Carlos Drummond de Andrade e Muzambinho

Capsulas de História

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E MUZAMBINHO
Drummond e três muzambinhenses que ele conhecia

            Há poetas famosos ligados à Muzambinho de forma direta ou indireta. Mario de Andrade tinha como uma das melhores amigas Oneyda Alvarenga, poetisa importante, da família Paolielo. Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, era amigo de Jackson de Figueiredo – aliás, Jackson o converteu para o cristianismo; Alceu sempre falava de Muzambinho, escrevendo textos sobre Hamilton Nogueira e Uriel Tavares e os associando como uma criação de Muzambinho.
            Mas é peculiar Carlos Drummond de Andrade aparecer em três ocasiões:
(1) escrevendo o poema “Ode a Jackson de Figueiredo”, o comparando à São Pedro, em virtude à morte prematura do filósofo em uma pescaria;

ODE A JACKSON DE FIGUEIREDO

Carlos Drummond de Andrade*
Belo Horizonte, 1929

Jackson
nem amigo nem inimigo,
nem mesmo (o que seria cômodo) espectador displicente na sua [poltrona

espiando teus gestos, tuas palavras e obras,
mas distante, extraordinariamente distante daquilo que foi a tua vida,
mais distante ainda dos mundos que explorastes, viajante inquieto, sem tempo para esgotá-los, e só te conhecendo bem depois que abriste os braços para morrer,
aqui estou, testemunha depondo.

Jackson,
os que te conheceram e te amaram
os que te conheceram e não te amaram
os que não tiveram tempo de te amar,
os que não cruzaram no teu destino, os que ignoram o teu nome, os que jamais saberão que exististes, estão todos um pouco mais pobres do que eram antes.

Uns perderam o amigo.
Outros , o inimigo, o grande e belo inimigo que orgulha.
Outros nada perderam, e é tão triste, tão doloroso não perder nada.
Como estes, eu me sinto pobre da pobreza de não ter sido dos teus Jackson,
e eu sinto verdadeiramente por todos aqueles que jamais suspeitarão disso.

Voltou o tempo dos prodígios.
Ainda há pescas maravilhosas, eu sei.
E os peixes que arrebatastes a um mar mais crespo que o de Tiberíades

Estão cantando a glória do Senhor.
Milhares de escamas, milhares de dorsos, de luzes, de almas
elevam um cântico tão puro que a terra se mistura com o céu
e nem se percebe o pescador que as ondas arrebatam,
que as ondas arrebatam violentamente, para depois se apaziguar, enquanto o corpo mergulha e os peixes cantam a glória do Senhor.

Agora sentimos que estás mais perto de nós,
Que por obscuros caminhos nós chegamos mais a ti,
(pouco importam as ondas e esta camada de terra que nos separa de tuas espécies em decomposição).

Muitas coisas nos ensinou a tua morte, que a tua boca não soubera exprimir e a tua pesca mais opulenta, Jackson, foi a de ti mesmo pelo oceano pesca terrível e prodigiosa de amor e redenção.

ANDRADE, Carlos Drummond de.  Ode a Jackson de Figueiredo.  A Ordem, Rio de Janeiro, v. 9, n.4, p. 150-151, dez. 1929.

(2) em um poema famoso chamado “Aula de Português”, que caiu até mesmo no ENEM, onde ele cita Carlos Góes, que foi promotor de justiça em Muzambinho e professor de Latim e Língua Portuguesa no Lyceu do Prof. Salathiel de Almeida. Góes escreveu várias gramáticas e livros de Filologia, provavelmente onde Drummond estudou:

Aula de Português

Carlos Drummond de Andrade

A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender. A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

(3) em um telegrama, encontrado na Casa da Cultura de Muzambinho, que indica que o poeta conhecia o Dr. Lycurgo Leite, onde ele manda votos de pesar pelo falecimento do chefe político de Muzambinho.