Auri cerulea - Modesta
princesa orgulhosa: um poema sobre Muzambinho
Otávio
Luciano Camargo Sales de Magalhães
Francisco Teive de Almeida
Magalhães, que gostava de assinar apenas Almeida Magalhães, foi nomeado para
exercer o cargo de delegado de polícia em Muzambinho, e por aqui ficou por um
bom tempo.
Junto com o xerifado, Almeida
Magalhães também lecionava no Lyceu do Prof. Salathiel de Almeida e também
vários textos. Foi membro da Academia Mineira de Letras. Após residir em
Muzambinho, mudou-se para São José do Rio Pardo, onde se considerava um
“euclidiano”. Almeida Magalhães prefaciou o livro de Moacyr Soares Brêtas,
“Muzambinho, Sua História, Seus Homens”.
Ele é autor de um belíssimo poema,
do qual destacamos aqui, retirado do jornal “O Muzambinho” de 3 de janeiro de
1940, um jornal propagandista pica-pau, mas, que na página 14, reflete a beleza
de Muzambinho no poema chamado Auri Cerulea: Modesta princesa orgulhosa.
Abaixo também descrevemos outro
poema, de outro autor, publicado na mesma página do jornal.
Auri-Cerulea
Francisco
Teive de Almeida Magalhães
AURI-CERULEA[1]
(Modesta princesa orgulhosa)
Erigida pela
Divina Providência, a mil e oitenta metros, nos píncaros meridionais de Minas
onde, num meio deslumbrante de azul e oiro pompeia linda e orgulhosa seus
encantos. Muzambinho englinalda se para festejar as bodas de pata de seu glorioso
estabelecimento de ensino, fóco intensíssimo de feérica luz intelectual, em
cujo derredor esvoaçam espíritos de alto remígio.
Não precisa
porem, a auri cerulea, de adereços e artifícios para ato nenhum, por mais
solene que esse ato seja, por mais pomposo, por mais elevado e excelso.
Auri’cerulea
está sempre engalanada pela natureza para as festas mais cerimoniosas.
Auri-cerulea
não se descreve” É necessário ver a cidade para senti-la. Nenhum pincel
fixá-la-ia com fidelidade, na imponência de sua postura, na beleza dos seus
arredores, na magnificência de suas manhãs de azul e oiro, na exuberância
resplandecente e estonteadora de seu sol a pino, no arrebatamento de seus
ocasos agridoces, na doçura infinita de suas noites silenciosas.
A sua facies
corográfica mereceria esculpida, na palavra, pelo cinzel de Euclides da Cunha.
Mas sua vida, sua força, sua alma, a dinâmica daquela natureza, animando a
cidade e imprimindo-lhe relevo, isso só se pode sentir, quando se tem a
felicidade de pisar aquele solo paradisíaco, de percorrer a longa avenida[2],
que vincula de extremo a extremo a cidade, quando se experimenta o gozo de
aspirar o ar embalsamento do mais bello jardim do Sul de Minas[3],
plantado no ponto mais alto e na praça mais soberba da urbe.
Ide às tores
do grande tempo que é a Igreja Matriz, e sentireis a cidade na sua faixa
central, o casario da Avenida debruada de amplos passeios modernos. Subi até a
necrópole, vagarosamente, namorando, de vez em vez, a cidade que fica atrás.
Ide ao Patronato Agrícola Lindolpho Coimbra[4],
à Chácara de Francisco Cerávolo[5]
e desses pontos podereis sentir Muzambinho, a auri-cerulea, podereis encher a
alma de inspiração.
Julgar-vos-ei
capaz de um poema em prosa ou verso, na embriagues daqueles cenários. Tomai, no
entanto a deliberação de entalhar na rima ou na frase – como tento agora nessa
evocação – a vertigem que vos perturba de todos os lados e exaustos, num
delíquio de inspiração, ante a pletora, que vos rodeia, sentireis, para lege, a
deficiência de vossa força descritiva, há pouco exaltada e agora incapaz de uma
palhetada!
Muzambinho
representa na inspiração dos artistas novo e perfeito suplício de Tântalo.
É por isso
naturalmente que sendo, embora, uma terra de poesia, não foi ainda cantada num
soneto, numa quadra, num verso sequer.
Tantalizados,
os vales muzambinhenses, anestesiam o estro ao contrato misterioso dos
atrativos místicos da modesta princesa orgulhosa.
Modéstia e
orgulho, eis o panagio ingênuo, puro e destituído de malícia, que toca
soberanamente, ornando-a, fronte sublime das filhas dos reis.
Muzambinho,
modesta princesa orgulhosa, esconde-se toda e se retrai na própria opulência
quando se trata de poetar os seus encantos.
Límpida ou
plúmbea, auri-cerulea ou cinzento escura, nos dias de mais estonteante azul e
oiro, em que o sol outra orgia de luz e calor, incendeia tudo, nos dias frios,
gelados, rebriosos, em que o vento glacial canta surdamente e golpeia em todas
as direções, erguendo pirâmides de pó, ou salpicando como um hyssope, a água da
chuva ao rosto de toda gente, nas lindas manhãs primaverais, frescas e amáveis,
em que a alma desperta a cantar um hino de glória à beleza de vida, concertando
com o gorgeio dos pássaros, nas manhãs chuvosas, de céu turvo e baixo, de
nuvens quase a tocar a terra, em que a cidade se levanta do leito ao som
monótono e disciplicente das goteiras, nas noites de tinta e breu, como nas
noites em que a lua despeja sobre todas as coisas aquela claridade eternamente
mítica, sempre, sempre quer faça sol, seja o calor do Senegal, seja o frio da
Califórnia, Muzambinho é a mesma e paradoxal modesta princesa orgulhosa!
Auri-cerulea,
eu te saúdo!
ALMEIDA MAGALHÃES
19-9-1926
[1] O texto, no que foi possível, foi transcrito
na atual ortografia (pós 1931).
[2]Av. Dr. Américo Luz .
[3] A Praça dos Andradas ou Praça P. Alcântara
Magalhães.
[4] Após a Barra Funda, o prédio semidestruído
ainda se encontra por lá.
[5] Atualmente é o bairro Quinta da Bela Vista e
Jardim Cerávolo. A Chácara de Francisco Leonardo Cerávolo chamava-se Quinta da
Bela Vista.