Licurgo Leite, a quem o Partido renovava assim o seu apoio e solidariedade.
                Esta é a verdade. O ambiente da assembléia era de frieza e indiferença, só tendo vibrado quando solicitada pelo Dr. Licurgo Leite que, generoso como sempre, fez o elogio do candidato indicado.
                Os cronistas políticos da época noticiaram o fato com os flamejantes adjetivos que o caso requeria, mas o Dr. Prefeito se fosse um pouco psicólogo teria verificado que o seu nome para bandeira do partido nos prélios cívicos da campanha estava de molde a inspirar muito pouco entusiasmo nas hostes combatentes.
ESCOLHA DOS VEREADORES.
                Nesta mesma reunião, a assembléia delegara poderes para organizar a chapa de vereadores e juizes de paz, a uma comissão composta dos Sr. Dr. José Ari de Almeida, Artur Carlos de Sousa, Ananias Bueno de Azeredo, Osório Faria Pereira, Jorge Vieira, Ubaldo Petreca, Alfredo Januário de Magalhães, Alcebíades de Paula e Silva, Alfredo Porfírio de Sousa, João Custódio de Azevedo, João Pedro Bonele, José Amâncio de Sousa, Olimpío Leite e Antônio Gonçalves de Souza Sobrinho.
                Para dar desempenho a esta delicada incumbência reuniram-se os membros dessa comissão, no dia 31 de Maio do ano passado na residência do Dr. Licurgo Leite, e sob sua presidência.
                Num gesto de especial deferência para com a pessoa do candidato indicado, o Dr. Licurgo Leite mandou convidar o Dr. José Januário para assistir à importante reunião.
                Com a presença deste, iniciaram-se os trabalhos. Preliminarmente a comissão estabeleceu o critério de que os candidatos a vereadores deveriam ser escolhidos entre os elementos mais representativos da lavoura, do comércio e das classes liberais do município, tendo o presidente feito um apelo aos seus amigos para que os recrutassem, de preferência, entre os moços do Partido, afim de que, com mentalidade nova, sadia e patriótica, trabalhassem com entusiasmo pela prosperidade de Muzambinho.
                Assim orientada, a comissão indicou, para representantes da lavoura Henrique Vieira, João Viana de Figueiredo e Ivo Antônio Marques; para representantes do comércio Messias Gomes de Melo, Hasloscher Amaral e Francisco Venceslau dos Anjos.
                Tratando-se da indicação dos representantes das classes liberais, a assembléia fez questão que fosse incluído em primeiro lugar o nome do dr. Licurgo Leite, para ser homenageado como presidente da primeira Câmara Constitucional de Muzambinho, e orientar com sua proficiência e conhecimentos jurídicos, a reorganização do município, de acordo com a nova Constituição.
                Obtida a aquiescência do prezado chefe, foi o seu nome incluído na lista dos vereadores. Em seguida foi lembrado e recebido com gerais aplausos o nome do dr. Magalhães Alves.
                Faltava o nome de um médico para a representação das classes liberais. O dr. Licurgo Leite toma a palavra e sugere os dos drs. Antero Costa e Talcídio de Oliveira, ambos, disse, correligionários dedicados e moços de alto valor moral e intelectual. Pediu à comissão que se pronunciasse sobre um deles.
                O Dr. José Januário de Magalhães, candidato a prefeito, declarou então que em se tratando de dois colegas,, não tinha preferências.
                Ubaldo Petreca propõe o nome do dr. Talcídio de Oliveira que foi unanimemente aceito.
                Estava assim escolhida a chapa de vereadores, num ambiente de perfeita cordialidade e completa correção política, sem protesto nem divergências.
COMPROMISSO PARTIDÁRIO.
                A noite, o dr. Licurgo Leite, tendo conhecimento de que se procurava explorar o fato de não serem inteiramente amistosas as relações entre o prefeito indicado e o dr. Talcídio de Oliveira, convidou a este para um encontro na minha residência.
                Prontamente atendido, o dr. Licurgo Leite, na presença de vários amigos, comunicou ao dr. Talcídio a indicação do seu nome para vereador, fazendo-o ciente de que o Partido impunha aos seus candidatos uma exigência política: - votar no dr. José Januário de Magalhães para prefeito.
                A essa declaração respondeu o dr. Talcídio:
                - Sou um soldado disciplinado do Partido. Votarei no seu candidato.
                Esclarecida assim com lealdade e elegância a atitude do distinto moço, o dr. Licurgo sempre conciliador e digno, dirigiu-se a residência do Prefeito, que se achava adoentado, e o pôs ao corrente da resolução do seu colega.
                Parecia assim desfeita a teia da perfídia que se tecia com o intuito de toldar o ambiente de harmonia e solidariedade política reinante.
A CARTA DO PREFEITO
                Não obstante a atuação corretíssima, elevada e inatacável do Presidente do Partido, como se despreende do relato que venho fazendo imparcialmente, os melindres pessoais do sr. Prefeito não se satisfizeram. Era preciso que houvesse uma vítima em holocausto à sua desmedida vaidade.
                Escreveu então, no dia seguinte, o dr. José Januário uma carta ao dr. Licurgo Leite, comunicando-lhe que, refletindo melhor, havia deliberado renunciar à sua candidatura ao cargo de prefeito e que, nesse sentido, ESTVA DIRIGINDO UMA CIRCULAR AOS SEUS AMIGOS. Esse documento infeliz continha evidentemente um propósito fingido de renúncia e um intuito claro de ameaça. Era um modelo acabado de traição política, dado o momento em que era feito, isto é, nas últimas horas restantes para o registro dos candidatos, como seu próprio sinatário confirma.
                Se o jovem candidato tinha motivos ponderáveis para se opor à inclusão de algum nome na chapa de vereadores, por que não se manifestou com sinceridade diante a comissão representativa das forças vivas do Partido, que era o órgão autorizado para tomar conhecimento da sua renuncia, na hipótese de não aprovar o seu veto?
                Mais acentuada se torna ainda a incorreção partidária desse moço, quando se considera que ele se propunha a renunciar a sua candidatura a prefeito, mas conservada para seu uso e gozo e para instrumento de suas ameaças, a Prefeitura, cargo de que se achava investido por indicação do Dr. Licurgo Leite, em nome do Partido que abandonava.
                De posse dessa carta, o Dr. Licurgo Leite reuniu imediatamente em seu escritório vários amigos e correligionários entre os quais se encontravam o sinatário deste e seu filho Ari de Almeida.
                Profundamente emocionado e revoltadíssimo diante os termos insólitos daquela lamentável missiva, manifestava ele o propósito de abandonar a direção do Partido, recusando-se mesmo a fazer o registro dos candidatos.
                Compreendemos como era humana e natural a decepção de que se achava possuído em face daquela injustificável e inesperada deslealdade. Protestamos, todavia, contra a sua resolução, tendo alguns amigos sugerido a idéia de uma convocação imediata do Diretório Central.
                O Dr. Licurgo Leite recusou esse alvitre declarando-se enojado com aquele procedimento, mormente partindo, como partida, de uma pessoa da sua família. Era, dizia, um homem afeito à luta, mas não daquela natureza, no seio de seu lar. Sobrepunha sempre, afirmou ele, como sabiam os amigos, as relações da família a qualquer ordem de interesses.
                Propus-me, então, a ter um entendimento pessoal com o Dr. José Januário, pecado de que hoje me penitencio.
                Aceita a idéia por alguns amigos presentes e repelida fortemente por outros que desejavam a luta imediata; sem aquiescência nem recusa formal, por parte do Dr. Licurgo Leite, levei avante o meu intento, tendo convidado o meu filho Ari de Almeida para acompanhar-me até a casa do Prefeito.
A ENTREVISTA
                Recebidos por ele, expus a fim de minha visita, fazendo-lhe sentir a contrariedade que a sua atitude causara em nosso grande amigo e chefe, cuja correção exalcei.
                Estudei, com ele, amistosamente a situação, mostrando-lhe que o Partido o prestigiava integralmente, e que o seu nome, lançado para prefeito era apoiado por todos os vereadores indicados.
                Insisti em demonstrar a falta de razão do seu gesto, principalmente por ter assistido à reunião e não ter uma palavra de objeção.
                Aos meus argumentos, respondeu significando também a sua grande contrariedade, relutando, todavia, em aceder ao apelo que lhe dirigi para retirar sua carta de renúncia.
                Recordei-lhe então, com sinceridade, que ele estava errado, que era um criatura do dr. Licurgo Leite, e que a sua carreira política se fazia a sombra do nome e do prestígio daquele chefe.
                A essa observação franca de minha parte, respondeu que não era seu propósito magoar o dr. Licurgo, cuja amizade muito prezava.
                Obtemperou, em seguida, interrogando-me por que não se retirava da chava o nome do dr. Talcídio de Oliveira, ficando assim a Câmara constituída só de pessoas com as quais mantinha relações cordiais, facilitando destarte a sua administração.
                A essa interrogação expliquei que a minha presença ali revelava o desejo de harmonizar todas as correntes políticas do Partido, e que uma resolução daquela ordem causaria justificado descontentamento ao candidato atingido por aquele golpe, à sua família e amigos.
                Ao que respondeu o Prefeito, dizendo que aquele moço não tinha eleitorado ao passo que ele dispunha de 2.000 votos.
                Retruquei-lhe então que a retirada daquele nome importava numa capitis diminutio da comissão organizadora da chapa, com a qual a direção do Partido, por certo, não concordaria, nem tinha autorização para fazer tal alteração à revelia dos membros da referida comissão.
                Aceitando as minhas considerações, autorizou-me a declarar que retirava a sua renúncia e pediu-me, obtivesse, a devolução da carta que havia dirigido ao Dr. Licurgo Leite.
                A devolução foi feita e de tão boa fé agimos nós, que nem sequer tiramos uma cópia desse documento de que tanto se ufana o Dr. José Januário de Magalhães e que, no meu conceito, é o testemunho da maior injustiça e incorreção partidária praticadas contra o saudoso chefe e amigo Licurgo Leite, a cuja lealdade, nobreza de caráter e respeito à palavra empenhada rendo, reverente, a minha homenagem póstuma.
                Encerrando minha entrevista, fiz um apelo ao Dr. José Januário para que da parte dele e do Dr. Talcídio de Oliveira cessassem pequenas divergências pessoais, e que, ambos, moços de futuro, trabalhassem unidos pelo progresso de Muzambinho.
                Assegurei-lhe que o Dr. Talcídio de Oliveira renunciaria o seu mandato de vereador, a ter de abrir uma cisão política no seio do Partido, por desinteligências pessoais com o prefeito.
                Folgo em registrar que este meu juízo foi perfeitamente confirmado.
RENÚNCIA DE VEREADORES
                Como é do conhecimento público, durante o pleito de 7 de junho, o Dr. José Januário desenvolveu por si, por seus parentes e funcionários da Prefeitura, forte campanha contra as candidaturas dos Drs. Talcídio e Magalhães Alves, não conseguindo, no entanto, derrotá-los, embora fosse o chefe que dispunha de todo o eleitorado do partido (2.000 votos!)
                Não conseguiu sequer impedir que o Dr. Talcídio de Oliveira fosse, na cidade, o candidato progressista mais votado após o Dr. Licurgo Leite.
                Em vista desta atitude incorreta e deselegante do candidato a prefeito, e para não faltar ao compromisso assumido, Magalhães Alves e Talcídio de Oliveira, logo após o pleito e antes da apuração, depuseram as suas renúncias nas mãos do inolvidável Presidente do Partido Progressista de Muzambinho.
                Por nímia gentileza do dr. Licurgo Leite Filho, pude obter do arquivo do seu venerando Pai, a carta de renúncia do dr. Talcídio de Oliveira, que publico em seguida, deixando de fazer o mesmo com a do dr. Magalhães Alves, por julgar desnecessário.
                Eis a carta:
“Prezado amigo dr. Lycurgo
                Saudações
                Era meu desejo escrever-lhe esta no dia seguinte ao das eleições municipais; não o fiz porém, respeitando a necessidade de repouso a que o senhor fez jus, em conseqüência da luta estafante que o pleito lhe impôs.
                Preliminarmente presto homenagem à superioridade e nobreza com que V. S. preparou e dirigiu o pleito de 7 de Junho e por isto faço questão de frisar que esta carta nada contém que o possa magoar.
                Permita o nobre amigo eu recordar que, eu, humilde companheiro, no nosso partido, jamais pleiteei a menor posição política; sempre tenho vivido em retraimento não só porque minhas ocupações me empunham, como ainda pela convicção que tenho de que os mais crentes nem sempre são os que mais incensam.
                De fato, e infelizmente, os últimos acontecimentos provam-no sobejamente.
                Escolhido candidato a vereador, compreendi de meu dever aceitar a distinção com que meus amigos me honravam.
                Entregue-me com entusiasmo à propaganda do nosso partido, procurando convencer aqueles meus amigos e influenciados, ainda hesitantes, e tenho certeza de o haver conseguido; tudo porém, fiz de pleno acordo com V. S., a quem dei cont, em tempo oportuno, de todos os meus passos.
                O pleito porém, confirmou o que muita gente temia: Elementos oficiais do partido desenvolveram esforços tremendos contra mim e outros companheiros de candidatura; a mesma atuação da Secretaria do Interior nas eleições de 34.
                Assisti entristecido a esse vergonhoso espetáculo; revoltei-me, mas me contive.
                Fomos dois os companheiros diretamente visados: Eu e o dr. Magalhães Alves, amigo nobilíssimo a quem o Partido deve muitos anos de trabalho e dedicação.
                Já os fatos desenrolados, antes e durante as eleições, me haviam ditado uma resolução; esta acaba de se firmar com a renuncia do Dr. Magalhães Alves com quem sou solidário.
                Deponho pois em suas honradas mãos a cadeira de vereador, se é que fui eleito.
                Mais uma vez quero prestar homenagens às suas qualidades de homem e chefe do partido.
                Peço também que continue a contar entre os seus amigos mais humildes e dedicados o
                Talcídio de Oliveira
                Muzambinho, 18 de Junho 1936.”
                O Dr. Licurgo Leite recusou-se a aceitar a renuncia dos dois vereadores, tendo oportunamente desligado ambos do compromisso de votar no Dr. José Januário, como consta da célebre ata, “documento indigno e extemporâneo”, como confessa o próprio Prefeito, e que ele “instado por amigos” (?) não “hesitou em assinar”.
                É este meu depoimento, escrito à luz meridiana da verdade.
                Submeto-o à consideração pública , para que o povo julgue se a minha atuação foi de um “intransigente”, de um “bajulador” ou a de um homem bem intencionado e animado dos mais nobres intuitos de servir à causa do Partido Progressista, que era a causa de Muzambinho.
                ***
                Para terminar, duas palavras sobre a torpe insinuação do Dr. José Januário, de “negociatas com o Governo”, de minha parte.
                Estou plenamente convencido de que o meu nome paira, no conceito do povo, muito acima dessa tola aleivosia que não me atinge.
                Nos meus 60 anos de existência, do quais 40 de vida pública, laboriosa e honrada, não me arreceio de um confronto com a curta existência do jovem censor, que em minguado tempo de noviciado público se vê abarbado com embaraçosas prestações de contas.
Salathiel de ALMEIDA” (O Muzambinhense – 24/01/1937)


CASSAÇÃO DO PREFEITO DR. JOSÉ JANUÁRIO DE MAGALHÃES – 1937

                Sabemos, pela extensa leitura do jornal “O Muzambinhense”, detalhadamente explicada no Capítulo 6, que a Câmara rejeitou as contas do prefeito dr. José Januário de Magalhães e determinou que assumiria o local do médico o presidente da Câmara dr. Antônio Magalhães Alves, passando ao cargo de presidente do legislativo o médico dr. Talcídio de Oliveira. dr. Talcídio e Magalhães Alves eram desafetos do prefeito.
                O prefeito não foi afastado por interferência do Governador Valladares.
                Abaixo reproduzimos edital distribuído em forma de folheto, republicado por Passos Júnior (2006):
Edital
O Dr. Talcídio de Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Muzambinho, Estado de Minas Gerais, etc.

                FAZ saber a quantos o presente edital virem ou dele notícia tiverem que, em virtude da Resolução n.3 da Câmara Municipal, a partir desta data, por força do artigo 64, a, da Constituição do Estado de Minas Gerais, deixou de ser prefeito do município de Muzambinho o Dr. José Januário de Magalhães, por não ter apresentado contas documentadas e não as ter aprovadas por motivo de aplicação ilícita dos dinheiros públicos, serão, portanto, nulos de pleno direito todos os atos praticados por ele naquele caráter, inclusive os de recebimentos, quitações, contratos, etc.
                Dado e passado na Secretaria da Câmara Municipal de Muzambinho, em 17 de fevereiro de 1937.

(a) DR. TALCÍDIO DE OLIVEIRA
PRESIDENTE EM EXERCÍCIO

ATAQUES A SALATHIEL E AO GINÁSIO NA IMPRENSA NACIONAL - 1937

Um artigo difamatório do Lyceu, o qual consideramos exemplar é o de Navarro (1937), pois lá dão a versão da Cessação do dr. José Januário pelos olhos de pica-paus:
Secção Livre – O Diário de S. Paulo – 31.3.1937
“O caso político de Muzambinho à luz clara da verdade”
Lafayette Navarro

                A cidade de Muzambinho no sul do estado de Minas Gerais, está sendo palco da mais desleal e indecorosa das campanhas partidárias que há notícia nos anais da história política do interior do país.
                Não obstante, continua aquela cidade florescente e animada por um incessante progressos, oferecendo ótima impressão aos forasteiros que ali aportam, dados o agradável aspecto de suas ruas assaltadas e bem cuidadas e os seus artísticos jardins, belíssimos logradouros públicos que lhe emprestam a aprazível feição da jovialidade e frescura.
                Dotada de excelente clima de montanha, situada a poucas léguas de Poços de Caldas, Muzambinho está fadada a se constituir em ponto obrigatório de parada e ameno descanso ao transeunte em demanda daquela conhecida estância hidro-termal de Minas Gerais.
                Para tanto, já foi objeto de estudo e entabolado entendimento coroado de êxito, entre as prefeituras das duas localidades, a construção de boa estrada para automóveis, ligando-se diretamente, em substituição à atual que passa por Cabo Verde e Botelhos e pela qual se poderá atingir aquela estação bancária em pouco mais de hora e meia.
                Encontram-se presentemente em adianta construção um prédio para hotel e o moderno edifício em que se instalará a sede do recém fundado Automóvel Clube de Muzambinho, sociedade literária e recreativa de que fazem parte as famílias mais tradicionais e a mais fina elite da cidade.
                A Prefeitura, a Câmara Municipal e a Coletoria Estadual locais foram confortavelmente instaladas em majestoso prédio próprio recentemente adquirido pela municipalidade.
                Esse progresso é devido ao denodado esforço dos políticos e administradores anteriores dr. Américo Luz, cel. Francisco Navarro de Moraes Salles, Francisco Paoliello, Aristides Coimbra, e, ultimamente, pela energia e profícua gestão administrativa do atual prefeito dr. José Januário de Magalhães, filho de uma das mais antigas e conceituadas famílias muzambinhenses e que, desde 1932, vem governando aquele município, ante os aplausos e todos, inclusive dos seus próprios aversários políticos atuais que lhe entreteceram veementes encômios, como se pode lê no manifesto do Partido Progressista Municipal publicado em o “Muzambinhense”, de 1º de junho de 1936:
                “A candidatura do atual prefeito se impunha ao Partido como homenagem aos seus méritos, à sua operosidade e para a continuação da fecunda obra administrativa que vem realizando, com honesto e real proveito para o município.”
                Contrastando com tudo isso, com a postura patriótica e elegância cívica desses beneméritos de Muzambinho, ressalta a latismável atuação do sr Salathiel de Almeida, reitor do Ginásio Mineiro daquela cidade, que conseguiu, com nociva maestria transformar aquele educandário em verdadeiro covil de vergonhosa politicalha, em que se postergam os alevantados interesses do ensino em vantagem a um pernicioso faccionismo e em que se consultam apenas os interesses pessoais de um grupo, forcejando por liquidar a boa fé e a credulidade do povo.
                Isso se explica pela grande ascendência que o sr. Salathiel sempre procurou exercer e, designadamente agora [ilegível] sobre a maioria dos professores, quase todos ex-alunos do antigo Lyceu Municipal de que era diretor.
                Acresce ainda o fator psicológico do seu temperamento autoritário e por vezes, despótico, sempre cultivado e acariciado pelo que se costuma denominar de “protecionismo ginasial”.
                De feito: Estando a vida daquele município visceralmente ligada à vida e desenvolvimento dessa instituição de ensino, todas as administrações locais se tem louvavelmente timbrado em protege-la, consoante se pode verificar na farta legislação a respeito, constante dos arquivos da prefeitura.
                Daí, a custa da repetição de fatos e circunstâncias que iam consumando, o querer o Sr. Salathiel como que personificar a própria instituição de ensino, fundada por uma plêiade de antigos abnegados de Muzambinho, e vir auferindo, quase que exclusiva e individualmente, todos os benefícios decorrentes do amparo e estimulo à causa a instrução pública municipal.
                Assim é que, tendo obtido dos poderes públicos uma enorme cópia de favores para o estabelecimento de ensino de que era diretor e hoje é reitor, consistentes em isenção de impostos, privilégios, empréstimos e muitos mais, jamais o Sr. Salatiel conseguiu dotá-lo de adequado aparelhamento técnico e de instalações consentâneas com as exigências do ensino.
                Entretanto, uma enorme soma de dinheiro foi drenada dos cofres municipais para esse educandário, por intermédio do sr. Salathiel, não tendo, talvez, sido aplicada aos fins a que se destinava.
                Posto que o Sr. Salathiel tivesse sido acatado e protegidíssimo, no início de sua vida e ulteriormente, por todos os dirigentes do município, o propósito que sempre predominou, que não poderia ser outro senão por uma inversão absurda de coisas, foi o de se desenvolver o ensino naquela instituição, o estabelecimento, o Lyceu Municipal, o Ginásio Mineiro e, nunca a indivíduos, ao Sr. diretor, ao Sr. reitor.
                Entretanto, o Sr. Salathiel e os que lhe seguem a pegada, estão convencidíssimos do contrário e quando se faz qualquer objeção ou censura a atos de sua vida particular ou profissional com grave repercussão sobre a ordem do estabelecimento e abastamento do ensino; quando se diz, por exemplo, que S. Sa. se arvorou ridiculamente em chefe político em detrimento da disciplina e decência escolares, procuram torcer o verdadeiro e justo pensamento, querendo significar que combate o Ginásio, que se quer destruir a velha e tradicional instituição muzambinhense.
                O contrário é o que se quer:
                - Quer-se salva-lo desse alude de lama em que se teima em conservar.
                Felizmente, estamos informados de que o patriótico governo daquele Estado está tomando sérias providencias no sentido de o expurgar de todos os seus maus elementos e o elevar à dignidade de uma casa de ensino condizente com os foros de civilização daquela grande unidade da federação, e com a importantíssima causa educacional pátria.
                Eis um retrospecto que se impunha, para melhor compreensão das remotas origens da atual campanha pessoal movida naquela localidade contra seu operoso, inteligente e honrado prefeito, Dr. José Januário de Magalhães.
                Com efeito, constantemente focalizado nas reiteradas homenagens que se tributavam ao Lyceu Municipal; o Sr. Salathiel de Almeida começou de querer encarnar a própria dignidade do estabelecimento.
                Daí, para o exarcebamento do seu autoritarismo foi um passo.
                Adquiriu, então, foros de autoridade, exigindo benefícios quase exclusivamente pessoais, impondo condições e se agastando quando insatisfeito em seu menor propósito.
                E característico o fato de ter o Sr. Salathiel, certa vez em que fora contrariado em seu autoritarismo, lançar aos quatro ventos  a notícia que abandonaria a reitoria do Ginásio como se isso significasse a morte  daquele estabelecimento de ensino que quiçá, o desaparecimento da própria cidade de Muzambinho e não houve em todo o Brasil, um técnico em matéria de ensino, uma pessoa respeitável pelo saber e pela dignidade, capaz de o substituir ns funções do seu cargo.
                Chegou, mesmo a telegrafar ao governo, colocando-o estranhamento no dilema de, ou afastar um dos mais competentes e pontuais professores, ou aceitar a sua resignação do cargo de reitor de Ginásio.
                A sindicância se fez em torno do caso e nada absolutamente se apurando contra o aludido e integro professor, foi o respectivo processo arquivado, e, entretanto, continua o Sr. Salatiel exercendo a reitoria do Ginásio.
                Todos, autoridades administrativas e, mesmo as judiciárias, por deferência natural, modéstia e por uma espécie absurda de tradição de respeito ao homem que, “simbolizará o próprio saber, o próprio ensino, a própria educação”, lhe prestavam homenagens e lhe rendiam o preito de sua respeitosa, quase mística e supersticiosa veneração, como se prosternassem aos pés de um ídolo. Era de fato, um ídolo, inatingível, incessível, e, por isso, ninguém lhe conhecia a frágil estrutura de argila.
                Assim, sempre se afeiçoou a mandar e a ser intransigentemente respeitado, servindo-se de indivíduos vitimados por complexos de inferioridade ou que lhe eram naturalmente subalternos pelas condições sociais ou precária situação de vida, por detrás dos quais, habilmente manobrava e realizava seus planos maquiavelicamente engendrados.
                Homens assim, com a hipertrofia da vontade, não podem ser contrariados. Faze-lo, é desencadear toda uma parcela de vindictas.
                Entretanto, o honrado e operoso prefeito de Muzambinho, cujo só intuito era administrar e, não criar parasitismos, viu-se na contingência de desatender as egoístas e interesseiras solicitações do Sr. Salatiel.
                O Dr. José Januário de Magalhães não é, efetivamente, pessoa facilmente manobrável e suscetível de se submeter a mesquinhas injunções e quem quer que seja.
                Conseqüentemente, a indecorosa campanha pessoal que o Sr. Salatiel lhe vem movendo, a que culminou na ridícula veleidade frustrada da destituição do prefeito legitimamente eleito e cujo próximo epílogo será a mais flagrante e vergonhosa derrocada em matéria política, de todos os tempos.
                O plano foi ardilosamente arquitetado por mãos de mestre.
                Seu ponto de partida foi tentarem incompatibilizar o Dr. José Januário de Magalhães com seu companheiro de política e ex-chefe do Partido Progressista Municipal, o já falecido Dr. Lycurgo Leite.
                Sob a alegação de que o prefeito, a quem devia caber exclusivamente a parte administrativa, estava se imiscuindo na esfera propriamente política do município, puseram-se em campo os diabólicos contendores.
                É sobre que baseavam essa sua alegação de desrespeito à alçada política que, por um esquisito convencionalismo, era defesa ao Dr. José Januário de Magalhães:
                No simples fato de ter ele escrito uma carta, verdadeiramente particular a pessoa afastada das lides políticas e uma outra em que pleiteava, para um rapaz seu amigo, o modestíssimo emprego de guarda-fios...
                Ora, quem quer que seja dotado de elementar bom senso, não pode desconhecer que entre nós, por um inv[ilegível]rado costume político sempre se consultam o diretório do partido ou a seu chefe, por ocasião do provimento de quaisquer cargos públicos.
                Na politicalha do interior essa prática chega ao extremo de tolher qualquer iniciativa de particulares, estranhos ao partido, transformando o chefe em verdadeiro cacique ou morubixaba, oligarquia patriarcal que em tudo, nas mínimas coisas, precisa ser ouvido, intrometendo-se até mesmo na própria vida privada dos indivíduos.
                A política de Muzambinho caminhava nessa direção.
                Queriam cercear ao dr. José Januário de Magalhães a própria liberdade de agir, fiscalizar-lhe até os atos da sua vida particular.
                De resto, a disputada eleição dos vereadores municipais se fez com o seu nome inscrito na bandeira do partido, porque não se podia deixar de reconhecer-lhe incontestável prestígio político pessoal.
                De fato, o dr. José Januário de Magalhães foi quem mais trabalhou naquele memorável pleito, em que desenvolveu a melhor de suas energias para a qual contribuiu com elevada soma de dinheiro, conforme inúmeros recibos em seu poder, e com grande porção do eleitorado.
                As duas aludidas cartas escritas por s. exa não foram senão um mesquinho pretexto, torpemente explorado por seus desafetos pessoais, para início da execução do plano maduramente preconcebido.
                Oreado o impasse, tornou-se necessário consultar a opinião do partido.
                Em memorável reunião realizada em a residência do cel. Francisco Navarro de Moraes Salles, à vista de haver o dr. Lycurgo Leite manifestava intenção de abandonar a direção política do partido, aquele venerando ancião revelou sua veemente desaprovação a cisão do mesmo, alegando ausência absoluta de motivos respeitável, em face das simples cartas particulares escritas pelo dr. José Januário de Magalhães, as quais não podiam, de forma algum, constituir intromissão na esfera política do município.
                O sr. Salathiel de Almeida, que secretariava a sessão arvorou-se, como sempre, em “leader”, perdeu o controle dos seus nervos, quis impor sua opinião mas foi pouco feliz ainda daquela feita.
                Esse impasse não era mais do que uma grosseira insinuação aos membros do diretório para que afastassem o nome do dr. José Januário da candidatura a prefeito.
                Entretanto, os aludidos membros do diretório manifestaram-se radicalmente a favor da candidatura do dr. José Januário, e a reunião resultou, assim, improfícua, não surtindo o efeito que o sr.Salathiel esperava.
                Muito bem andaram, naquele lanço, os srs. membros do diretório mantendo o seu ponto de vista, perfeitamente coerentes com o resultado de um grande conclave levado a efeito pouco tempo antes, em o Club Muzambinho, em que foi calorosamente aclamado o nome do dr. José Januário de Magalhães como candidato do partido às próximas eleições.
                Demorados foram os debates e a palavra, por muitas vezes, franqueadas aos assistentes.
                Estavam presentes o sr. Salathiel e seus comparsas, mas nenhum teve a ousadia ou coragem de lançar ali outra candidatura, em contraposição a do dr. José Januário, isso porque haviam habilmente auscultado a opinião geral da assembléia e temeram, muito naturalmente, um fracasso eminente.
                Malograda a reunião da casa do cel. Navarro, engedraram outro plano. Elaboraram uma “ata-monstro” contendo condições draconianas, atentatórias da própria dignidade humana e às quais deveria submeter-se, cegamente, o dr. José Januário de Magalhães.
                Era uma verdadeira servidão moral um instrumento imoral de estorção, de pressão, de coação, em que se lhe roubava até mesmo o direito de opinar, a liberdade de querer e de agir, reduzindo-o a mero autômato, espectro de homem sem personalidade.
                Anteriormente, como se disse, já o quiseram impossibilitar de escrever simples cartas particulares, como se a qualquer pessoa não fosse dados o incontestável direito de se comunicar epistolarmente com os seus amigos.
                Nunca se, viu falar, na história pátria, de uma oligarquia tão premente e de uma tão tacanha concepção de política, só mesmo digna da estuita cerebração dos morubixabas de aldeia.
                Nessa famigerada ata, entre outras, se impunham ao dr. José Januário de Magalhães, mediante compromisso de honra de os vereadores “prestarem inteiro apoio à sua administração”, as seguintes monstruosas condições:
                “Abster-se de qualquer intervenção ou atuação em matéria política, sob qualquer forma ou pretexto, acatar incondicionalmente todas as deliberações partidárias; não manifestar de forma alguma, por escrito ou oralmente, solidariedade política a qualquer pessoa ou entidade, do município ou fora dele, sem expresso assentimento do partido, por qualquer seus órgãos dirigentes; emitir qualquer crítica ou censura aos membros do partido”.
                Note-se que os srs. vereadores aceitaram um compromisso, porquanto que ao dr. José Januário de Magalhães impuseram condições.
                A própria terminologia ali usada retrata, iniludivelmente, as vis compulsiva, a quase vis absoluta, sob cujo império quiseram imobilizar o dr. José Januário.
                Queriam, como meridianamente se vê, reduzi-lo a uma espécie de massa amorfa, inconsciente e sem vida, facilmente plasmável ao saber dos seus subalternos e inconfessáveis interesses pessoais.
                Haverá peça mais infamante, mais vergonhosa para aqueles cujos cérebros, obsecados pela monomania do mandonismo sectário demoniacamente a engendraram e maquiavelicamente a puseram em execução?!
                Poder-se-á argumentar que o Dr. José Januário de Magalhães não deveria jamais ter assinado esse documento criminoso e imoral que se lhe impunha.
                Entretanto, fazendo-o, deu uma dignificante prova dos seus alevantados propósitos de bem servir ao partido, enquanto esse também lhe fosse fiel e os Srs. vereadores “prestassem inteiro apoio à sua administração”.
                O que seus falsos companheiros ansiosamente queriam é que ele, efetivamente, se opusesse à assinatura daquele documento de infâmia e désse, assim, ele próprio motivos ao seu afastamento justificado do partido.
                Aí, a traição se nos estereotipa solarmente aos olhos.
                Mas, contra a insídia da astuta raposa, se opôs a acuidade inteligente da águia.
                E o Dr. José Januário de Magalhães, meditando, seguramente, sobre a cláusula de honra assumida pelos vereadores de “prestarem inteiro apoio à sua administração”, assinou inteligentemente a monstruosa ata.
                E fez bem. Não poderia ser assim, capciosamente afastado do partido, substituída a sua candidatura pela de outro, quando é certo que os nomes dos vereadores foram sufragados nas urnas,sob compromisso de ser ele oportunamente eleito prefeito.
                Além disso, tinha ele próprio, o seu eleitorado, os seus verdadeiros amigos, os quais não poderiam ser, por essa forma indigna, traídos, surpreendidos com a eleição de uma terceira pessoa, que lhes não merecia gritantemente a deliberação solene do grande conclave realizado no Club Muzambinho a que já referimos.
                DE resto, ainda que não tivesse cumprido estritamente todas as cláusulas daquela nefanda ata, não se poderia, jamais taxar esse seu ato de “traição”, por isso que não pòde haver traição na inobservância de condições criminosas e indignas e se justificariam, no caso, quaisquer medidas de “legítima defesa”.
                Era ilícito o objeto daquele “contrato sui-generis” e o seu valor, por isso, inexistente.
                Era a objetivação de um ato elevado de dolo e aberrante da ética, dos princípios gerais do direito, do próprio direito positivo e da mais elementar noção os atributos da liberdade individual consignados e garantidos pelas constituições dos povos civilizados.
                Foram todavia, os rancorosos e gratuitos adversários do Dr. José Januário de Magalhães os verdadeiros e únicos “TRAIDORES”.
                Efetivamente, S. Excia. foi traído antes no dia e depois da sua eleição.
                Antes, porque os caudatários do Sr. Salatiel de Almeida, enviaram um emissário à casa de um dos seus próprios adversários para se negociar a queda do Dr. José Januário de Magalhães.
                Eis, entre muitos, um fato que não podem contestar.
                “Seria eleito prefeito e presidente da câmara o Dr. Lycurgo Leite, que, renunciando ao primeiro desses cargos, daria oportunidade para escolha de outro nome.”
                A honrada, prestigiosa e tradicional família Coimbra, rejeitou energicamente tão indecorosa proposta.
                Não poderia, de nenhum modo, pactuar com aquele ato de verdadeira traição ao Dr. José Januário de Magalhães.
                No dia da eleição foi ainda traído o dr. José Januário, dado o tom de franca hostilidade de descarado facciosismo dos discursos encomendados e pronunciados na solenidade da posse do prefeito, pelo Dr. José Ary de Almeida, Moacyr Bueno e Dr. Antônio Magalhães Alves, atual presidente da câmara.
                Depois da eleição os políticos da “confraria ginasiana” traíram novamente porque a câmara, em que são a maioria eventual, rejeitou acintosamente todas as salutares propostas que lhe foram enviadas, em sua primeira mensagem pelo prefeito Dr. José Januário de Magalhães.
                A “ata-monstro”, a que já nos referimos prognosticava todas essas traições.
                O Dr. José Januário de Magalhães pode ter a consciência tranqüila, porque, no juízo do reto dos homens cujo caráter não se vende em almoeda, saiu, Deus louvado, ileso da execrável trama em que o tentaram envolver.
                S. Excia, absolutamente não traiu, mas foi covardemente traído.
                Traído e nefastamente hostilizado pelos seus companheiros e admiradores de ontem, depois de ter tido em Belo Horizonte, entendimento pessoal com o governo do Estado, cujos propósitos em face da política muzambinhense sempre se orientaram no sentido da paz e da conciliação, operou-se, entre o provecto prefeito Dr. José Januário de Magalhães e a vigorosa falange política chefiada pelo Dr. Fábio Coimbra e Dr. Armando Coimbra, um salutar movimento mútuo e simpatia e aproximação.
                Com o prematuro falecimento do Dr. Lycurgo Leite, que desde o início da campanha política de 30 vinha orientando o partido ao lado da pujante visão administrativa do Dr. José Januário de Magalhães, grande parte de elementos, de inegável destaque social e real prestígio eleitoral, não querendo absolutamente seguir os ditames da politicalha ginasiana capitaneada pelo Sr. Salathiel de Almeida – elemento, aliás, completamente destituído de credenciais políticas – grande parte desses elementos ficou onde estava, ao lado do prefeito Dr. José Januário de Magalhães, com quem cerrou fileiras, constituindo-se em sólida mole partidária, composta das famílias mais tradicionais da cidade de Muzambinho, entre as quais se contam os Vieira, os Paolielos, os Coimbra, os Navarros, os Prados, os Magalhães, os Polis e muitas muzambinhenses de coração as primeiras filiadas, todas animadas dos mais alevantados anseios do progresso, de culto aos antepassados, de solidariedade, de cooperação, de entreajuda e de paz.
                É um brilhante e edificante movimento de reação dos advenas aproveitadores do esforço alheio, que se inculcam foros de autoridade e que se compraziam em viver comodamente enroscados, como epífitas nocivas ou parasitas sugadoras, aos troncos dos vetustos robles senhoriais, que são os verdadeiros eponimos daquelas paragens muzambinhense, seus abnegados fundadores e benfeitores. Recrudesceram, com isso, a inveja, o despeito e o rancor do Sr. Salathiel de Almeida e seus sequazes.
                Não mais as fumidas pomas do erário municipal.
                Não mais o “protecionismo ginasial”...
                Não mais...
                Muzambinho, a culta cidade sul-mineira, não será todavia, detida de seu progresso.
                O Ginásio Mineiro, completamente saneado dos seus nefastos elementos, reivindicará o antigo renome, desfrutado em todo o país, de estabelecimento modelar de ensino, em que pontificaram Carlos Góes, Júlio Bueno, Oscar da Cunha Pinto Pereira, Almeida Magalhães, Honório Armond, Mário Magalhães Gomes, mr. Nixon, Pedro Saturnino e outros luminares das letras pátrias e orgulho do magistério pátrio, excelentes elementos que o Sr. Salathiel de Almeida não soube conservar, verdadeiros abnegados que não recebiam os seus parcos ordenados.
                No entanto, o antigo Lyceu Municipal era um verdadeiro sorvedouro das rendas municipais.
                Daí lhe vem o nome. Ali, tudo era municipal... Até mesmo o diretor parecia encarnar e personificar o município.
                Mas, a fertilidade prodigiosa, o cérebro do Sr. Reitor ainda não estancará:
- Ao compasso de sua magistral batuta, continuou, após a eleição, a seu contra-gosto, do prefeito Dr. José Januário de Magalhães, a dança macabra dos edis muzambinhenses, tripudiando sobre a ingênua credulidade do povo de sua grei.
                Convocou os “decenviros da pedra lascada”, sob os augustos auspícios de Ulpiano – o sorridente.
                Como medida preliminar, elaboraram, em grosseiro decalque, um interessantíssimo Regimento Interno da Câmara, afeiçoado dos condenáveis propósitos de cercear quaisquer iniciativas do prefeito. 
                Escarafuncharam, a seguir, a Constituição do Estado, o Código Eleitoral, a Lei Orgânica do Município e, invocando até mesmo disposições de leis anteriores completamente revogadas, deitaram sabença, forgicaram uma comissão de justiça facciosa e ignorante, tentaram surrupiar os documentos comprovantes das contas apresentadas pelo prefeito Dr. José Januário e, consoante vinham assoalhando aso quatro ventos, não aprovaram as referidas contas e declararam irrecorrivelmente vago o cargo de prefeito municipal de Muzambinho.
                Queriam agir como partes e como juízes e aventaram a mais abstrusa doutrina sobre a matéria processual dos recursos.
                E que contas [ilegível] essas?          
                Eram conta simples, lisas, devidamente comprovadas por documentos revestidos de formalidades legais e relativas a despesas realizadas dentro do saldo das verbas orçamentárias, no curtíssimo período compreendido entre 1º de agosto e 31 de dezembro de 1936!
                Apegaram-se, todavia, os juriconsultos, especializados em contabilidade mercantil, às expressões do artigo 64, alínea a), da Constituição do Estado de Minas, “aplicação ilícita dos dinheiros públicos”, e, maldosa e mentirosamente, trombetearam, pela imprensa do país, que o Dr. José Januário de Magalhães havia se apropriado, em proveito próprio, dos dinheiros da prefeitura, havia cometido o grave crime do peculato.
                Urgia, entretanto, não aprovar as contas apresentadas pelo prefeito.
                Seria o último recurso, a única brecha que se lhes ensejava para se apossarem das ambicionadas arcas do erário municipal.
                Torcendo o espírito da lei, violentando a Constituição Estadual, julgaram, em última instância, as contas do prefeito, e, em prodigiosa e risível acrobacia jurídica, saltaram por cima do Egrégio Tribunal de Contas, o único que legalmente pode julgar definitivamente as contas dos prefeitos.
                Mas, era preciso alijar o Dr. José Januário de Magalhães da prefeitura, custasse o que custasse.
                A estupenda Resolução n. 3, promulgada por um sui-generis Vice-Presidente da Câmara, em grotesca e estulta substituição ao ingênuo Presidente, é a última palavra em matéria legiferante, de todos os tempos!
                Falemos seriamente: erros palmares desse calibre, praticados por bacharéis em direito pelas nossas tradicionais Faculdades, depõem, não há negá-lo, contra a cultura jurídica da pátria de Pedro Lessa, Lafayette Rodrigues Pereira, Teixeira de Freitas e tantos outros.
                Mas, o antigo Conselho Consultivo, no qual tomava assento o meso Dr. Antônio Magalhães Alves, ilustrado presidente da câmara automaticamente deposto, nunca deixou de aprovar as corretas contas apresentadas pelo íntegro prefeito Dr. José Januário de Magalhães, cuja brilhante gestão sempre se pautou pela mais ampla divulgação administrativa, como pode verificar nas anuais prestações de contas, devidamente publicadas e profusamente difundidas no município e fora dele.
                E todas as atas das sessões do aludido Conselho Consultivo, se consignaram, todavia, calorosos votos de encômios à profícua administração do Dr. José Januário de Magalhães, cuja brilhante gestão sempre se pautou pela mais ampla divulgação administrativa como pode ver-se nas anuais prestações de contas, devidamente publicadas e profusamente difundidas no município e fora dele.
                Em todas as atas das sessões do aludido Conselho Consultivo, se consignaram, todavia, calorosos votos e encômios à profícua administração do Dr. José Januário de Magalhães, fato facilmente verificável em o livro n. 1, existente no arquivo da prefeitura daquela localidade.
                O escândalo judiciário dos sapientíssimos edis de Muzambinho, já transpôs s lides daquele município e do próprio Estado de Minas, como um escárnio à tendenciosa propaganda que fizeram, pela imprensa do país, contra seu adversário pessoal Dr. José Januário de Magalhães, que, de toda essa espurcicia moral lançada contra sua dignidade, saiu ileso, limpo e mais dignificado ainda. A péssima impressão causada pelos ridículos erros dos vereadores daquela cidade, os quais ingenuamente a todos asseguravam a disposição do Dr. Prefeito, produziu significativo desânimo e grande desconfiança entre os correligionários do Sr. Salathiel de Almeida.
                A debandada é geral. O fracasso certíssimo e fragoroso.
São Paulo – Março – 1937
Lafayette Navarro
Autorizo a publicação deste no “Diário de S. Paulo”.
Lafayette Navarro
Reconheço a firma retro de Lafayette Navarro. Dou fé. Muzambinho, 18 de Março de 1937. Em test, LCC da verdade. O 3º Tabelião Lindolpho Cecílio Coimbra.”


                O artigo é importante, pois nos dá algumas visões do que estava acontecendo. Neste artigo, Salatiel não é mais o herói, mas o vilão autoritário.
                Dr. José Januário de Magalhães agora é o herói para os pica-paus. Ele já foi herói dos tucanos. Um herói de segunda grandeza, mas um herói. Para os pica-paus é o principal herói. Salatiel era herói até para dr. José Januário e Lafayette Navarro, agora é vilão, autoritário.
                Lafayette reconhece a importância do diretor: “Até mesmo o diretor parecia encarnar e personificar o município”. Esta frase, vinda de um adversário, mostra a importância política do mestre.
                De mais, faz duras e seriíssimas críticas ao professor Salathiel e ao Ginásio.
                A leitura do texto nos coloca questões que não seriam conhecidas apenas com a leitura do jornal “O Muzambinhense”. Outras versões.
                Claro, que deixo por conta do leitor reparar algumas incoerências do dr. Lafayette Navarro, se levarmos em conta as outras informações que possuímos.

A CAMPANHA DE DIFAMAÇÃO DO GINÁSIO - 1937



                        “O Muzambinho” atacava e “O Muzambinhense” defendia. Vamos mostrar alguns trechos que ajudam a elucidar o problema:
Meu caro Conselheiro ***
Paulo Rosa[5]
O Muzambinhense – 17.01.1937

                Acabo de receber a carta com que V. justifica o seu artigo contra o Ginásio e procura sustentar as ocas idéias nele exaradas.
                Antes de mais nada, deixe-me dizer-lhe que, ao recebê-la, adivinhei não ser sua, pois a mesma se achava impregnada daquele seu habitual e irritante cheiro de alfazema.
                Desafia-me V., logo de princípio, provar-lhe a existência de um só erro no seu trabalho.
                Na realidade, erros propriamente não existem (aquele errozinho no emprego do demonstrativo não foi levado em conta). E não foi a insólita colocação de um pronome, nem uma chocante violação das regras elementares da concordância que me obrigaram a declarar ser o seu trabalhinho obra de algum aluno reprovado em português.
                Não submeti a uma rigorosa análise gramatical a sua carunchada plataforma de remodelador.
                Apreciei-a como trabalho de composição, de imaginação e, nesse terreno, reafirmo, - achei-a horrível. Embora V. tivesse passado várias noites em claro, lidando com dicionários e gramáticas, afim de coordenar aqueles conceitos, a impressão causada foi má.
                Confesso-lhe, porém, que se soubesse ser V. o escritor daquela peça, eu teria passado sobre o fato, pois conheço bem a sua teimosia. Quando uma coisa lhe entra na cabeça, não há cristão que a tire.
                V. não evolui. Por mais que se faça, não se consegue convencê-lo de que estamos no século XX.
                Ainda há poucos dias, vi uma fotografia sua, recentemente tirada, que me encheu de horror. Se não me engano foi na “Ave Maria”, revista religiosa que publica retrato de fiéis favorecidos.
                Estava V. ao lado de uma velha cadeira, com a mão direita apoiada no alto do espaldar, um guarda-sol no braço esquerdo, de chapéu coco e uma enorme sempre-viva na lapela.
                Se ao menos V. estivesse sério!...
                Mas aquele seu sorriso forçado, a galã cinematográfico,  contrastava pavorosamente com a antigualha que o cobria!!!
                Não pense V., meu querido amigo, que viso atirá-lo no ridículo. Pelo contrário. Quero tirá-lo dele. Quero convencê-lo de que a telegrafia sem fios é um fato e de que o rádio substituiu o realejo, assim como o cinema falado matou a lanterna mágica.
                Que V. continue a dormir de camisola e touca e vote ódio ao pijama é tolerável, pois trata-se de uma questão de culto ao passado e não fede a vista senão dos mais íntimos.
                Mas o seu indefectível guarda pó já é outro caso. Este provoca o riso dos viajantes irreverentes.
                Convença-se, meu amigo, que o tango atirou às teias de aranha a velha quadrilha, e o smoking destronou a sobrecasaca.
                Jogue fora a sua, compre um dinner-jacket e venha dançar um fox que, garanto, lhe fará esquecer as saudosas polkas.
                O Carnaval está chegando, mas, - veja lá! – hoje usa-se o lança-perfume. O entrudo, a bisnaga e o limão de cheiro já passaram...
                De passado, a única coisa que voltou, querido amigo, foi o bigode. Voltou, mais voltou civilizado, pequenino, engraçadinho. E V. poderia adotá-lo, se a natureza ingrata não o bigodeasse, deixando-o imberbe.
                O resto ainda somente pelos museus. E, dificilmente, deles retiraremos as bárbaras impiedosas e despóticas palmatórias com as quais V. quer que se obriguem os jovens estudantes a se levantarem, trêmulos e pálidos de medo, à passagem de um desses raros, rígidos e arrogantes mestres. Creia-me, meu cordial amigo, que V., com essas idéias tirânicas e retrógradas, com essas atitudes ásperas e extravagantes me faz lembrar aquela velha e histórica locomotiva – “Baronesa” – atravessando as modernas ruas do Rio de Janeiro em demanda á Feira de Amostras.
                Ela representava o Passado e tudo em seu redor o Presente: arranha-céus, bondes elétricos, polícia especial, automóveis de linha aerodinâmicas, e, no alto, o ruído dos aviões.
                Muito embora tivesse ela atravessado as moderníssimas avenidas da nossa Capital, impassível, soberba e indiferente ao riso do povo, eu senti um vago pesar em notar o ridículo a que lançavam aquela pobre coitadinha, apupada pela gritaria dos rádios e ironizada pelo olhar do “Graf Zeppelin”.
                Não me leve a mal, meu prezado e divertido amigo, mas toda vez que leio os seus escritos, ou ouço as suas arengas, sinto-me invadido de profunda tristeza, porque me salta aos olhos a figura da pobre “Baronesa”, lambuzando de graxa o luzidio asfalto da Avenida ou cuspindo carvão na alva indumentária dos cariocas.
                Desculpe e abrace o seu afetuoso.”


Meu inefável Conselheiro ***
Paulo Rosa
O Muzambinhense – 24.01.1937

                Amigo sincero da verdade, confesso que, desta vez, V. me derrotou fragorosamente.
                Cabe-lhe a coroa de vitória. Alise a sua pastinha e assente sobre a caixa óssea que protege a sua minguada e rara massa cerebral o troféu que V. acaba de conquistar.
                A rasteira que V. me pregou foi única no gênero. Comprometi-me a analisar todas as suas composições, para gáudio de nossos leitores e, ao ler a última, achei-me num beco sem saída. Sem saída e sem entrada.
                Embora V., orgulhoso, se considere “um carretão aparelhado para todas as estradas”, não logrou trilhar por nenhuma. No último “amontoado de palavras extraviadas”, V. não conseguiu nem ao menos deixar “um sulco fértil de asneiras”.
                O meu logro foi completo. Comemorar o que?
                Esta vitória, porém, não foi devida ao seu engenho e arte. Confesso que esse triunfo cabe ao nosso confrade Armstrong que, com uma segura, vigorosa e bem aplicada bordoada, deixou V. tonto e sem eu assunto.
                Todavia passarei um benevolente olhar sobre a sua tarefa.
                A sua imaginação pesada faz com que Amstrong o chamasse de carretão. Gostando da comparação, V. foi além, arvorando-se em zorra, mas prefiro confirmar lhe, diante de seus derradeiros e desafinados apitos, o título de “Baronesa” a queV. Faz indiscutivelmente jus com as suas idéias retrógradas.
                Zangou-se V. e perdeu as estribeiras quando Armstrong pos o dedo na sua chaga ortográfica.
                Não proceda assim, meu amigo, seja mais dócil, mais meigo, senão... V. sai fora dos trilhos!
                De minha parte, juro, não reparei na sua ortografia. O que me embevece, querido, são os seus processos pedagógicos que poderiam talvez ser adotados por volta do ano de 1537. É bem provável que, naquela época, a adoção dos seus métodos conduzisse os pobres catequistas para dentro da barriga de nossos indígenas.
                Durante uma quinzena, V. estafou-se em trabalhos. Abriu dicionários, gramáticas, enciclopédias e, revolvendo todos os seus vastos conhecimentos de história, deu à luz um artigo em linguagem tão chula e de erudição tão barata.
                Encantou-me, entretanto, saber que V., na sua opinião, depois desta exaustiva corrida, colimou seu objetivo, “voltando à vaca fria” (que chulice”) e citando Appeles (erudição de menino de curso primário...).
                Pode ser que V. haja aprendido esse modo de falar nalgum clássico de além-mar, mas, entre nós, a gente educada e culta regeita-o.
                Além desta lamentável derrapada, V. pregou uma trombada na palavra “panacéia” julgando-a sinônima de mistura...
                É por isto que os estudantes, coitados, vivem às tontas, sem saber a quem seguir: se os gramáticos, se os sapateiros... de Appelles!
                Numa das rodas da sua zorra, percebi uma ironia atirada ao Ginásio...
                Então V. ignora, meu rubicundo amigo, que existe nesta terra um Mestre  que, de per si, vale um ginásio ou mesmo uma universidade inteira? Desconhece V. a existência de um desses monumentos históricos que, conhecedor profundo das línguas mortas, perde anos e anos em pesquisas, mas consegue descobrir o dificílimo processo evolutivo do queijo?
                Não sabe, então, V., meu embezerrado amigo, que vive entre nós essa enciclopédia ambulante que decorou páginas inteiras do saudoso mestre Mario Barreto e sabe justificar, numa demonstração de assombrosa e piramidal cultura, os plurais em ãos ães e ões?
                É com este, meu dulçoroso amigo, que muita gente estabelece comparações... O Ginásio não é o melhor estabelecimento de Muzambinho, o Mestre o supera!
                Francamente, meu amigo, com as credenciais que V. apresenta ao público jamais conseguirá restabelecer coisa alguma.
                O seu apito, meu “Baronesa”, está muito gasto.
                Terminando, por hoje, dou-lhe o meu melhor conselho:  - a única coisa que V. deve tentar restabelecer é o seu juízo e, para isto, sirva-se da sua própria e feliz lembrança: “Barbacena – um dos melhores climas do Estado, boa água, excelente frutas” e ... magnífico hospício...
                Com um cordial abraço, seu afetuoso.”


                Novo artigo “Hora da Saudade”, de Paulo Rosa, falando com o Conselheiro. O trecho que se refere ao Ginásio “... quero afirmar-lhe que se V. continuar com as suas lições de português pela imprensa, a embolia é certa, o moribundo Ginásio... reviverá e o médico-expurgo...bate as botas....” (O Muzambinhense – 31/01/1937)

“Como já vos escrevi, inteligentes leitores, em um dos números passados desta folha, o templo de ensino desta cidade – o Ginásio Mineiro – foi atacado despeitadamente por uma pena déspota, por um cérebro doentio, pó ruma cabeça geradora e acumuladora de idéias desconexas.
                Não me apraz o bater em lutas estéreis, como tão pouco me empolga o medir-me com Pachecos que pensam e julgam ser a sabedoria um dom que se lhes patenteou.
                É bem sabido que na guerra o mais fraco será vencido, como é sabido que somente a Sansãos é dado o privilégio de abater, com queixadas de burros, os Filisteus.
                Eu também sei isso. Sei, mas avanço; sei, mas não recuo porque me veio à mente uma página anedótica havida entre a mutuca e o leão, porque mais que todos eu me cinjo à razão.
                O Escriba, querendo se destrilhar da minha fraca mas acertada defesa, disse observar, em meu trabalho, unicamente xingamentos que pretendiam cobrir as duras verdade por ele emitidas. Verdades? Não.
                São duras pilhérias – filhas tão duras como a cabeça-mater. E se são essas as verdades que o nosso grande remodelador tem a dizer em público, é bom, é mil vezes melhor que se proclame a todo mundo que já nasceu um candidato ao prêmio Nobel de mentirosos!
                Para se dizer uma verdade em pleno século, é necessário que se pense, que se julgue, que se meça; para que um jornal seja verdadeiramente benemérito, é preciso que seus artigos sejam estudados, sejam refletidos. E, sendo assim, como se pode compreender que as duras verdades são rabiscadas e que um benemérito jornal encerre artigos da tal jaez?
                Mas o que eu li, o que ataca o Ginásio, não passa, repito, de um filho do despeito, de um produto falso, fabricado em um cérebro ferido, guardando no seu todo, um dilúvio de banalidades, verdade essa que foi aceita e atestada pelo cunho do próprio autor, perante a evocação divina – “quanto lugar comum, meu Deus.”
                Ao homem que ostenta, com o galgar uma tribuna para proferir duras verdades, lhe é imposto, pela praxe, o munir-se da palavra eloqüente, ou quando escrevendo, do estilo scintillante a fim de pasmar a turba.
                Se lhe não servir tão normal, crecontritamente, ser-lhe melhor erguer-se em campo das letras apoiando em carunchosas muletas e a turba se pasmará... ante o tamanho das quedas e solavancos!
                Mais uma vez me deparo com um punhado de vocábulos cuja análise e cujos ditames me abalam os nervos!
                Pobre autor! Não lhe reparo mais o estilo. Não lhe esbordôo mais as arrogâncias. Somente, e com grande espanto para mim, notei, entre os duros ditos, a assombrosa falta de propriedade na colocação de um termo.
                Qualificou-nos, o autor de “O GYMNÁSIO”, de propinadores de uma panacéia. É interessante! Muita vez o que se diz para ofender alguém, torna-se-lhe um elogio.
                O competente autor empregou “panacéia” como significando “mistura”, mostrando-nos assim que brigou com seus dicionários, patenteando-nos a veracidade do provérbio – “quem cospe para cima, na cara lhe cai”.
                “Panacéia” – jamais significou “mistura” nem nos tempos das invasões bárbaras na Península Ibérica, tempos nos quais o remodelador se julga estar; nem na data presente.
                “Panacéia” – significa remédio universal para todos os males e, assim sendo, nós somos uma panacéia. Estamos prontos e decididos a dar cura à ignorância e ao despeito – males cruéis que mui impiedosamente fustigam os miolos do pai de “O GYMNÁSIO”.
                Finalizando estas justas considerações, passo a explicar ao articulista em questão que ele foi bem próprio numa palavra: aceitou, sem vexame, o apelido de “carretão” e, foi inda mais além, chamando-se de “zorra”, quando lhe falei de seu estilo arrebicado e descolorido.
                Podemos nos apaziguar, muzambinhenses que me ledes, porque um carretão, por mais sólido que seja, nunca jamais poderá ruir o ginásio, se lhe vai no cabeçalho tal boi normando desenferado...
ARMSTRONG” (O Muzambinhense – 24/01/1937)


Duas Datas Caras ao Povo de Muzambinho

                A data de hoje é uma das mais caras é tradição de nossa cidade e de nosso município. Ela marca o início da vida oficial e efetiva do antigo Liceu Municipal de Muzambinho, que Salatiel de Almeida, Dr. Fernando Avelino Correia, e o Cel. Francisco Navarro, coadjuvados pelo Cônego Pedro Nolasco e pelo saudoso professor Júlio Bueno, fundaram, organizaram e mantiveram com denodada prova de amor ao ensino.
                Tão notaria era a obra desses ilustres servidores de Muzambinho, que não houve autoridade administrativa que os não auxiliasse, emprestando à iniciativa todo o apoio e todo o concurso dos poderes públicos.
                Dos realizadores da empresa que angariou para Muzambinho o renome de centro intelectual, apenas um, Salatiel de Almeida, levou a cabo o empreendimento, vencendo óbices de toda sorte.
                Tanto assim que, ao ser convertido o antigo educandário em ginásio do Estado, obra meritória que devemos ao grande Andrada, apenas salatiel ainda se achava em atividade, à frente dos destinos da casa que ajudou a fundar, que organizou, dirigiu, engrandeceu e transformou.
                Pelo Liceu passaram várias dezenas de moços que se instalaram normalmente em vida prática, militando nas profissões liberais, nas letras, nas artes, no magistério, na indústria, no comércio, na lavoura. A maioria deles, de coração bem formado, de caráter aprimorado, jamais se esqueceu a fonte cristalina da primeira água bebida em Muzambinho, de tal modo que o festejado educador tem tido a ventura de encontrar, até agora, no ginásio e na Escola Normal os filhos de numerosos ex-alunos.
                Não nos cabe entoar loas a essa obra que só por si recomenda seus realizadores. A prova de seu mérito, nós recebemos continuamente dos municípios vizinhos, de Minas e S. Paulo, onde o nome de Salatiel de Almeida é pronunciado com o respeito com que todo homem normal e civilizado se refere a seu preceptor.
                Infelizmente uma nuvem pestilêncial envolveu o velho estabelecimento que foi sempre a maior glória de Muzambinho. Espíritos maus poisaram sobre as vigas mestras da boa casa. Mas, nova aurora sucederá à noite escura de hoje e, com a cintilação luminosa, as aves agourentas levantarão vôo, de modo que ainda é possível haver luz sobre os escombros de uma obra que não podia ter sido destruída, porque ela é a alma mesma de Muzambinho.
                A outra data sobremodo cara a todos os muzambinhenses é a de 28 de setembro.
                Ela marca o aniversário natalício do Dr. Licurgo Leite!
                Não faz um ano ainda que o ilustre varão morreu, e os fatos sucedidos na cidade que ele tanto amou parece se haverem desenrolado em decênios de desilusões, de sofrimento e de dor.
                Foi poupado a dolorosas provações, a dissabores cruéis e a desilusões maiores, que na vida somente fez o bem, semeou a paz e a concórdia, foi capaz de todas as renúncias, jamais faltou à palavra dada e nunca mentiu aos seus amigos.
                No dia de seu aniversário natalício em que sua casa se enchia de companheiros, que ele acolhia com a mesma simplicidade de todas as horas, volvamos o nosso pensamento para aquele que soube ser chefe, porque sempre soube ser bom. (O Muzambinhense – 26/09/1937)

Todo material e imagens dessa página são livres e podem ser utilizados de acordo com a licença:
citando como autor Otávio Luciano Camargo Sales de Magalhães 



[1] Interessante notar que o Dr. Talcídio chega atrasado na posse dos vereadores da Câmara Municipal, quase perdendo sua vaga.
[2] Esse trecho mostra, pelas palavras do próprio Salathiel, que ele era político e não apolítico como dizia Montanari ou insinuava Soares.
[3] Em frente da Igreja Matriz.
[4] Segundo Graco Magalhães Alves, Paulo Rosa seria José Maria Armond.
[5] Paulo Rosa é o pseudônimo do prof. José Maria Armond, segundo informações do sr. Graco Magalhães Alves, filho do prof. Antônio Magalhães Alves.