CAMILA JANUÁRIO

Biografia do Sr. Camila

“Sangue”, suor e amor à camisa

            Ele não foi o melhor jogador de futebol da história de Muzambinho, embora tenha sido muito bom Não foi, também, o de técnica mais apurada. Nem, tampouco, foi um goleador, até porque sempre jogou na defesa. Eu sempre brinco com ele, dizendo que em todas as noites e pelo resto de sua vida, antes de deitar se tem que agradecer a Deus por não ter matado ninguém em campo. Digo isso pelo vigor físico, pela virilidade e pela dureza com que marcava seus adversários E que Camila tinha uma característica invejável o amor à camisa. Se necessário fosse, daria a vida para não perder nenhum jogo. Antônio Januário, que se transformou em Camila, recebeu esse “batismo” de um grande gozador, também futebolista, que foi Oyídio Pires.
            Existe uma historinha que comprova esse seu amor ao time. Em 1971, quando disputávamos um Campeonato Sul Mineiro em que fomos vice-campeões, nosso zagueiro central era Lézinho Salomão, jogador de muita técnica e que gostava de jogar bonito e detestava dar “chutões e bicos” para qualquer lado.
            Camila não se conformava em ver o Lezinho dominar a bola e sair jogando. Ele achava que isso expunha a nossa defesa a riscos desnecessários. “Se ele desse um chutão e limpasse a área não correríamos riscos e estaria tudo resolvido”, dizia Camila. Mas essa não era a característica de Lezinho. Depois de muito insistir e se ver frustrado por não ser atendido, um belo dia ele disse ao companheiro em tom autoritário: “Lezinho! Quando a bola vier e você dominá-la, após faze.r algumas graças para a torcida e esta o aplaudir, role-a para mim, que eu chuto lá ria horta do Zé Ernesto. Eu não tenho vergonha de fazer isso, O importante é a bola estar o mais longe possível de nossa área”. A horta do Zé Ernesto, para quem não sabe, é um terreno grande que fica do lado de fora do Estádio Professor Antônio Milhão. Outra frase sua: “em caso de aperto, chuta pro céu, porque enquanto a bola estiver no céus não há perigo de gol na terra”.
            Por estas razões e com todo respeito aos considerados “melhores de todos os tempos em Muzambinho”, Fominha e Corote é Camila quem simboliza o futebol de nossa terra. Quando o assunto é o nosso futebol, a figura que o representa é a dele.
Sua carreira de jogador se transcorreu em Muzambinho, em sua maior parte, mas ele defendeu, também, todas as cidades da região. Sempre que não havia jogos da seleção local, ele era chamado para defender outras cidades, o que o tornou ídolo também nesses lugares. Em 1960, Camila chegou a jogar no Bonsucesso do Rio de Janeiro. Lá permaneceu por uma temporada. Ele teve a glória de jogar no Templo Sagrado do Futebol Brasileiro: o Maracanã.
            Ele nasceu em Muzambinho no dia 5 de fevereiro de 1939, é filho de José Januário (Zé Nardi) e de Josefina Filomena de Jesus. Tinha três irmãos: Oswaldo, Mano e Pedro, todos falecidos em 1986. É casado com Isaura Martimiano Januário e possui quatro filhos: Ocimar, Wladimir, Thales e Rivelino. Seus filhos lhe deram oito netos: Talita, Tamara, Túlio, Murilo, Thaís, Thiago, Taric e Eric. Possui, também, quatro bisnetos: Liça, Anthony, Brian e Tamires. Vocês acham que esses nomes de seus filhos, todos de jogadores da época, são apenas uma mera coincidência? Ou é Camila que só respira futebol. Fico com a segunda hipótese. Dos quatro, três têm nome de atletas do Corinthias, seu time favorito.
            O jornal “Coração”, que é um órgão oficial do Corinthians, em sua edição de dezembro de 1976, fez até uma reportagem sobre este assunto, ressaltando sua fidelidade para com o clube. Wladimir, lateral esquerdo do Corinthians, quando soube que o “xará” era em sua homenagem, ficou tão feliz que mandou a camisa usada em um jogo contra o Internacional de Porto Alegre autografada por todos os jogadores para o “Wladimirzinho de Muzambinho”. Na reportagem o jornal estampa uma manchete: “os filhos de Camila, corintianos até no nome”. Nela, aparece uma foto com toda a família reunida: pai, mãe e os quatro filhos.
            A história dessa personalidade está diretamente ligada ao futebol, tanto é que a oficina de sapataria era ponto de encontro de amigos e companheiros, No começo dos anos 60, quando Camila estava no início da carreira, ele trabalhava como sapateiro na Sapataria Primavera, de propriedade do Sr. Policarpo Dias. Mesmo o proprietário odiando futebol, naquele local passaram a reunir-se, todos os dias invariavelmente, os adeptos do futebol muzambinhense e do futebol brasileiro em geral. A gritaria e as discussões eram tantas que em determinados momentos, o Sr. Policarpo acabava com a festa e expulsava a todos. Pensava ele que as cenas não voltariam a se repetir. Doce engano! Horas depois estava tudo como antes. Essas cenas se repetiram por anos e anos, e com o tempo o Sr. Policarpo se acostumou e, às vezes, até dava alguns palpites. Mas, quando as coisas ficavam intoleráveis e os ânimos exaltados, Sr. Policarpo tinha uma recaída e limpava o ambiente, colocando, todos nós para fora. Isso perdurou enquanto a Sapataria Primavera existiu Quando o Sr Policarpo ficou viúvo e já velho, seus filhos o levaram para residir em Brasília.
            Camila herdou a sapataria Porém chegou o dia em que o prédio onde eia estava instalada foi vendido e então mudou-a para onde se encontra ate hoje. Só que, aquela geração que frequentava a Sapataria Primavera foi lentamente acabando e parando de frequentar o novo local por razões diversas como afazeres, horários a cumprir e mudanças Embora tenha tido substitutos, estes não tiveram o mesmo comportamento e assiduidade dos antigos
            Quando as pernas começaram a não atender as recomendações da mente como antes, após jogar um bom tempo entre veteranos Onde era o primeiro a chegar, sempre por volta das cinco horas da manhã dos domingos, Camila decidiu se separar em definitivo da bola, sua fiel e amada companheira em grande parte de sua vida. Passou, então, a se dedicar unicamente a um outro lazer, com o qual já convivia há bastante tempo, que é tocar na Banda Municipal. Lá Camila não tem adversários, só tem companheiros e, por isso, não precisa se preocupar com atacantes e muito menos com as “graças” do Lezinho. Aquele fôlego usado para correr atrás dos pontas esquerdas agora está sendo canalizado para assoprar seu saxofone com a mesma eficiência, dedicação e amor, com que o fazia nos estádios por onde atuou.
            Não estou me referindo apenas a um jogador de futebol de nossa cidade. Se assim fosse, teria que falar de tantos e tantos outros e não haveria espaço suficiente, O que desejei foi abordar a vida, sempre intimamente ligada ao futebol, de alguém que em nossa cidade é sua expressão maior, seu símbolo e um nome que dificilmente será superado por qualquer outro.
            Esta é a história de Antônio Januário, que um dia Ovídio Pires batizou de Camila. E foi como Camila que conseguiu se transformar numa figura notável no nosso meto social, a ponto de ficar tão conhecido e reconhecido, que acabou por se tornar uma grande personalidade.



 Biografia da Câmara Municipal, Vereador Márcio Dias