ARCHIVO DO ESTADO DE S.
PAULO
PUBLICAÇÃO OFFICIAL
DE
DOCUMENTOS INTERESSANTES
PARA A HISTÓRIA E COSTUMES DE S. PAULO
VOL. XI
DIVISAS DE S. PAULO E
MINAS GERAIS
S. PAULO
TYP. A VAP. - ESPINDOLA,
SIQUEIRA & COMP. - R. DIREITA, 10 A
1896
PREFACIO
Entre os diversos assumptos
administrativos que teem occupado a attenção dos successivos govenros da antiga
Capitania, hoje Estado de S. Paulo, dando occasião á accumulação de documentos
officiaes em seu archivo, nenhum é tão rico em dados historicos como a secular
questão de limites entre S. Paulo e Minas Geraes. Na correspondência trocada entre o governo de
São Paulo e os de Minas Geraes, Rio de Janeiro e Lisboa e com as diversas
auctoridades locaes relativamente a esta questão, acham-se documentados innumeros
factos historicos referentes ao povoamento e desenvolvimento da vasta região
interessada ao sul do Rio Grande - factos que, a não existir esta contenda,
jamais teriam sido registrados. Em outras regiões dos dois Estados os
primórdios da occupação e desbravamente do vasto sertão pela descoberta de
novas minas, a abertura de novas estradas, a fundação de novos centros de
população, e outros factos mais, acham-se envolvidos em muita obscuridade,
apenas conservados por tradições de authenticidade duvidosa, ou registrados em
archivos locaes, já em grande parte destruidos. E regra geral póde-se dizer,
mesmo em relação á actualidade, que mui retardadas e incompletas chegam aos
centros administrativos as notícias do interessante movimento da guarda
avançada da população, estando esta, muitas vezes, mais affeita a esquivar-se á
attenção do Governo do que a chama-la sobre si. E quando aconteça que desde o
princípio recaia sobre ella a attenção do Governo, esta como que manifesta-se
por actos de mero expediente que, registrados, o são de modo que facilmente
escapam ás pesquizas do historiador.
No
caso, porém, de ser o territorio novo situado entre dois pretendentes que
disputam a sua posse, mantendo cada um nas suas raias postos fiscaes e de
vigilancia, qualquer movimento de avanço de um ou de outro lado torna-se logo
um objecto de reparo, senão uma grave questão de Estado; e assim fica, muitas
vezes, mais completamente registrada a sua historia primitiva do que a
subsequente. É este o caso da região disputada entre São Paulo e Minas Gerais. Os
documentos desta contenda são aqui apresentados, não somente como uma
contribuição para a historia da questão de limites em si, mas tambem para a
historia das localidades e para do desenvolvimento geographico de uma parte do territorio
nacional tão importante que a sua elevação á categoria de Estado independente
tem sido muitas vezes lembrada.
Sobre a
questão ainda pendente dos limites dos estados de São Paulo e Minas Geraes já
appareceram duas collecções de documentos: uma, feita em 1812 pelo então
secretario da Capitania, Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, e
impressa por ordem da Assembléa Provincial, em 1846. e outra, reunida por mão
desconhecida e impressa, em 1894. na serie de documentos interessantes para a
historia de S. Paulo que está sendo publicada pelo Archivo do Estado.
Tendo tido occasião (por necessidade
dos trabalhos cartographicos da Commissão Geographica e Geologica de São Paulo
a meu cargo) de verificar que as duas referidas collecções encerravam apenas
uma pequena parte dos documentos existentes, acceitei o convite do digno
director do Archivo do Estado, Dr. Antonio de Toledo Piza para collecionar e
coordenar tudo que fosse possível encontrar referente a este assumpto. Cabe-me
o grato dever de agradecer ao dito director e ao pessoal do Archivo a seu cargo
o efficaz auxilio que me prestaram na execução desta tarefa, a qual, na sua
parte material, é quasi exclusivamente obra do amanuense da Comissão
Geographica e Geologica, Dr. Melchiades da Boa Morte Trigueiro, que com
admiravel paciencia e perspicacia conseguiu decifrar quasi por inteiro diversos
documentos que, á primeira vista, pareciam totalmente perdidos pela acção
destruidora do tempo. Alguns documentos que faltavam no Arqchivo do Estado foram
obtidos, por copia, da Bibliotheca Nacional, Instituto Histórico, Archivo
Público, Archivo Militar e Archivo do Congresso Federal do Rio de Janeiro,
graças á gentileza dos directores deste estabelecimento e aos patrioticos
eforços do digno paulista, Barão Homem de Mello. Alguns documentos, que foram
encontrados muito tarde para se incluirem no logar competente, acham-se
reunidos no appendice.
Tanto quanto se póde julgar pelas
pesquizas feitas, a presente collecção inclue tudo quanto se podia esperar encontrar
nos arquivos públicos de São Paulo e Rio de Janeiro, relativo a esse assumpto.
Alguns documentos, outro'ora existentes nestes archivos, ou desapareceram pela
acção do tempo ou extraviaram-se nas mãos de algum colleccionador de papéis
velhos; felizmente, porém, parece que estes nem são em grande número nem de
grande importancia. Muitas das lacunas patentes da presente collecção poderão
provavelmente ser suppridas pelo Archivo do Estado de Minas Geraes, que, de
mais a mais, deve possuir muitos outros documentos de grande interesse para a
historia local e para a elucidação completa da questão de limites. É muito para
desejar que taes documentos vejam algum dia a luz da publicidade.
Em vista da grande e inesperada
massa de documentos aqui apresentadas pareceu-me conveniente precede-los de um
ligeiro commentario que de algum modo resuma a historia nelles contida e sirva
de apontar aquelles que, no acto de coordena-los, me pareceram de maior
interesse e importancia.
S. Paulo, 24 de Dezembro de 1896.
Orville A. Derby
INTRODUÇÃO
Na occasião da creação de um governo independente na
Capitania de São Paulo com a nomeação, em 1709, do primeiro Governador e
Capitão General, Antonio de Albuquerque Coelho (pág. 3), a população fóra do
litoral e do districto que forma o actual Estado do Paraná, achava-se
concentrada nas vizinhanças da Capital e das villas de Sorocaba, Itú, Jundiahy
e Mogy das Cruzes, no valle do Tieté e ao longo do Parahyba até Guaratinguetá.
As diversas incursões dos bandeirantes no interior do paiz não tinham produzido
estabelecimentos nem vias de communicação permanentes, salvo na região que foi
depois destacada para formar a Capitania de Minas Gerais. Os centros de
população ácia mencionados eram ligados por estradas que communicavam com o
litoral por uma estrada de São Paulo a Santos e outra de Taubaté a Paraty.
Poucos annos antes desta epocha a descoberta do ouro nas cabeceiras de diversos
dos affluentes do Rio Grande, Doce, e São Francisco tinha creado vários centros
de população no interior, que já rivalisavam com os da antiga Capitania dos
dontarios e que eram ligados com o da referida rede de viação por uma estrada
que entre Guaratinguetá e São João d'Elrei atravessava um sertão bruto com
apenas um ou outro morador estabelecido em pontos favoraveis para negociar com
os viandantes.
O precioso roteiro que vem estampado na obra de Antonil
intitulada <<Cultura e Opulencia do Brazil>>, publicada em Lisboa
em 1711, dá um quadro muito exacto e graphico das condiçoes desta estrada nesta
epocha (uns dez ou doze annos apenas depois da sua abertura), merecendo ser
reproduzido por extenso.
[XXXVI]
<< Roteiro do
Caminho de S. Paulo para as Minas Geraes, e para o Rio das Velhas>>.
<<Gastão commumente as paulsitas desde a villa de
S. Paulo até Minas Geraes dos Cataguás pelo menos, dons mezes; poruqe não
marchão de sol a sol, mas até o meio dia; e quando muito até huma, ou duas
horas da tarde: assim para se arrancharem, como para terem tempo de descançar,
e de buscar alguma caça, ou peixe, onde o ha, mel de páo, e outro qualquer
mantimento. E desta sorte aturão com tão grande trabalho.
<<O roteiro do seu caminho desde a villa de S.
Paulo até a Serra do Itatiaya, onde se divide em dous; hum para as minas do
Caité, ou Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo, e do Ouro Preto; e outro para as
minas do Rio das Velhas; he o seguinte, em que se apontão os pousos, e paragens
do dito caminho, com as distancias que tem, e os dias que pouco mais ou menos
se gastão de huma estalagem para outra, em que os ministros pousão, e se he
necessario descanção, e se refasem do que hão mister, e hoje se achão em taes
paragens.
<<No primeiro dia sahindo da villa de S. Paulo vão
ordinariamente pousar em Nossa Senhora da Penha, por ser (como elles dizem) o
primeiro arranco de casa : e não são mais que duas legoas.
<<Dahi vão á aldêa de Tacuaquisetuba. caminho de
hum dia.
<<Gastão da dita aldêa até a vila de Mogi, dous
dias.
<<De Mogi vão as Larangeiras, caminhando quatro ou
cinco dias até o jantar.
<<Das Larangeiras até a villa de Jacarey, hum dia
até as tres horas.
<<De Jacarey até a villa de Taubaté dois dias até o
jantar.
<<De Taubaté a Pindamonhangaba, freguezia de Nossa
Senhora da Conceição, dia e meio.
<<De Pindamonhangaba até a villa de Guiratinguetá
cinco ou seis dias até o jantar.
<<De Guiratinguetá até o porto de Guaipacare, onde
ficão as roças de Bento Rodrigues, dous dias até o jantar.
[XXXVII] <<Destas roças até o pé da serra afamada
de Amantiquira, pelas cinco serras muito altas, [1] que parecem os primeiros morros,
que o ouro tem no caminho, para que não cheguem lá os mineiros, gastão-se tres
dias até o jantar.
<<Daqui começão a passar o ribeiro, que chamão
passa vinte, porque vinte vezes se passa; e se sobe as serras sobreditas: para
passar as quaes, se descarregão as cavalgaduras, pelos grandes riscos dos
despinhadeiros, que se encontrão: e assim gastão dous dias em passar com grande
difficuldade estas serras; e dahi se descobrem muitas, e aprasiveis arvores de
pinhões, que a seu tempo dão abundancia delles para o sustento dos mineiros,
como tambem porcos montezes, araras e papagaios.
<<Logo passando outro ribeiro, que chamão passa
trinta, porque trinta e mais vezes se passa, se vai aos pinheiros: lugar assim
chamado, por ser o principio delles, e aqui ha roças de milho, aboboras, e
feijão, que são as lavouras feitas pelos descobridores das minas, e por outros,
que por ahí querem voltar. E só disto constão aquellas, e outras roças nos
caminhos, e paragens das minas: e quando muito, tem de mais algumas batatas.
Porém em algumas dellas hoje, achão-se, criação de porcos domesticos, galinhas,
e frangões, que vendem por alto preço aos passageiros, levantando-o tanto mais,
quanto he maior a necessidade dos que passão. E dahi vem o dizerem, que todo o
que passou a serra da Amantiquira, ahi deixou dependurada, ou sepultada a
consciencia.
<<Dos Pinheiros se vai á estalagem do Rio Verde, em
oito dias, pouco mais, ou menos, até o jantar, e esta estalagem tem muitas
roças, e venda de cousas comestiveis, sem lhe faltar o regalo de doces.
<<Dahi caminhando tres, ou quatro dias pouco mais,
ou menos até o jantar, se dá na afamada Boa Vista; a quem bem se deu este nome,
pelo que se descobre daquelle monte, que parece hum mundo novo, muito alegre:
tudo campo bem estendido, e todo regado de ribeirões, huns maiores que outros,
e todos com seu mato, que vai fazendo sombra, com muito [XXXVIII] palmito, que
se come, e mel de páo, medicinal, e gostoso. Tem este campo seus altos e
baixos; porém moderados: e por elle se caminha com alegria; porque tem os olhos
que ver e contemplar na prespectiva do Monte Caxambú, que se levanta as nuvens
com admiravel altura.
<<Da Boa Vista se vai á estalagem chamada Ubay,
onde também ha roças, e serão oito dias de caminho moderado até o jantar.
<<Do Ubay, em tres ou quatro dias vão ao Ingay.
<<Do Ingay, em quatro ou cinco dias se vai ao Rio
Grande; o qual quando está cheio, causa medo pela violencia com que corre, mas
tem muito peixe, e porto com canoas, e quem quer passar, paga tres vintens, e
tem perto suas roças.
<<Do Rio Grande se vai em cinco dias, ao Rio das
Mortes, assim chamado pelas que nelle se fizerão: e esta he a principal
estalagem aonde os passageiros se refazem, por chegarem já muito faltos de
mantimentos. E neste rio, é nos ribeiros e corregos, que nelle dão, ha muito
ouro, e muito se tem tirado e tira: e o lugar he muito alegre, e capaz de se
fazer nelle morada estavel, s enão fosse tão longe do mar.
<<Desta estalagem vão em seis, ou oito dias ás
plantações de Garcia Rodrigues.
<<E daqui, em dous dias chegão á Serra de Itatiaja.
<<Desta serra seguem-se dous caminhos: hum que vai
a dar nas Minas Gerais do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo, e do Ouro Preto;
e outro, que vai a dar nas minas do Rio das Velhas: cada hum delles de seis dias
de viagem. E desta serra tambem começão as roçarias de milho e feijão a
perder-se de vista, donde se provém os que assistem, e lavrão nas
minhas>>.
Pela mesma obra se sabe que a outra entrada para Minas
Geraes (do Rio de Janeiro via o valle
do Parahybuna, isto é, estrada de Barbacena) era nova naquelle tempo e que
quando, em 1698, o Governador Arthur de Sá e Menezes visitou as minas, teve de
vir por Paraty e Taubaté alcançar a estrada paulista.
Foi nesta unica vai de communicação para a Camara de Guaratinguetá
estabeleceu em 1714 a divisão com a comarca do Rio das Mortes fincando um marco
de pedra no morro do Caxambú (p. 5) cerca de meia distancia entre as duas
villas. [XXXIX] Quando seis annos depois foi creada a nova Capitania de Minas
Geraes por Alvará de 2 de Dezembro de 1720 (p. 6), esta mesma divisão foi
designada para separar os dous governos. A grande inconveniencia de ser esta
divisão indicada no terreno por um unico ponto e não por uma linha, que aliás
era impossivel evitar nas condições da epocha estando desconhecidos os terrenos
a cada lado da estrada, havia necessariamente de levantar conflictos logo que
se começassem a desbravar. O vasto derritorio deseto que ficava a oéste.
O primeiro destes conflictos versou sobre a posição do
proprio marco. O Governador Antonio da Silva Caldeira Pimentel que tomou posse
do governo de São Paulo em 1727 apresentou ao Governo, como se vê da Provisão
Regia de 23 de Fevereiro de 1731 (p.7), pedindo que a divisa fosse estabelecida
com Caxabú ou Boa Vista. Dahi parece que o marco tinha sido mudado, facto este
de que não se encontra agora notícias contemporanea alguma. Apenas o Governador
D. Luiz Mascarenhas disse em 1743 (p. 18) que a Camara do Rio das Mortes tinha
mudado furtivamente os marcos, e D. Luiz Antonio de Sousa disse em 1765 (p.
234) que os moradores da mesma comarca quebraram violentamente o marco do morro
de Caxambú e foram pôr outro no alto da Serra da Mantiqueira.
Na ausencia de documentos authenticos contemporaneos
sobre este facto, pode-se presumir que o que realmente aconteceu foi que,
conforme o costume do tempo, a Camara do Rio das Mortes foi collocar um marco e
lavrar um auto onde bem lhe parecia, dispensando o concurso e consentimento da
Camara vizinha como o seu proprio tinha sido dispensado no auto de 1714 (p. 5).
Seja isto como for, o certo é que já em 1731 a divisa não era mais no morro do
Caxambú, porém em algum ponto intermediario entre aquelle morro e
Guaratinguetá, provavelmente no alto da Serra da Mantiqueira na garganta do
Cruzeiro onde hoje passa a estrada de ferro Rio e Minas. [2] A distancia mencionada na
Provisão Regia de cinco [XL] ou seis leguas de Guaratinguetá combina com esta
hypothese e, como não há outra noticia de marcos nesta paragem, é provavel que
seja este o marco que depois de 1749 se tornou celebre.[3]
A referida Provisão Regia dá uma solução muito correcta
(quasi a unica nesta longa contenda que, conforme as idéas modernas de direito,
possa ser assis caracterisada) ordenando aos Governadores das duas Capitanias
que ajustem os limites, indicando apenas que a divisa deve ser proximamente á
meia distancia entre as duas villas e de preferencia por algum rio ou serra.
Para a sua execução o Governador de São Paulo, Conde de Sarzedas, dirigiu em
1733 (p.8) um convite para tratar do assumpto ao de Minas Geraes, Conde das Galveas.
Nada consta da resposta que obteve e parece que nada se fez; porque em 1743 D.
Luiz Mascarenhas falla das questão da divisa pelo Caxambu como ainda aberta (p.
18). Parece mesmo que não se ligava grande importancia a este ponto visto que
defendsor tão extremado dos direitos paulistas, como era D. Luiz Mascarenhas,
achava que ali bastava um simples protesto, ao passo que em outros pontos
estava disposto a recorrer, sendo preciso, á força das armas.
Neste tempo a unica cousa que dava valor aos territorios
novos, dando motivo á sua occupação e povoamento, eram os descobertos de ouro.
Já em 1735 alguns aventureiros tinham penetrado no sertão a oéste da estrada de
São João d'Elrei e descoberto ouro no districto da Campanha do Rio Verde, sendo
as minas repartidas pelo Ouvidor da Comarca do [XLI] Rio das Mortes, Cypriano
José da Rosa (p. 52), [4]e até 1743 estavam fundados
os arraiaes de Santo Antonio (a actual cidade de Campanha), S. Gonçalo e Santa
Catharina.
[XLII] D. Luiz Mascarenhas, entendendo que este districto
pertencia a São Paulo, nomeou um guarda-mór das minas. Em oposição a isto, a
Camara de São João d’Elrei foi em fins de Fevereiro de 1743 com todas as
formalidades tomar posse dos ditos arraiaes e das margens do Rio Sapucahy (pp.
10-16) declarando que a dita posse se estendia até o alto da Serra da
Mantiqueira e até o rio Sapucahy. Conforme a narrativa de Ignacio Alves Pimenta
(p.52), escripta em 1755, o guarda-mór posto por D. Luiz Mascarenhas,
Bartholomeu Correya bueno, foi nesta ocasião intimado a sahir no prazo de duas
horas e que assim o fez, retirando-se para o outro lado do rio Sapucahy. De
outro documento posterior (p. 50) consta que os actos possessórios tiveram
logar sobre um giráo erigido n’um rochedo no meio do rio, provavelmente para
indicar que o limite pretendido era o fio da corrente e não a margem direita
somente.
Informado destes factos (pp. 16, 17), D. Luiz Mascarenhas
ordenou a restituição do guarda-mór Bartholomeu Bueno. Dos documentos á mão
nada mais consta do que houve nesta questão. Por uma carta que não tem sido
conservada, dirigida á Camara de São João d’Elrei. [5] D. Luiz Mascarenhas parece
ter aceito, sob protesto, a situação creada pela posse mineira esperando a
resolução do Governo que veio na Provisão Regia de 30 de Abril de 1747 (p. 19)
expedida em resposta ás representações de Gomes Freire de Andrade que então
governava a Capitania de Minas Geraes conjunctamente com a do Rio de Janeiro[6].
[XLIII] O termos desta Provisão, se conformando com a
insinuação de Gomes Freire de Andrade sobre o limite de <<toda que está
desta parte do Rio Sapucahy>>, estabelecem a divsa pelo alto da Serra da
Mantiqueira até encontrar as cabeceiras do Rio Sapucahy, e por este rio abaixo.
A divisa assim feita pelo poder competente e traçada por feições topográficas
facilmente reconhecíveis teve execução imediata, sem constestação de qualquer
das partes interessadas, reunidos assim distinctivos que a torna singular entre
os actos officiaes desta secular pendencia.
Ante, porém, de estar conhecida no Brazil (ou mesmo
tomada em Lisboa) a resolução de 30 de Abril de 1747 que terminava para sempre
a contenda a respeito do território á direita do Sapucahy [7] levantou-se uma outra que
até hoje não tem tido cabal solução. Conforme já referido, consta que Bartholomeu
Bueno, expulso do districto de Campanha em 1743, refugiou-se a oéste do
Sapucahy. Esta região começou então a ser explorada e algum tempo depois
descobriu-se ouro. Conforme a narrativa já citada (p. 52) a primeira
communicação do descuberto foi feita ao guarda-mór da Campanha, por ser este a
autoridade mais próxima, que fez a repartição creando assim uma espécie de
titulo de prioridade de posse embora fora do limite escolhido e marcado tão
pouco [XLIV] tempo antes pela Camara de São João d’Elrei. Em princípios de 1746
Francisco Martins Lustoza [8] descobriu outras minas e
entendeu fazer a participação do Governo de São Paulo. D. Luiz Mascarenhas
providenciou promptamente (pp. 21, 23) nomeado Lustoza guarda-mór do districto,
que tomou o nome de Santa Anna do Sapucahy, e mandando annexa-lo á Villa de
Mogy das Cruzes por ser a mais próxima. [9]. O novo guarda-mór
mostrou-se tão enérgico em executar como era o Governador em mandar. Conforme a
narrativa já citada (p. 52) teve de repellir duas tentativas de posse por parte
da Camara de São João d’Elrei, das quaes uma tomou as proporções de um assalto
naval com uma flotilha de canoas especialmente construídas para este fim.
Outras notícias de testemunhas oculares (p. 391) dão Lustoza com uma força
armada de 200 homens. [10]
Esta contenda que ia tomando proporções sérias foi
pacificada, sem ser resolvida definitivamente, pela Provisão Regia de 9 de Maio
de 1748 (p. 41) que, entre outras providencias, chama D. Luiz Mascarenhas par
ao reino, destacava da Capitania de São Paulo as novas de Goyaz e Matto Grosso
e subordinava o Governo da parte restante ao do Rio de Janeiro, e ao mesmo
tempo ordenava a Gomes Freire de Andrade, que ficava encarregado
provisoriamente do Governo das três [XLV] Capitanias (do Rio de Janeiro, Minas
Geraes e São Paulo), que estabelecesse os limites do São Paulo e Minas Geraes
<<pelo Rio Grande e pelo Rio Sapucahy ou por onde vos parecer.>>
Foi esta clausula facultativa que transformou o que devia
ter sido a resolução definitiva da questão em instrumento causador de maiores
duvidas e conflictos. Valendo-se desta clausula, Gomes Freire de Andrade,
provavelmente com as melhores intenções, [11] em logar de decretar a
divisa indicada pela Provisão Regia pelos rios Sapucahy e Grande, que não
exigia operação geodésica alguma para ser traçada e marcada, imaginou uma outra
pelo alto das montanhas.
Esta idéa parece ter sido baseada sobre a supposição
errônea, mas perfeitamente natural (para o conhecimento incompleto da epocha
acerca das feições topographicas da região), de que as montanhas na divisa das
aguas entre a bacia do alto Rio Grande e as bacias paulistas do Tieté e
Mogyguassú formava uma cordilheira continua como a Mantiqueira e ligada a esta.
O informante e conselheiro de Gomes Freire de Andrade neste negocio, Pedro Dias
Paes Lemos, declarou na reunião da Junta de 12 de Outubro de 1765 que tinha
indicado a divisão pelos limites da bacia do Sapucahy, e é de presumir [XLVI]
que a intenção da Instrucção para a demarcação (III, 27 em parte p. 43) era
seguir esta indicação. Sendo assim, o plano da demarcação era perfeitamente
justificável, pelo menos para os que entendem (e são muitos) que uma fronteira
montanhosa é preferível a uma fluvial.
A dificuldade nesta interpretação da Instrucção de Gomes
Freire vem da referencia á Serra de Mogyguassú por não se achar nos limites da
bacia do Sapucahy. É preciso, porém, lembrar que em 1749 a região a oeste do
Sapucahy, tanto em Minas como em São Paulo, era quasi uma terra incognita,
conforme a declaração do proprio Pedro Dias Paes Lemes. O caminho que vinha de
São João d'Elrei para Campanha para Santa Anna do Sapucahy tinha sido,
provavelmente, prolongada atravez da divisa de aguas pelo valle do Jaguary para
Atibaia e São Paulo. Um outro ia de Santa Anna para Ouro Fino nas cabeceiras do
Mogyguassú, porém era um beco sem sahida; e só mais tarde é que foi prolongada
até encontrar a estrada de Goyas e Mogyguassú e para o norte por Caldas, Cabo
Verde e Jacuhy (que ainda não existiam) até o Rio Grande. Em São Paulo o
conhecimento do sertão adiante de Jundiahy era limitado á unica linha da
estrada de Goyaz passando por Campinas, Casa Branca, Cajuru [12] etc. para passar o Rio
Grande no porto conhecido hoje pelo nome de Porto da Espinha ou nas suas
immediações. [13]
Nestas [XVLII] condições é certo que a serra denominada <<de
Mogyguassú>> só era conhecida de longe, provavelmente por visadas da
estrada de Goyaz.
Outra
duvida a respeito da verdadeira intenção da Instrucção de Gomes Freire de
Andrade nasceu da questão da identidade da Serra do Mogyguassú. A junta de 12
de Outubro, provavelmente por informação de Pedro Dias Paes Leme, declaro que a
tal serra não existe, e o Conde de Cunha aventura a hypothese (p.224) de que a
referencia era á Serra de Dumbá, nome este que só se encontra nos mappas de
Minas de 1765 e 1767 nas vizinhanças de Jacuhy. Os mappas antigos de São Paulo
não dão a serra de Mogyguassú. Os de Minas de 1767, 1777, 1804 e 1808 iguram
uma serra ao norte do Rio Mogyguassu na posição da Serra de Poços de Caldas sem
denominação nos mappas de 1767 e 1804, porém com a de Mogyguassú no de 1777, e
da Serra de Mogy no de 1808. Este facto e o de ser a Serra dos Poços de Caldas,
ou do Caracol, a mais importante que se avista da antiga estrada de Goyaz nas
vizinhanças de Mogyguassú justifica a identificação da Serra de Mogyguassú de
Gomes Freire de Andrade com o macisso que com varios nomes de Serra de Caldas,
Caracol e Poços de Caldas já entre os rios Mogyguassú e Pardo, e portanto
inteiramente fóra da bacia do Sapucahy.
Com
esta identificação a Instrucção de Gomes Freire de Andrade torna-se de
impossível execução, como teria sido logo reconhecido se dua ordem para o
levantamento da linha divisória á bussola (agulhão) tivesse sido seguida. Para
do marco antigo da Serra da Mantiqueria tirar <<uma linha pelo cumo da
mesma sera, seguindo toda até topar com a Serra de Mogyguassú>> seria
preciso deixar a Serra da Mantiqueira para seguir a divisa entre o Sapucahy e o
Jaguary, Camandocaia e Mogyguassú para depois tomar o espigão entre os rios
Mogyguassú e Pardo. Chegando ahi, seria impossível alcançar o Rio Grande
seguindo <<até findar nos que lhe seguirem fazendo-se sempre pelo cume
della a divisão até topar no Rio Grande>>; porque a linha teria
forçosamente de atravessar a grande depressão do valle do Rio Pardo. O auctor
do mappa de Minas de 1808 procurou sahir deste dilemma traçando a linha pelo
espigão entre o Pardo e Mogyguassú, inciciando [XLVIII] o assim em Minas os
districtos de Batataes, Franca etc, representando (como fazem todos os mappas
antigos) o Rio Pardo como rio independente desaguando directamente no Rio
Grande em logar de unir-se com o Mogyguassú.
A
execução do plano de demarcação concebido por Gomes Freire Andrade foi confiado
ao Dr. Thomaz Rubim de Barros, Barretos, Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes e
presumivelmente participante nos conflictos de 1746-48 visto que o seu modo de
executar a commissão indica maior empenho em liquidar contas antigas com o
guarda-mór Lustoza do que observar rigorosamente as ordens recebidas. Armado
com a ordem de 27 de Maio de 1749 e acompanhado por seu escrivão e, no dizer do
informante de 1765, por 60 homens armados, elle se apresentou, não no marco do
alto da Serra da Mantiqueira, mas no arraial de Santa Anna do Sapucahy. O
guarda-mor Lustoza o recebeu em termos que provocaram as iras do Governador (p.
39), recusando, diz o informante paulista, os offerecimentos de conciliação e
de vantagens que lhe foram feitos; porém a final retirou-se pacificamente com
os seus adherentes deixando o campo livre para o processo instantaneo de
demarcação que se acha registrado no auto de 19 de Setembro de 1749 (p. 43). [14]
Por
este documento a divisa devia seguir do marco no alto da Serra da Mantiqueira
pelo cumo da mesma serra, até [XLIX] o morro do Lopo, morro este situado não no
tronco principal da Mantiqueira, porém n'um esporão entre os rios Jaguary e
Atibaia e sómente conhecido do demarcador por informações colhidas em Santa Anna
do Sapucahy. Para sahir dahi foi necessario abandonar inteiramente as
instrucções de Gomes Freire de Andrade e a sua <<Serra de
Mogyguassú,>> e lá foi lançada a phrase <<até chegar ao Rio Grande
accompanhando por um lado a estrada que vai de São Paulo para Goyazes>>
susceptível de interpretações mil vezes mais diversas e desencontradas do que
as que, no tempo moderno, se dão ás delimitações elásticas das zonas
privilegiadas das estradas de ferro.
Dos
documentos archivados em São Paulo nada consta claramente de como Gomes Freire
de Andrade considerava os actos do seu agente. [15] A carta que escreveu ao
Governador de Santos (p. 49) exprime apenas o amor proprio offendido pela
resistencia oposta por Lustoza á sua auctoridade, e dá a entender que o Dr.
Thomaz Rubim dava conta mais minuciosa deste facto do que do modo pelo qual
executou a sua comissão. Ao que parece, elle nunca se informou cabalmente do
facto de haver a demarcação sido feita de modo inteiramente diverso do que elle
tinha projectado e ordenado. Isto se conclue (como bem notou em 1771 (p.297) D.
Luiz Antonio de Sousa) do facto de, conforme elle proprio declara na carta de
sesmaria de Claudio Furquim de Almeida (p. 55) ,mandar ouvir a Camara de São
Paulo e o Provedor de Santos sobre uma propriedade que, pela própria descripção
da carta de sesmaria, se acha situada para o lado mineiro do morro do Lopo. [16]
[L]
Estando acephalo o governo da Capitania de São Paulo, tanto no temporal como no
ecclesiastico, não houve protesto immediato contra esta demarcação. Pela carta
do Bispo de Marianna (p. 190) vê-se que antes 1759 o Bispo de São Paulo, tanto
no temporal como no ecclesiastico, não houve protesto immediato contra esta
demarcação. Pela carta do Bispo de Marianna (p. 190) vê-se que antes de 1759 o
Bispo de São Paulo tinha reclamado a posse das igrejas a oéste do Sapucahy,
sendo porém que a reclamação era baseada sobre a Bulla estabelecendo os limites
do bispado, e não na appreciação da demarcação civil na qual o auctor da carta
se apoia para contesta-la. Pelo lado do temporal a contestação teve de esperar
a restauração da Capitania de São Paulo em 1765 quando começou a extensa
correspondencia do Governador D. Luiz Antonio de Sousa com a côrte de Lisboa,
com o Vice-rei e com o Governador de Minas Geraes, que é um continuo e energico
protesto contra a demarcação de Thomaz Rubim.
Continuando
Gomes Freire de Andrade, ou Conde de Bobadella, a governar as tres Capitanias
até a sua morte em 1763, houve durante este longo intervallo treguas na questão
de limites, a qual rebentou do novo na administração dos seus sucessores. No
emtanto o sertão deserto intermediario entre as partes povoadas das duas
Capitanias ia-se descobrindo e povoando, em parte pelos esforços dos
exploradores de novas minas de ouros, em parte pelos das expedições militares
para a extincção dos quilombos de escravos fugidos e criminosos que nelle se
refugiaram.
Pelo
lado mineiro as explorações em busca de ouro parece terem partido de Santa Anna
do Sapucahy e Ouro Fino, e terem sido dirigidas principalmente por Verissimo
João de Carvalho, Intendente de Santa Anna, nomeado por D. Luiz Mascarenhas,
que continuou no mesmo posto na administração mineira, passando depois a ser
guarda-mór. Este penetrou no sertão para o norte até Cabo Verde, pelo menos onde
descobriu ouro e fundou um arraial que ainda hoje conserva o mesmo nome. Pelo
mappa de Minas de 1767 parece que Verissimo João de Carvalho estava
estabelecido n'uma fazenda entre Ouro Fino e Cabo Verde, mais ou menos na
posição da actual cidade de Caldas. [17]. Mais ao norte Pedro
Franco [LI] Quaresma, que parece ter estado antes em Goyaz (p. 71) com uma
commissão do Governador de Santos e Ouvidor de São Paulo para descobrir minas e
destruir quilombos, explorou o districto ao sul do Rio Grande entre a estrada
de Goyaz e a barra do Sapucahy, onde 1775 descobriu ouro em varios logares,
sendo tomada posse neste mesmo anno por parte da Camara de Jundiahy e do
Bispado de São Paulo (pp. 63 e 64). Continuando as descobertas, foram feitos
outros autos de posse em 1761 e 1762 (pp. 66 - 70) até a barra do Sapucahy,
ficando o districto com o nome de Desemboque. [18] Pelo lado da Serra da
Mantiqueira também os moradores do valle do Parahyba tinham penetrado e,
descobrindo ouro nas cabeceiras do Sapucahy tinham penetrado e, descobrindo
ouro nas cabeceiras do Sapucahy, tinham estabelecido o arraial de Itajubá (hoje
Itajubá Velho ou Soledade de Itajubá).
Ao
norte do Rio Grande houve em 1759, pela parte da Capitania de Minas, expedições
para extinguir quilombos na região a oéste do São Francisco nas serras da
Canastra e Marcela e no districto de Campo Grande entre os rios Sapucahy e
Grande [19] (pp. 60-62).
[LII] Depois da morte do Conde de Bobadella a capital do
Vice-reinado foi mudada para o Rio de Janeiro, vindo o Conde de Cunha em 1763
governar a colonia e especialmente as Capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo.
No mesmo anno veio governador a Capitania de Minas Geraes Luiz Diogo Lobo da
Silva, achando a sua população bastante descontente com o pezado imposto das
cem arrobas de ouro com que se tinha compromettido contribuir annualmente em
substituição aos quintos reaes. Este Governador mostrou-se na sua
correspondencia verdadeiramente condoido da dura sorte dos seus governados, o
que está de accordo com o caracter que lhe attribuem as chronicas mineiras
dando-lhe o título de <<Pae dos pobres.>> Não podendo reduzir o
peso do imposto directamente, parece que procurou faze-lo indirectamente
alargando a área contribuinte. Tendo obtido do Vice-rei uma ordem para o
Ouvidor de São Paulo de abster-se de actos de jurisdicção no districto de Campo
Grande (p. 58), que o conde de Cunha entendeu ser limitado ao território entre
os rios Sapucahy e Grande (p. 225), mas que Luiz Diogo interpretou como tendo
extensão muito mais lata, este sahiu de São João d'El-rei em Setembro de 1764
para <<dar um giro pelos confins da mesma comarca>> (de São João
d'El-rei).
Passando
o Rio Grande na barra do Sapucahy, Luiz Diogo chegou a Jacuhy, onde tomou passe
(violentamente - dizem as testemunhas do Summario de 1789) e publicou um Bando
e Instrucções em que declarava que tinha reconhecido que a divisa pela
demarcação de Thomaz Rubim terminava no Rio Grande no logar chamado Desemboque,
que parece ser um posto no Rio Grande logo abaixo da barra do rio São João de Jacuhy.
Depois passou por Cabo Verde, Ouro Fino, Camandocaia (hoje cidade de Jaguary),
Capivary, Itajubá, etc. estabelecendo registros em Jacuhy, Cabo Verde, Ouro
Fino, Rio Jaguary perto de Comandocaia e Itajubá. [20] Dos logares mencionados,
[LIII] Jacuhy, Itajubá e provavelmente Comandocaia estavam na posse dos
Paulistas no civil, Cabo Verde no ecclesiastico sómente. Por estes actos de
Luiz Diogo a posse effectiva dos Mineiros, que tinham ficado nas immediaçães de
Santa Anna do Sapucahy, Ouro Fino e Cabo Verde (com registro no Rio Mandú perto
da actual cidade de Pouso Alegre) avançou proximamente até a linha imaginada
por Thomaz Rubim pelo alto da Serra da Mantiqueira até o morro do Lopo, e dahi
<<acompanhando por um lado a estrada de Goyaz>> até o Rio Grande.
No emtanto, e antes desta excursão de Luiz Diogo, o Conde
de Cunha tinha representado ao Governo de Lisboa a conveniencia de
reestabelecer a antiga Capitania de São Paulo, sendo um dos motivos a
necessidade de providencias na região de Jacuhy [21]; e em consequencia foi
nomeado em Janeiro D. Luiz Antonio de Sousa Botelho Mourão Governador de São
Paulo. Não se tendo encontrado a Carta Patente deste Governador, só se sabe das
intençoes do Governo, a respeito de limites, pelas affirmações repetidas de D.
Luiz Antonio na sua correspondencia, que eram restaurar a Capitania ao seu
antigo estado e jurisdicção, o que aliás está de completo accordo com os termos
do Avizo Regio de 4 de Fevereiro de 1765 dirigido ao Vice-rei [22] communicando a nomeação
do Governador e ao mesmo tempo ordenando um novo ajuste dos limites.
[LIV] Chegando a Santos, em Julho de 1765, D. Luiz
Antonio achou a situação, creada pela demarcação de Thomaz Rubim e deixada pelo
Conde de Bobadella, profundamente modificada pelos recentes actos do Governador
Luiz Diogo em Minas, e ainda aggravada por um novo conflicto levantado no
territorio do Rio Pardo. Começou logo uma longa serie de correspondencia com o
governo de Lisboa, com o Vice-rei e com o Governador de Minas, correspondencia
que durou todo o tempo da sua administração até 1775, e na qual protestava
energicamente contra a dmarcação de Thomaz Rubim
Esta mesma modificaição das condições cooperou para que
não se tornasse effectiva a demarcação de que foi encarregado o Vice-rei, Conde
de Cunha. Para a levar a effeito foi convocada, a 12 de Outubro de 1765, uma
junta composta das principaes auctoridades de Rio de Janeiro e das pessoas que
melhor conheciam a região em litigio, sendo para notar que entre estas havia
duas que occupavam postos officiaes em Minas, ao passo que não havia um só representante
nato de São Paulo[23]. A opinião unanime da junta, fundada n'uma
longa exposição de motivos (p. 215-221), era que a divisão se fizesse pelo alto
da Serra da Mantiqueira e pelo Sapucahy por seu braço principal
(Sapucahyguassú), sendo para notar que [LV] este ultimo detalhe era uma emenda
do Vice-rei á proposta da junta para dividir o terreno entre os dous braços do
Sapucahy.
Lavrado e assignado o assento da junta, o Conde de Cunha
achando que seria impolitica a sua promulgação como uma simples ordem propria
(ainda que para isso estivesse acutorisado), o remetteu immediatamente para
Lisboa pedindo a promulgação por Ordem Regia (p. 222).
O motivo apresentado foi o receio de uma revolta em Minas
contra o imposto das cem arrobas, servindo de pretexto a diminuição do
territorio contribuinte. Póde-se também suppôr que influiu no seu espírito um
escrupulo bem fundado em tomar sobre si a responsabilidade de um acto que seria
a reprovação de um acto do seu collega e quasi igual (posto que nominalmente
subordinado), o Governador de Minas. Ao Governador de São Paulo foi apenas
communicado (p. 257) que a solução da questão tinha sido submettida ao Governo,
e sómente em 1772 é que elle soube do Assento da junta. [24] O Governador de Minas
evidentemente foi mais bem informado, provavelmente em particular por algum
membro da junta, e talvez dirigisse a Lisboa protestos que influissem para a
não promulgação do acto.
Emquanto se esperava a solução definitiva commettida ao
Vice-rei pelo Aviso Regio de 4 de Fevereiro, manteve-se entre os dois
governadores uma correspondencia animada a respeito das minas do Rio Pardo
descobertas depois do <<giro>> de Luiz Diogo e pouco antes da
chegada de D. Luiz Antonio a São Paulo. Achavam-se situadas nos valles de
diversso tributarios que para o Rio Pardo descem do espigão entre Jacuhy e Cabo
Verde, no districto que desde aquelle tempo tem conservado o nome de Caconde. O
caminho de Luiz Diogo (conforme se vê no mappa annexo a este volume) da comarca
de São João d'El-Rei, tinha sido por alto do dito espigão, deixando fóra do
perimetro do seu giro a região das novas minas. Estas, porém, podiam ser
abrangidas pela linha elastica de Thomaz Rubim que do morro do Lopo ao Rio
Grande não tinha posição definida nem ponto algum fixo, e, como neste tempo os
Mineiros podiam ainda suppôr valida esta demarcação, Luiz Diogo tinha razão em
pugnar para [LVI] estabelecer ali a jurisdicção mineira. Por seu lado D. Luiz
Antonio em vista das instrucções que diz ter recebido para restaurar a
Capitania de Sao Paulo ao seu antigo estado e jurisdicção, e em vista da
impugnação bem motivada que os Paulistas oppuzeram á demarcação de Thomaz
Rubim, tinha egualmente razão em reclamar para São Paulo o districto em questão.
Com a prompta remessa de uma guarda armada, elle obteve a vantagem da posse
effectiva, que manteve, impedindo ao mesmo tempo as minas em conformidade com
as ordens do governo, enquanto submettia o seu acto á approvação do governo de
Lisboa.
No meio da discussão sobre as minas do Rio Pardo, o
Vice-rei, tendo submettido ao governo central o Assento de 12 de Outubro,
mandou a 12 de Dezembro de 1765 (p. 257) não alterar cousa alguma a respeito de
limites, isto é, manter o statu quo da occasião. Ao officio de D. Luiz Antonio,
neste sentido 9p. 278), Luiz Diogo respondeu reclamando a retirada da guarda
paulsita do Rio Pardo (p. 280). Logo depois veiu de Lisboa apporvação do
impedimento das minas do Rio Pardo (p. 283), e assim implicitamente da sua
posse por parte de São Paulo.
O convenio de statu quo proposto por D. Luiz Antonio a 10
de Fevereiro de 1766 (p. 278), e aceito por Luiz Diogo (com a reserva acima
mencionada que não se tornou effectiva) a 6 de Abril do mesmo anno (p. 280),
foi lealmente observado de parte á parte durante toda a administração deste
ultimo governador. As suas ordens dada ás aucotirdades locaes de não permittir
avançar um só palmo, não avançar de sua parte uma só pollegada (p. 370) foram
tão fielmente cumpridas que, em 1767, D. Luiz Antonio achou dispensavel a
guarda que até então tinha mantido no Rio Pardo (pp. 286, 289).
No emtanto tinha sido expedido ao governador de Minas o
Aviso Regio de 25 de Março de 1767 (p. 84) approvando os actos de que deu conta
no Assento de 26 de Novembro de 1764 (p. 77), isto é, os actos de jurisdicção
no territorio de que tomou posse no seu celebre <<giro>>. Este
Aviso Regio é da mesma natureza, pela forma e pelo fundo, que o já referido (p.
283) approvando actos do governador de São Paulo em territorio sujeito a
constestação. Tanto um como outro eram, com effeito, uma auctorisação para
manter provisioriamente a posse já estabelecida, emquanto o governo não
resolvesse definitivamente a questão de limites. D. Luiz Antonio, transmittindo
os Avisos Regios de 22 de Julho de 1776, não os [LVII] interpretou como
adjudicando definitivamente a São Paulo o territorio em litigio (p. 283). É
licito também presumir que Luiz Diogo dava a mesma significação e alcance de
posse provisoria ao Aviso de 25 de Março, visto que não achou necessidade
alguma de communica-lo ao seu collega de São Paulo que, salvo em termos geraes
e no foro de Lisboa, não lhe contestava um só palmo do territorio abringido
pelos termos do dito Aviso, bem que, sem conflicto no terreno, o reclamasse na
sua totalidade.
Vindo, em Julho de 1768, o Conde de Valladares,
substituir a Luiz Diogo no governo de Minas, a população inquieta e aventurosa
da fronteira começou a mover-se de novo na região do Rio Pardo, como que para
experimentar a mão e a disposição do novo governador. Quasi ao esmo tempo
surgiu uma nova questão conhecida pelo nome de <<do Jaguary>> e
devida á descoberta de ouro na região das cabeceiras do rio Comandocaia, nos
terrenos de um cidadão de São Paulo, de nome Simão de Toledo Piza, que, por qualquer
motivo, achou preferivel pertencer á Capitania de Minas (p. 103). O conde de
Valladares, que no princípio do seu governo tinha mantido o convenio do statu
quo do seu antecessor, ou não soube contêr as auctoridades locaes e o povo da
fronteira, ou (e esta era evidentemente a opinião de D. Luiz Antonio p. 304)
confirmada depois pelo testemunho do commandante de Jacuhy, (p. 181)
occultamente os animava. Seja isto como fôr, a zona da fronteira, de 1771 a
1773, ficava quasi em estado de guerra e foi só á força de muita actividade,
energia e prudencia que D. Luiz Antonio conseguiu mantêr a sua jurisdicção na
região do alto Comandocaia e ao norte do Rio Pardo. Para conseguir isso e para
contentar o povo paulista, elle teve de desempedir e repartir as minas. (p.
143) Do outro lado os Mineiros estiveram a ponto de perder o districto de
Jacuhy por uma revolta dos seus proprios habitantes capitaneados por duas das
acutoridades locaes. Esta revolta foi soffocada por um acto de arbitrariedade
do commandante do destacamento (pp. 181-184).[25]
[LVIII] No meio desta contenda o Vice-rei, Marquez do
Lavradio, communicou, a 24 de Outubro de 1772, aos dois governadores, o Assento
de 12 de Outubro de 1765 (p. 263), completando assim o que, nos termos do Aviso
de 4 de Fevereiro, faltava para dar effeito legal a este instrumento. De posse
deste documento, que lhe dava razão na longa luta de sete annos que tinha
sustentado, D. Luiz Antonio reclamava a 23 de Janeiro de 1773 (pp. 306, 247,
250) a entrega do territorio adjudicado a São Paulo pelo dito Assento. O Conde
de Valladares deixou a resposta por parte de Minas ao seu successor, Antonio
Carlos Furtado de Mendonça, a quem entregou o governo a 22 de Maio de 1773.
O novo governador apresentou dois motivos para não
attender, sem ordem expressa do governo central, ao pedido da entrega do
territorio além do Sapucahy (p. 311). O primeiro (que em vista das
circunstancias era perfeitamente justificavel) era que, tendo o Vice-rei
submettido a questão á decisão do governo, nada se devia fazer antes de ser
dada esta decisão cuja demora indicava, talvez, desapprovação. De facto a
promulgação do Assento de 12 de Outubro pelo Marquez de Lavradio, bem que
aucotrisada pelo Aviso de 4 de Fevereiro, parece, attendendo aos actos do Conde
de Cunha,[26]
[LIX] uma indiscrição. O segundo motivo, baseado no argumento de que expedindo
o Aviso de 25 de Março em data posterior á do Assento de 12 de Outubro, o
governo implicitamente condemnava o dito Assento, era menos forte e parece um
recurso de occasião. Já anteriormente o Conde de Valledares tinha querido fazer
jogo com o mesmo aviso sem, ao que parece, saber como; visto que tinha-o
annexado ao seu officio de 23 de Julho de 1772 (p. 302) sem comtudo fazer a
minima referencia a elle. Parece, porém, que já a este tempo estava-se formado
em Villa Rica uma corrente de opinião, que só mais tarde achou expressão
official, sobre o uso que podia ser feito desde Aviso, visto que na fronteira
correu a noticia, sem duvida inspirada da capital, de que a questão de limites
já havia sido resolvida a favor de Minas (p. 174). Comtudo Antonio Carlos
providenciou no sentido de voltar ao statu quo convencionado com Luiz Diogo
(pp. 311, 313), com que D. Luiz Antonio, já cançado e perto de fim do seu
governo, se contentou deixando ao seu successor a defesa dos interesses de São
Paulo.
A promulgação do Assento de 12 de Outubro devia ter
modificado profundamente os termos da contenda; parece, porém, que nenhuma das
partes percebeu a nova phase pela qual a questão devia ser encarada. Deixa-la
continuar no mesmo terreno de antes era inteiramente favoravel aos interesses
mineiros. A inepcio dos sucessores de D. Luiz Antonio de Souza não sómente a
deixou assim continuar, mas ainda a deixou escorregar para o terreno, ainda
mais incerto e mais favoravel a Minas, dos interesses e caprichos individuaes
dos moradores da fronteira. Até então a questão havia versado sobre a validade
da demarcação de Thomaz Rubim, e o torritotio contestado, definitivamente
limitado por dois lados pelos rios Grande e Sapucahy com a Serra da Mantiqueira
até o Morro do Lopo, e vagamente deste ponto em diante até o Rio Grande, estava
occupado pelos Mineiros com a presumpção de direito em seu favor, não só em
relação á parte effectivamente occupada com tambem em relação ás extensão
futuras até a estrada de Goyas. [27] Estando, porém, annnulada
a [LX] demarcação de Thomaz Rubim, implicitamente pelo Aviso de 4 de Fevereiro
e explicitamente pelos actos dos Vice-reis assingnando e promulgando o Assento
de 12 de Outubro, esta devia [LXI] ter desapparecido da discussão; e o mais que
os Mineiros podiam legitiamente pretender era a manutenção da posse provisoria
do territorio antes contestado, emquanto o governo não resolvesse as duvidas
levantadas, ou confirmando o Assento, ou annulando-o e marcando uma nova divisão.[28]
Arvorado em acto de demarcação o Aviso Regio de 25 de
Março, parte do territorio tornou-se de novo contestada, não mais com os
limites dados por Thomaz Rubim, mas sim com os do <<giro>> de Luiz
Diogo delineado no mappa por elle confeccionado e reproduzido neste volume. [29] Claro é que a [LXII]
approvação de actos de jurisdicção não podia, sem declaração expressa, abranger
territorio fóra da área delimitada pelo <<giro>>, visto que, nesta
epocha, não havia habitantes senão á beira das estradas, e nas duas unicas
estradas que communicavam com São Paulo (de Jacuhy a Mogyguassú e de
Comandocaia a Atibaia). O proprio Luiz Diogo marcou, com o estabelecimento de
registros, o limite de sua jurisdição, no seu entender. Portanto, o orignario
territorio contestado, limitado a oéste pela indefinida e elastica linha de
Thomaz Rubim, deveria ter ficado reduzido essencialmente ás bacias destes rios
entravam mais uma pequena parte da do Rio Pardo até o ponto onde a estrada o
rio (mais ou menos na altura da actual cidade de Caldas),[30] parte da do Mogyguassú
até um pouco abaixo de Ouro Fino, e parte da do Jaguary até o registro
estabelecido nas suas margens perto de Santa Rita da Extrema. Até na bacia do
Sapucahy, os Paulistas podiam ter contestado com mostras de razão a posse,
mesmo provisoria, dos Mineiros em todo o territorio a léste da estrada que vai
do arraial de Comandocaia (hoje Jaguary) a Sant'Anna do Sapucahy, e Campanha,
visto ser esse territorio, pelos novos termos da questão, presumivelmente
paulista e, estando despovoado na occasião, não podia ter sido alli exercido
acto algum de jurisdicção que o sujeitasse, ainda que provisoriamente, ao
effeito da approvação do Aviso Regio de 25 de Março. Este ponto da reducção da
área do territorio contestado escapou, porém, á attenção dos governador de São
Paulo ; e os Mineiros, se o perceberam, nenhuma obrigação tinham de o trazer á
discussão. Assim pois continuou, e ainda hoje continua, o territorio contestado
a ser limitado por [LXIII] linhas que, variando de dia em dia, estão todas
comprehendidas nas infinitas possibilidades dos termos da demarcação de Thomaz
Rubim.
Nestas condições só por prazo muito limitado póde-se
manter um estado de status quo. O mundo não póde ficar parado, só porque os
encarregados de governar, por preguiça, inercia, ou outro qualquer motivo,
deixam de resolver as questões a elles submettidas. Prolongando-se um tale
stado de incerteza, são inevitaveis os conflictos que só podem terminar
pacificamente pela condescendencia de uma ou outra, ou de ambas as partes, em
ceder provisoriamente aquillo que consideram ser seu direito. Em taes casos uma
parte tem geralmente a seu favor maior presumpção de direito do que a outra, e
póde com justiça exigir que esta seja a condescendente, para evitar conflictos.
Emquanto a questão versava sobre a demarcação de Thomaz Rubim, esta presumpção
de direito era a favor de Minas, e era justo que fosse São Paulo a parte
condescendente. Não assim, porém, depois da promulgação do Assento de 12 de
Outubro; e houve falta de tactica da parte dos governadores de São Paulo em
deixarem ficar os Mineiros na persuasão de que a questão devia ou podia
continuar nos mesmos termos, exigindo, e quasi sempre com bom exito, que fossem
da parte de São Paulo as concessões a fazer para apaziguar os conflictos que se
levantaram, até que afinal se tornou effectiva a posse mineira, não sómente no
verdadeiro territorio contestado, como também em quasi toda a referida zona
intermediaria.
Um convenio de statu quo, como o de 1766, só póde ser
mantido em absoluto n'uma região inhabitada e inhabitavel. Não estando nestas
condições, cada sitio novo que se desbrava, cada caminho ou picada nova que se
abre perturba o equilibrio e dá motivo para questões. No caso aqui considerado,
a situação era complicada pelo rigoroso sistema fiscal da Capitania de Minas
provocativo da abertura de novas e secretas vias de communicação para facilitar
o negocio illicito (extravios) de ouro e diamantes. Na occasião de se
estabeleber o convenio havia nas quasi desertas regiões limitrophes das duas
Capitanias duas estradas que limitavam uma zona larga inhabitada, porém
destinada infallivelmente a se tornar povoada e cortada por novas estradas
transversaes. ERam estas a estrada de Goyaz pelo lado paulista e, pelo lado
mineiro, as antigas picadas, abertas de novo por Luiz Diogo, [LXIV] do
Desemboque por Jacuhy, Cabo Verde, Campestre, Ouro Fino e Camandocaia para
Santa Anna do Sapucahy. Ligando estras duas estradas atravez da zona despovoada
havia as duas estradas transversaes de Comandocaia a Atibaia e São Paulo e de
Jacuhy á estrada de Goyáz no registro paulsita de Itupeva, adiante de
Mogyguassú.
O povoamento da zona havia naturalmente de estender-se de
cada lado ficando os moradores que entrassem ligados por filiação e pela
facilidade da communicações á jurisdicção da Capitania mais próxima. Sómente na
occasião de estas expansões naturaes das duas Capitanias se encontrarem no
centro da zona, de se abrir uma nova via de communicação para o commercio
licito ou illicito, tornando-se necessario o estabelecimento de novos postos
fiscaes, ou de se descobrir novas minas de ouro que attrahiam a população
aventureira de ambas, é que numa das Capitanias se sabia do progresso feito
n'outra no povoamento da zona intermediaria.
Parallelamente á questão da divisão civil das duas
Capitanias tinha corrido a da divisão ecclesiastica entre os dois bispados, de
São Paulo e Marianna. A bulla creando em 1745 os bispados de São Paulo,
Marianna e Goyaz marcou os limites dos dois primeiros em termos que admittiam
diversas interpretações. Desta a mais favoravel para o de São Paulo era a da
divisão pelo curso do Rio Grande, e em 1746 o vigario de Guaratinguetá, em nome
do bispado de São Paulo, tomou posse das cinco igrejas então existentes ao sul
daquelle rio, Carrancas, Baependy, Pouso Alto, Ayuruoca e Campanha (p. 185).
Estando nesta occasião ainda indecisa a contenda no civil a respeito do
districto da Campanha do Rio Verde, as parochias de Baependy, Pouso Alto e Campanha
eram abrangidas pelas pretensões da Capitania de São Paulo que sustentavam a
divisão pelo morro de Caxambu. Como, porém, por muitos annos a divisa effectiva
tinha sido pela serra da Mantiqueira, nenhuma das cinco parochias tinha ficado
sujeita á jursdicção civil de São Paulo, senão temporariamente a de Campanha,
no tempo do guarda-mór nomeado por D. Luiz Mascarenhas e logo expulso pelas
auctoridades de São João d'El-rei. Outra interpretação da bulla fazia a divisão
dos bispados pela divisão no civil, e esta interpretação parece ter
prevalecido. O supposto dialogo (p. 201), escritpo antes da morte, em Novembro
de 1748, do primeiro bispo de S. Paulo, D. Bernardo Rodrigues Nogueira, dá a
entender que, depois da posse das [LXV] cinco igrejas pelo bispado de São
Paulo, houve um edital suspendendo o seu effeito, expedido pelo bispo do Rio de
Janeiro que, entretanto, estava disposto a aceitar a interpretação da bulla
favoravel a São Paulo. Dos documentos á mão nada mais consta sobre estas cinco
igrejas. Como, porém, a questão no civil da Campanha do Rio Verde foi resolvida
a favor de Minas no anno de 1747, e no anno immediato houve vaga na sé
paulistana pela morte do respecivo bispo, é de presumir que não se realizou a
intenção attribuida no dialogo ao bispo do Rio de Janeiro, e que as cinco
igrejas ficaram pertecendo ao bispado de Marianna sem mais contestação.
A controversia de 1757-59, da qual se conservou um
fragmento da correspondencia (p.189 - 190), versava sobre as freguezias de
Sant'Anna do Sapucahy e Ouro Fino; e a falta de referencia á questão anterior
das cinco igrejas dá a entender que esta era considerada como acabada. A posse
mineira das duas igrejas além do Sapucahy data do auto de Thomaz Rubim em 1749,
e as reclamações sobre ellas, que continuaram por onze annos, combinadas com o
silencio ácerca das outras cinco igrejas indicam que já estava aceita em São
Paulo a divisão ecclesiastica pelo Sapucahy. Da disposição manifestada pelo
bispo de Marianna (p. 190) de entregar as duas igrejas além do Sapucahy parece
ter resultado a sua passagem para o bispado de São Paulo, visto que o cabido
daquella cidade reclamou em 1764 contra a posse tomada por parte do Minas na
occasião da excursão do governador Luiz Diogo Lobo da Silva (p. 191). Neste
mesma excursão as aucotirdades ecclesiasticas de Minas tomaram posse
(violentamente - dizem algumas das testemunhas do summario <<Vellozo e
Gama>>, pp. 383 e 390) das igrejas na região de Jacuhy e Cabo Verde, as
quaes tinham sido providas pela sé de São Paulo.
Depois de 1764 não se encontram mais documentos sobre a
questão ecclesiastica no Archivo de São Paulo; sendo certo, porém, que a
discussão continuou até que afinal, em 1775, por Assento da Mesa do Desembargo
do Paço (p. 336), foi fixado definitivamente o limite dos dois bispados pelos
rios Grande e Sapucahy. Ao que parece, terminou com esta decisão o conflicto
entre os dois bispados que ficaram divididos por uma linha natural sobre a qual
não havia contestaçõa possível.
No civil continuava o mutismo do governo cemtral, que só
em 1798 deu a perceber que tinha conheciento do conflicto [LXVI] entre as duas
Capitanias. Depois da madura consideração de 33 annos veiu ordem para que
<<nada se altere quanto aos limites das Capitanias até que estes se
prescrevão e fixem, devendo evitar-se qualquer questão a semelhante
respeito>> (p. 420). Sendo esta a primeira e unica resposta ás reiteradas
e urgentes representações dos governadores das duas Capitanias desde 1765,
parece que em Lisboa havia a doce esperança de que, dado um largo lapso de
tempo, os limites haviam de se prescreverem e fixarem por si mesmos.
No emtanto os sucessivos governadores das duas Capitanias
se esforçavam por conserver a paz frequentemente ameaçada de perturbações pela
natural expansão da população na zona despovoadas intermediaria, pelo
desenvolvimento das relações commerciaes (especialmente as do commercio
prohibido de ouro e diamantes) que envolvia a abertura de novas vias de
communicação, e pelos actos das auctoridades locaes e do povo inquieto da fronteira.
O sucessor de D. Luiz Antonio de Souza, Martim Lopes Lobo
de Saldanha, renovou, no principio da sua administração, o pedido de entrega da
região a oéste do Sapucahy em conformidade com o Assento de 12 de Outubro (p.
336). A resposta de D. Antonio de Noronha, governador de Minas (p. 337), foi
substancialmente a mesma já dada por Antonio Carlos Furtado de Mendonça, isto
é, que tendo sido a questão affecta ao governo central, nada se devia fazer sem
novas ordens a respeito. No principio, Martim Lopes quiz se fazer de engraçado
convidando o commandante da guarda restabelecida no Campo de Toledo a chegar
até a capital de São Paulo (p. 316), porém depois elle se mostrou energico em
manter a posse deixada por seu antecessor. A guarda e o registro estabelecidos
em Bom Successo no districto contestado do Rio Pardo foram removidos para São
Matheus, donde se abriu um estrada nova para Mogyaguassú, a qual parece ter
passado pelos campos da Serra de Caldas, provavelmente subindo pelo valle do
Rio das Antas e descendo perto da actual villa de Caracol, ou Samambaia. A
estrada velha para Jacuhy, partindo do antigo registro de Itupeva, foi trancada
(p. 319), bem como uma picada nova que se tinha aberto de Ouro Fino para
Mogymirim (p. 321). Deste modo as unicas vias licitas de communicação entre as
duas Capitanias ficaram sendo a estrada de Jacuhy pelo registro de São Matheus
(provavelmente passando por Cabo Verde), a antiga estrada para Santa Anna do
[LXVII] Sapucahy pelo valle do Jaguary com um ramal para Ouro Fino partindo da
freguezia do Jaguary (hoje cidade de Bragança) e passando pelo Campo do Toledo;
e a léste, a antiga estrada de Guaratinguetá para São João d'El-rei com uma
variante passando por Itajubá. Tendo-se estabelecido nos campos em cima da
Serra da Mantiqueira alguns moradores de Pindamonhangaba, havia diversas
picadas do valle do Parahyba para cima da serra que não tinham seguimento para
Minas, havendo mesmo compromisso por parte destes moradores de não permittirem
passagem por ellas (p. 514).
Na região do Rio Pardo uns moradores de Cabo Verde tendo
serviços de mineração nas cabeceiras do Bom Jesus, affluente do São Matheus,
bem proximos ao seu arraial, quizeram muito naturalmente que este fosse
considerado territorio mineiro (p. 318). Havendo, porém, contestação por parte
do governo de São Paulo e não encontrando apoio no governo de Minas (p. 321),
elles finalmente se sujeitaram á jurisdicção paulista, que assim se estabeleceu
em todo o valle do São Matheus e do seu tributario o Bom Jesus.
Algum tempo depois, em 1781, alguns Paulistas
discobiraram ouro no proprio Rio Pardo, algumas leguas acima do registro de São
Matheus (pp. 333 - 336); e estas novas minas tambem ficaram sujeitas á
jurisdicção paulistas[31]. Houve boatos de se
renovar por parte do povo de Jacuhy a [LXVIII] tentativa de estabelecer
registro nas margens do Rio Pardo (provavelmente nas vizinhas da actual cidade
de Cajurú), reabrindo assim a antiga ligação com a estrada de Goyaz; porém esta
não chegou a realisar-se (p. 325).
Na estrada de Jaguary para Ouro Fino as auctoridades
fiscaes da comarca de São João d'El-rei procuraram avançar o seu registro até a
margem do rio Jaguary, pouco mais ou menos a uma legua de distancia da actual
cidade de Bragança. Havendo protesto por parte de São Paulo, o governador de
Minas não apoiou este movimento, e o registro abandonado foi destruido por
ordem de Martim Lopes (p. 322).
Na outra estrada pelo valle do Jaguary não houve novidade
alguma, permanecendo o registro onde foi primeiramente estabelecido por Luiz
Diogo, na margem do Jaguary e provavelmente proximo do arraial de Santa Rita da
Extrema. O governador de Minas, D. Antonio de Noronha, vistando esta região em 1788, refere o ultimo
morador se achava a uma legua ácima do Morro do Lope (p. 350).
Na antiga estrada de Guaratinguetá para São João d'El-rei
a questão de limites parece ter sido dada por completamente resolvida depois da
Provisão Regia de 30 de Abril de 1747. Na estra de Itajubá tambem não consta
ter havido conflicto algum depois do acto possessorio de Luiz Diogo em 1764. À
esquerda desta estrada, porém, na região fronteira a Pindamonhangaba, as
auctoridades locaes de Ayuroca tentaram, em 1774, tomar posse da fazenda de
Ignacio Caetano Vieira de Carvalho que, appellando directamente para o
governador de Minas, conseguiu o reconhecimento provisorio de estar a sua
propriedade no territorio paulista (p. 513).
Dois documentos originarios de Villa Rica nesta epocha
dão a conhecer um modo de vêr nos circulos officiaes da capital mineira que não
achou expressão na correspondencia do governador. São o mappa da Capitania de
Minas Geraes organisado em 1778 por José Joaquim da Rocha e a
<<Instrucção para o Governo da Capitania de Minas Geraes>>
escriptos em 1780 por um antigo magistrado da Capitania e estampado na Revista
do Instituto Historico em 1852. O mappa, que, considerando-se a epocha e o
caracter primitivo dos mappas anteriores, é um excellente trabalho
cartographico, representa a divisa correndo quasi em linha recta do Morro do
Lopo pela serra do Mogyguassú até encontrar a estrada de Goyaz [LXIX] no
registro paulista de Itupeva; e depois acompanhando esta estrada até o Rio
Grande. A <<Instrucção>> de José João Teixeira Coelho,
desembargador da Relação do Porto depois de 11 annos de serviço em Minas,
reproduz (sem nome de auctor) o mappa acima referido, e diz:
<<Os limites da Capitania de Minas Geraes que vão
descriptos na carta corographica, foram assignados, em parte, segundo as ordens
reaes, e em parte, pela posse que os habitantes d'ella adquiriram das terras
que foram povoando.
<<Tem havido grandes duvidas sobre os verdadeiros
limites entre esta capitania e a de São Paulo, e para se terminarem foram
expedidas as ordens de 30 de Abril de 1722, passada em virtude da resolução de
28 do mesmo, de 23 de Fevereiro de 1731, passada em virtude da resolução de 20
do mesmo e de 22 de Junho de 1743, passada em virtude da resolução de 12 do
mesmo.[32]
<<Gomes Freire de Andrade, em virtude da real ordem
que se lhe dirigiu, e de que elle faz menção na carta de 27 de Maio de 1749,
commetteu a divisão dos ditos limites ao desembargador, Thomaz Rubim de Barros
Barreto, e elle a fez principiando do alto da serra da Mantiqueira, onde estava
um marco antigo, e tirando uma linha pelo cume da dita serra até o Morro do
Lopo, e deste ao Morro de Mogiaçu, e d'elle ao Rio Grande onde principia a
Capitania de Goyaz.
<<O governador Luiz Diogo Lobo da Silva, passando
no anno de 1764 a examinar aquelles sitios excitou a observancia da dita
divisão pelo bando de 24 de Setembro, e pelo termo da juncta feito em São João
de El-Rei a 26 de Novembro do mesmo anno: e tudo foi approvado pelo Aviso de 25
de Março de 1767.
<<E ainda que o vice-rei do Estado fez nova divisão
por um termo da juncta no Rio de Janeiro a 12 de Outubro de 1766, foi sem ouvir
o governador de Minas, e nunca se executou esta divisão, na qual se seguiu tudo
quanto o guarda-mór Pedro Dias Paes Leme, Paulista, quiz persuadir apaixonada
[LXX] e injustamente aos membros da dita juncta, nenhum dos quaes tinha o menor
conheciento do terreno da contenda, e d'este modo ficou tudo no estado antigo.
<<Os governador de S. Paulo, sem embargo d'isto, se
foram introduzindo violentamente e de mão armada em algumas terras, de que
sempre estiveram de posse os governadores de Minas.
<<O conde de Valladares, tendo noticia de que o
governador de S. Paulo alterava o socego dos moradores do Ouro Fino e Campanha
de Toledo, com o pretexto de lhe pertencerem aquelles districtos, mandou postar
uma guarda na dita Campanha para pacificar os povos e para evitar os insultos,
ordenando o cabo d'ella que nunca resistisse com armas ás guardas de S. Paulo,
e ponderou aquelle governador os prejuizos que resultavam de sua tentativa.
<<No tempo do governo de Antonio Carlos Furtado de
Mendonça, continuavam os governadores de S. Paulo a pôr em practica a mesma
pretenção injusta por meios violentos e desusados entre os vassalos de um mesmo
monarcha, e o mesmo practicaram no tempo do governo de D. Antonio de Noronha.
<<A moderação com que todos os ditos governadores
de Minas se conduziram a este respeito, não querendo rebater a força com outra
força, por não arriscar as vidas dos habitantes d'aquelles sertões, animou os
goverandores de S. Paulo, a que successivamente fossem estendendo os limites da
sua capitania>>.
Quando um alto funccionario judicial, estranho aos
interesses e lutas particulares da Capitania e conhecedor dos documentos sobre
o caso, encara o assumpto deste modo e escreve assim a sua historia, não e de
admirar que as auctoridades subalternas e o povo da fronteira tivessem noções
um tanto confusas sobre o aspecto juridico da questão.
Por estes dous documentos fica bem patente a desvantagem
para a Capitania de São Paulo da formula officialmente adoptada, depois da
sahida de D. Luiz Antonio de Souza, em lugar da que, em direito, devia ter
regulado o assumpto. A formula adoptada tacitamente foi de cada governador
manter a posse effectiva, ou <<o statu quo deixado por seu
antecessor.>> A verdadeira devia ter sido <<manter o convenio de
statu quo de 1766,>> sendo a posse mineira limitada pela [LXXI] effectiva
estabelecida por Luiz Dioogo em 1764. Esta substituição de formula deixava de
pé, com enorme vantagem para os Mineiros, a invalidada demarcação de Thomaz
Rubim, abrindo assim a porta a grande variedade de interpretações de que esta
era susceptível. Os Mineiros facilmente e com toda a boa fé se convenceram de
que o seu direito era positivo até onde entenderam esticar esta linha elastica,
e os governadores paulistas não souberam discriminar claramente o territorio em
que o seu direito era liquido, do contestado em que, emquanto o governador não
resolvesse, era necessario transigir.
Na administração de Francisco da Cunha e Menezes e de
Francisco José Raymundo Chichorro da Gama Lobo (1782-1788), as auctoridades de
Cabo Verde abriram um caminho até o Rio Pardo e tentaram apoderar-se das minas
neste rio e dos campos além do rio (p. 362), sendo porém repellidas pelo
vigilante commandante do registro de São Matheus, Jeronymo Dias Ribeiro. O
descobridor destas minas, Ignacio Preto de Moraes, tinha-se estabelecido com
fazenda de crear nos campos da Serra de Caldas, com carta de sesmaria passada
pelo governo de São Paulo a 20 de Julho de 1786 (p. 941). Ao que parece,
começaram então a ser procurados os campos de crear; e logo no anno seguinte as
auctoridades de Ouro Fino trataram de estabelecer guarda e registro nos mesmos
campos, entrando provavelmente pelo lado da já referida tranqueira de Verissimo
João de Carvalho[33].
As partes dadas ao governador de São Paulo sobre estas occorencias não tiveram
resposta; e no anno seguinte o commandante do registro de São Matheus refere
que havia diversos Mineiros estabelecidos nos mencionados campos (p. 371).
[LXXII] Bernardo José de Lorena, ao tomar posse do
governo de São Paulo em 1788, deu ordem para manter os limites deixados pelo
seu antecessor, Francisco da Cunha e Menezes, como medida provisoria emquanto
elle representava ao governo de Lisboa sobre a necessidade de dar execução ao
Assento de 12 de Outubro (p. 374). O novo governador teve de officiar ao de
Minas Geraes sobre a continuação dos conflictos nos campos de Caldas e a prisão
de um Paulista que se achava no uso das aguas dos poços (p. 372), e tendo
notícia (p. 373) da renovação do antigo projecto de estabelecer um registro na
passagem do Rio Pardo na estrada de Jacuhy (vizinhanças de Cajuru?), e outro na
estrada de São Matheus perto do Rio Jaguarymirim (provavelmente na Serra do
CAracol), elle ordenou em 1789 um inquerito para determinar quaes eram os
limites no tempo de Francisco da Cunha e Menezes (p. 375). ESte inquerito
conhecido pelo titulo de <<Summario Vellozo e Gama>> (pp. 376-410)
contém a historia da região desde o tempo de D. Luiz Mascarenhas, contada por
diversos assistentes e os detalhes já referidos sobre o estado da fronteira
naquella epocha. Nota-se que nesta occasião a estrada de São Matheus era pouco
frequentada e quasi intransitavel, circumstancia esta que indica que grande
parte do trafego de Cabo Verde e Jacuhy ia por vias illicitas atravez da região
facil dos campos de Caldas. Assim se explica o empenho das auctoridades
mineiras em estabelecer registro na estrada de São Matheus em ponto que
deominava a entrada para os campos. Outras indicações interessantes sobre o
desenvolvimento das vias commerciaes é o Bando (p. 412) prohibiindo o trafego
para Goyaz, viâ a estrada do Jaguary. Ouro Fino e Jacuhy, em prejuizo do
donatario da antiga estrada de São Paulo a Goyaz.
Tendo Bernardo José de Lorena transmittido o
<<Sumario Vellozo e Gama>> ao governador de Minas annunciando a sua
resolução de manter os limites nelle indicados (p. 410), as cousas parecem ter
voltado ao seu antigo estado, e nao ha noticia de novos conflictos durante o
resto da sua administração. Nada dizem os documentos a respeito dos Mineiros já
estebelecidos nos campos de Caldas, sendo de presumir que estes ficaram
prestando obediencia nominal ao governo de São Paulo.
É também de presumir que os Mineiros, não conseguindo
estabelecer registro na estrada de São Matheus, tiveram de o fazer na sahida
dos campos proximo á antiga tranqueira [LXXIII] de Verissimo João de Carvalho,
e talvez no lugar da actual cidade de Caldas. O certo é que nesta epocha (1789)
não tiveram registro nesta região e que em 1807 havia um com a denominação de
<<As Caldas>> (p. 4620, sendo que, conforme o Diccionario
Geographico de St. Adolphe, a origem da cidade deste nome era uma guarda do
districto de Ouro Fino[34].
O districto de Jaguary se conservou calmo durante a
administração de Bernardo José de Lorena, salvo boatos (p. 377) de renovação do
projecto de se estabelecer o registro mineiro na margem do Rio Jaguary, ou
mesmo na propria freguezia. No districto do alto Sapucahy foram concedidas
diversas sesmarias, que depois se tornaram assumpto de conflictos.
Indo em 1796 governar a Capitania de Minas, Bernardo José
de Lorena mudou naturalmente de parecer a respeito da questão dos limites não
sustentando mais o direito paulista até o Sapucahy (p. 418); porém elle parece
ter executado lealmente o mesmo pensamento de manter provisoriamente os limites
deixados por Francisco da Cunha e Menezes. Assim no tempo do seu antecessor em
São Paulo, Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça (1797-1802), nada houve de
notavel em questões locaes referentes ao assumpto. Pelo lado da alta
administração houve o despertar somnolento do governo central com a expedição
do Aviso Regio de 9 de Novembro de 1798 (p. 420) de nada alterar emquanto o
governo não resolvesse, e a nova doutrina de Bernardo José de Lorena de que a
Provisão Regia de 25 de Março de 1767 annullava o Assento de 12 de Outubro de
1765 (p. 418).
Na administração de Antonio José da Franca e Horta
(1802-1811) e depois da sahida do governador Lorena em Minas s(1803) surgiram
conflictos mais ou menos graves em quasi toda a linha da fronteira. A creação
da Villa da Campanha em 1798 trouxe o centro administrativo para um ponto mais
proximo e mais directamente interressado nas questães dos limites do que São
João d'El-Rei, e as auctoridades da nova villa [LXXIV] começaram a desenvolver
em 1805 grande actividade e zelo na melhor collocação dos registros e na
fiscalização das novas vias de communicação que se tinham aberto, em parte pelo
natural desenvolvimento da região, em parte no interesse do trafego prohibido.
Neste louvavel empenho interpretaram a seu modo a divisão conforme a de Thomaz
Rubim (pp. 461 - 468) sem se miportarem muito com o convenio dos dois governos
de conserveram a divisa nominal antiga. Começou tambem a entrar na questão o
capricho individual, que de certo tempo para cá tem sido o elemento dominante
na contenda, e pelo qual cada morador da fronteira, geralmente levado por
motivos de briga com os seus vizinhos, escolhia livremente a capitania a que
devia pertencer.
A questão do districto de Pindamonhangaba, ou melhor do
alto Sapucahy, vindo de muito longe chegou ao seu periodo agudo durante a
administração de Franca e Horta. Conforme já vimos, a primeira entrada para a
região da Campanha foi feita cerca de 1720 do lado do Parahyba por Gaspar Vaz
chamado Ouyaguara (p. 489). A picada então aberta parece ter subido a serra
mais ou menos em frente de Guaratinguetá, e annos depois se descobriram n'ella,
ou nas suas vizinhanças, minas de ouro no lugar chamado Cachuba, ou Itajubá
(hoje Soledade ou Itajubá Velho). As minas, depois de abandonadas por algum
tempo, foram reabertas em 1741 ou 1742 (p. 490), creando-se um pequeno arraial
donde se abriu depois um caminho mais directo para Piedade (Lorena, p. 490).
Adiante de Itajubá, no caminho do sertão, o capitão-mór de Pindamonhangaba,
Antonio Francisco Pimentel, estabeleceu uma fazenda de crear nos campos de
Capivary, ou do alto Sapucahy, que depois de abandonada foi estabelecida de
novo por Ignacio Caetano Vieira de Carvalho que obteve carta de sesmaria do
govenro de São Paulo. Já em 1774 outros moradores do valle do Parahyba
tinham-se estabelecido nos campos em cima da serra, e entre elles João da Costa
Manço, da villa de Taubaté, que se fixou entre a fazenda de Ignacio Caetano e o
arraial de Itajubá (p. 576).
Para se apoderar do arraial de Itajbuá, em 1764, Luiz
Diogo Lobo da Silva (conforme se vê no mappa em que vem traçado o seu
itinerario) desceu a Serra da Mantiqueira do registro de Capivary pela garganta
do Cruzeiro, passou em Embaú (Cruzeiro) e tornou a subir a serra pela estrada
de Piedade. Mandando tapar esta estrada, elle abriu uma nova [LXXV] para
Capivary ficando Itajubá sujeito ás auctoridades de Ayuruoca. Dahi veio em 1774
o dizimeiro Henrique Dias de Vasconcellos por vias tão agrestes que um da
comitiva perdeu a vida n'um despenhadeiro (p.491), e prendeu diversos moradores
paulistas dos campos do Sapucahy, entre estes João da Costa Manço e um
empregado de Ignacio Caetano. Com excepção de Ignacio Caetano, este moradores
se sujeitaram á jurisdicação mineira. Este, porém, appellando directamente para
o governador de Minas, obteve ordem de ser a sua propriedade considerada
provisoriamente como pertencente a São Paulo.
Em 1792 tanto Ignacio Caetano como João da Costa Manço
obtiveram augmento das suas propriedades em cima da serra por cartas de
sesmaria concedidas pelo governo de São Paulo. A posse antiga de Ignacio
Caetano parece ter assentado na margem esquerda do Sapucahyguassú e, portanto,
em territoria que podia legitimamente ser reclamado por São Paulo em virtude do
Assento de 12 de Outubro. As posses de Costa Manço, tnato a antiga como a nova
de 1792, e a nova de Ignacio CAetano (se, como parece, esta era o terreno onde
hoje se acha a villa Jaguaribe) estavam sitas na margem direita do mesmo rio e,
por consequencia, pelo mesmo Assento, não podiam ser pretendidas por São Paulo.
Não eram, porém, conhecidos, ou pelo menos attendidos, os detalhes
topographicos da região, e em 1790 o capitão-mór de Pindamonhangaba não duvidou
assegurara ao governador de São Paulo que todos os campos em cima da serra
pertenciam indubitavelmente a São Paulo (p. 414).
Ignacio Caetano tinha-se compromettido com o governo de
Minas a conservar fechada a communicação da sua fazenda com o arraial de
Itajubá. Isto naturalmente obrigou a abrir-se um novo caminho para
Pindamonhangaba, que era provavelmente o conhecido pelo nome de Itupeva, que
desce a serra quasi em frente á cidade. Em 1789, mais ou menos, estabeleceu-se
um registro mineiro nas vizinhanças de Itajubá no logar chamado <<As
Bicas>>, e houve por parte do commandante tentativa de sujeitar Ignacio
Caetano á sua jursdicção (p. 509). Logo depois, em 1792, foram concedidas pelo
governo de São Paulo diversas sesmarias pelo Sapucahymirim abaixo, no districto
que é hoje São Bento do Sapucahy, em territorio que era paulista pelo Assento
de 12 de Outubro, e mineiro pela divisão pela Serra da Mantiqueira e Morro do
Lopo.
Tendo a região tomado assim uma certa importancia,
começou-se a questionar a respeito; e a discussão tomou um [LXXVI] caracter
geographico, versando sobre a verdadeira significação do termo <<Serra da
Mantiqueira>>; de modo que, tacitamente, os Paulistas admittiram a
pretensão mineira da divisão pela demarcação de Thomaz Rubim. Entendiam os
Mineiros por <<Serra da Mantiqueira>> o divisor das aguas entre o
Rio Grande (inclusive o rio Sapucahy) e o Parahyba, ao passo que os Paulistas
(conforme se vê no interessante esboço de Ignacio Bicudo de Syqueira, p. 415, e
outros documentos) este divisor na parte correspondente ao Sapucahy era lombada
interna que atravessa os dois rios Sapucahy emendando-se com o tronco principal
em frente de Guaratinguetá. Segundo o modo de vêr dos Paulistas o nome
accompanhava a crista mais elevada do systema, ao passo que segundo o dos
Mineiros (que se acha mais de accordo com o uso moderno) accompanhava o
principal divisor hydrographico.
Os primeiros conflictos tiveram o caracter de uma briga
entre vizinhos. Em 1796 Ignacio Caetano queixava-se de que Costa Manço tinha
aberto o caminho para Itajubá (p. 511), atribuindo este acto a projectos de
usurpação por parte dos Mineiros, quando talvez fosse apenas dictado pela conveniencia
de communicar com os vizinhos estabelecidos no Sapucahymirim por detraz da
fazenda de Ignacio Caetano. A mesma queixa renovou-se em 1801, sendo expedida
ordem de prisão contra Costa Manço (p. 508). Em 1803 as auctoridades da villa
da Campanha pretenderam estabelecer um registro na estrada de Itupeva (p. 433,
440-3), de modo a incluir em Minas a fazenda de Ignacio Caetano e todas as
outras que se achassem em cima da serra; e nesta occasião houve nova ordem de
prisão contra Costa Manço (pp. 442, 452). Masi tarde, em 1806, o governador de
São Paulo mandou prender o proprio commandante de registro das Bicas, caso
fosse encontrado no territorio contestado sem ordem expressa do governador de
Minas (p. 459). Com estas e outras providencias a questão parece ter acabado, e
nada mais consta dos documentos sobre a divisa por este lado, salvo a proposta
(que parece não ter sido executada) que, em 1807, fez o inspector das guardas
da Campanha de collocar-se o registro no alto da Serra da Mantiqueira (p. 485).
Deu-se também, em 1809, a prisão das guardas de Capivary, por motivos que não
se acham declarados (p. 476).
Os moradores paulsitas em cima da Serra da Mantiqueira
parecem não ter sido por muito tempo communicação (pelo [LXXVII] menos de
caracter licito) para Minas pelo lado do Sapucahy. Os estabelecidos no
districto de São Bento do Sapucahy se approximaram no districto de São Bento do
Sapucahy se approximaram á antiga estrada de Camandocaia, Mandú (Pouso Alegre)
e Santa Anna do Sapucahy, e claro é que mais cedo ou mais tarde se havia de
abrir communicação com esta estrada. Os Mineiros tomaram esta iniciativa em
1809 abrindo caminho até os moradores de Sapucahymirim e causando grande alarma
entre as auctoridades de Pindamonhangaba e São Paulo que trataram logo de
trancar esta nova via (pp. 472, 475).
Este negocio da nova estrada parece ter sido por algum
modo complicado pela rivalidade entre as duas villas de Taubaté e
Pindamonhangaba, visto que o capitão-mór desta ultima e Ignacio Caetano se
oppuzeram á pretensão de Manuel Ribeiro Pinheiro de Taubaté que, tendo aberto
um caminho por suas terras para Camandocaia em Minas, pedia que este fosse
franqueado com o estabelecimento dos competentes registros. O requerimento de
Manuel Ribeiro Pinheiro, remettido ao governador de São Paulo a 1 de Junho de
1811 (p. 427), teve informação favoravel, não obstante a opposição local; mas
já antes o registro tinha sido estabelecido por commum accordo entre as
aucotridades de Pindamonhangaba e Campanha em virtude de um encontro casual (p.
479-482). Ao que parece, o requerimento tinha sido remettido também ao
governador de Minas e, em consequencia, o juiz de fóra da Campanha foi
pessoalmente examinar o local e ahi encontrou a camara de Pindamonhangaba que
recebendo noticia desta diligencia tinha ido impedir o que era reputado uma
invasão não auctorisada dos Mineiros. Neste encontro ficou amigavelmente
combinado que a nova guarda mantida por São Paulo seria no logar chamado Sertão
em terras de Claro Monteiro do Amaral, cujos descendentes ainda hoje occupam
uma fazenda denominada, Guarda velha cerca de dez kilometros ácima de Santa
Anna do Sapucahymirim onde foi depois estabelecido o registro mineiro. Assim
ficou franqueada esta nova estrada que depois deu origem a serios conflictos.
No districto de Bragança houve em 1804 o projecto de
avançar o registro de Camandocaia até um ponto distante apenas uma legua da
villa (p. 445), o que não se realisou em virtude dos protestos do governador de
S. Paulo. Nesta occasião o commandanate do registro se queixava de que o
capitão-mór de Bragança tinha feito um caminhbo por detraz [LXXVIII] do
registro (p. 448). Como este caminho era para sahir nos campos do Sellado (p.
466), é de presumir que fosse o que se dirige de Bragança ao sul do Morro do Lopo
pelo valle do Jacarehy por São João do Curralinho. Este caminho parece ter sido
tapado, e não há outras notícias de questões neste districto até 1809, quando
foram expulsos pelo capitão-mór de Bragança uns Mineiros que se tinham
estabelecido em lugar que não se póde precisar (p. 471). Na mesma occasião
levantou-se uma questão entre os proprios moradores de Bragança, dois dos
quaes, por teimarem em frequentar caminhos prohibidos, foram obrigados a
assignar termo (pp. 471, 488).
Na outra estrada de Bragança por Ouro Fino não há notícia
de conflictos durante a administração de Antonio José da Franca e Horta.
No districto da villa de Mogymirim houve diversas questões assaz sérias na
região da Serra de Caldas e na da freguezia da Franca, que se tinha creado perto
da antiga estrada de Goyaz. Na primeira consta que 1805 um morador de Caldas
dobrou a serra e plantou roça em lugar que não se póde precisar, porém em
territorio reclamado por São Paulo. Nada mais consta a respeito, sendo de
presumir que teve execução a ordem ao juiz de Mogymirim para exercer
jurisdicção sobre o novo estabelecimento (p. 458).
Em 1807, por ordem do capitão Brandão, inspector das
guardas da villa da Campanha, a guarda de Caldas (provavelmente do lugar da
cidade do mesmo nome) foi se estabelecer na margem do rio Jaguarymirim no logar
chamado Contagem de Santa Maria Magdalena (p. 462), que parece ser nas
vizinhanças da actual villa de Samambaia ou Caracol. Ao seu encontro sahiu o
capitão-mór de Mogymirim com uma comitiva de 50 homens (p. 463) obrigando-o a
retroceder ao logar do quartel antigo e destruindo o novo já construido. Ao que
parece, não foram attendidos os vehementes protestos do capitão Brandão e do
capitão-mór de Campanha (pp. 461, 466), e as cousas ahi voltaram ao seu antigo
pé.[35]
Quasi ao mesmo tempo houve do outro lado da serra, no
districto de São Matheus (Caconde), uma questão cuja origem [LXXIX] o fim não
estão claramente expressos no unico documento conservado a respeito (p. 458).
Parece que foi dada ordem ao velho commandante do registro, Jeronymo Dias
Ribeiro que figura nesta historia desde as lutas de Lustosa em 1748), para
abandonar aquelle posto já sem renda (p. 468). Um dos moradores aparentado em
Cabo Verde promptamente convidou as auctoridades daquelle arraial para tomarem
conta do districto, e assim aconteceu. Como o capitão-mór de Mogymirim, com
approvação do governador, nomeou outro commandante para o registro (p. 468), é
de presumir que este fosse restabelecido e que a posse mineira não se tornou
effectiva. Já em 1804 a estrada de São Matheus não tinha mais transito, sendo
este abandono provavelmente devido á maior facilidade de entrar em Minas pela
região aberta dos campos de Caldas. esta cirumstancia explica o empenho das
auctoridades da Campanha em estabelecerem guarda no Jaguarymirim em logar que
domina a entrada para a região campestre, onde a fiscalisação seria mais facil
do que nas numerosas sahidas no lado mineiro.
No districto da Franca diversos moradores da villa da
Campanha obtiveram do governador de Minas cartas de sesmaria no logar
denominado <<Lagoa Rica>>, nas cabeceiras do Sapucahymirim. Os
moradores paulsitas do districto se oppuzeram á medição destas sesmarias (p.
454), e para previnir a renovação da tentativa e para desabusar um vizinho que
queria passar para Minas a fim de ser nomeado commandante, o commandante
paulista do districto (então com o nome de Bello Sertão) propoz a creação de
dois quarteis, um na <<Lagoa Rica>> e outro no
<<Aterrado>>. Ao mesmo tempo pediu a creação de uma freguezia, que
depois tomou o nome do governador (p. 453), ajuntando um mappa muito
interessante em que vêm figurados dois marcos no alto do espigão entre o rio
São João do Jacuhy e o Sapucahymirim e o Ribeirão das Canoas, em posição que
corresponde com a descripção da divisa dada por Luiz Diogo[36]. O governador de São
Paulo officiou ao [LXXX] juiz de fóra da Campanha (p. 454) protestando contra
qualquer alteração dos limites, e ao mesmo tempo mandou força e ordens para
resistir (pp. 456-457). No anno seguinte foram dadas novas providencias a
respeito accompanhadas de ordem de prisão contra os infractores (p. 459). Em
virtude destas medidas os sesmeiros entenderam registrar as suas cartas em São
Paulo, reconhecendo assim a jurisdicção daquella Capitania sobre o districto
(p. 412-417).
Em 1809 os moradores de Franca, por instigação do
governador (p. 410), pediram a creação da villa em requerimento que foi enviado
ao governo com informação favoravel do governador (p. 422). Antes de ser
despachado este requerimento, o povo de Jacuhy pediu o mesmo favor com
accrescimo da annexação á nova villa mineira da freguezia paulista da Franca
(p. 476). Apezar dos esforços do governador Franca e Horta, este negocio não
chegou a ser concluido durante a sua administração.
Estes diversos conflictos parecem ter afinal despertado a
attenção do governo central, já transferido para o Rio de Janeiro; e na
administração do Marquez de Alegrete pediu-se ao governador de São Paulo
(provavelmente também ao de Minas Geraes) informação <<sobre o plano que
se deverá seguir na divisão dos limites dessa Capitania com esta (Rio de
Janeiro) e com a de Minas Geraes>> (p. 519). Em cumprimento desta ordem
foi organisada pelo secretario da Capitania de São Paulo, Manoel da Cunha de
Azeredo Coutinho Souza Chichorro, uma extensa memoria (pp. 525 - 545)
acompanhada de 64 documentos comprobatorios, dos quaes 51 se referem á questão
com Minas Geraes e 13 á com o Rio de Janeiro.
Este documento, que a Assembléa Provincial mandou
publicar em 1846, tem sido até agora a única fonte accessivel ao público de
informação relativa á origem e desenvolvimento historico da questão. Com
exposição do assumpto, mesmo sob o ponto de vista de advogado de uma das
partes, é deficiente, especialmente por dar a idéa de que o Archivo de São
Paulo é muito pobre em documentos referentes ao caso e [LXXXI] que os diversos
actos qualificados de invasões, de que os Paulistas se queixavam tão
amargamente, tinham passado sem protesto em tempo. É difficil perceber em que
principio o auctor se baseava na escolha dos documentos com que instruiu a sua
informação. Por exemplo, elle dá extractos copiosos, mas não completos, da
correspondencia de todos os successores de D. Luiz Antonio de Souza, cujo nome
é apenas mencionado sem uma palavra, sequer, da sua extensa e extremamente
importante correspondência [37]
Outra indicação de interesse na qeustão por parte do
governo geral é o pedido de informação sobre as <<Areas
Prohibidas>> (p. 547).[38]
Pela resposta do governador de São Paulo (p. 248) e por
outras referencias, parece que estas áreas (que sómente poucos annos antes
desta epocha começaram a figurar nos documentos) tiveram uma origem extralegal
e que eram mantidas em redor dos seus respectivos registros com igual empenho
[LXXXII] penho por ambas as capitanias como um meio de protecção e, quiçá, como
meio de preparar futuros avanços da fronteira para o territorio occupado, ou
pretendido, pelo adversario. Pela carta de 20 de Fevereiro de 1814 ao
governador de Minas (p. 555) e pelo edital do juiz de fóra da Campanha (p.
557), vê-se como se póde tornar melindrosa esta questão de áreas prohibidas,
ficando qualquer morador de uma certa zona da fronteira sujeito a ser
considerado como o seu legitimo vassallo pelo governador de uma das capitanias,
e como intruso nas suas áreas prohibidas pelo da outra. É também claro que para
certa ordem de interesses privados esta posição dubia de filiação politica
tinha certas vantagens que ainda hoje não estão de todo desprezadas.
Outro Aviso Regio dirigido aos governadores de ambas as
capitanias em Agosto de 1814 (p. 552) declara que o governo está estudando o
assumpto, e manda observar um rigoroso statu quo emquanto não vier a resolução
que é promettida em breve.
Durante a permanencia do Marquez de Alegrete no governo
de São Paulo e do Conde de Palma no de Minas, a zona da fronteira parece ter
gozado de paz; porém com a sua retiradas rebentaram novos conflictos dando
occasião ao governo provisorio de São Paulo para enunciar a quexia, muitas
vezes suggerida nesta longa contenda, que com cada mudança de governador de
Minas havia novos ensaios de aggressão (p. 549), como se fosse para
experimentar a mão do novo governo.
No districto do alto Sapucahy começou um conflicto que
durou por muitos annos. As novas estradas abertas legalmente em 1811 parece não
terem sido muito frequentadas no princípio, e por algum tempo o governo de
Minas conservou os seus registros nos pontos antigos e distantes de Camandocaia
e Mandú, ao passo que o de São Paulo estabeleceu uma guarda no ponto fixado por
commum accordo na occasião da abertura da estrada. Esta guarda achava-se em
terras da sesmaria de Claro Monteiro do Maral, provavelmente na bifurcação das
duas estradas que neste tempo parece ter sido no logar ainda hoje conhecido
pelo nome de Guarda Velha e occupado por descendentes do orignal sesmeiro. Rio
abaixo deste ponto se estabeleceram com a proteção do capitão Manoel Furquim de
Almeida, pessoa influente em Camandocaia, diversos moradores deste ultimo logar
em terras reclamadas por Ignacio [LXXXIII] Caetano Vieira de Carvalho. A pedido
deste a camara de Pindamonhangaba interveiu em Novembro de 1813 (p. 576)
estabelecendo diversas guardas e tapagens. Uma das novas guardas era removida
do districto de Bicas (indicando que tinham cessado os conflictos pelo lado das
propriedades de Castro Manço) e posta no logar denominado Bahú, onde se tinha
fixado o mais importante dos suppostos intrusos, Salvador Joaquim Pereira.
Pelas auctoridades mineiras este acto foi considerado como um rompimento das
suas áreas prohibidas e, em Abril do anno seguinte, houve um contra-movimento
(p. 558 - 565) com destruição das tapagens, estabelecimentos de outras,
ameaças, etc. As partes dirigidas ao governo de Ouro Preto (p. 564)
aconselhavam o estabelecimento do registro no alto da Serra da Mantiqueira dos
mineiros (Serrote do Parahyba dos Paulistas), e tendo-se obtido ordem do
governador de Minas neste sentido foi ahi construido um quartel em Julho (p.
569 - 572). Depois de muita correspondencia, a camara de Pindamonhangaba
obrigou a guarda a se retirar a 31 de Agosto (p. 572), presumivelmente antes de
ter chegado ao seu ocnhecimento o Aviso Regio expedido poucos dias antes (a 22
do mesmo mez) mandando guardar o status quo. O novo quartel ficou abandonado
até Novembro do mesmo anno, quando foi queimado por ordem das auctoridades de
Pindamonhangaba (p. 589 e 948). A denominação de <<Quartel
queimado>> figura ainda em documentos de 1847 e no mappa de Minas de
1855, parecendo ser applicado á actual povoação de Santo Antonio do Pinhal[39].
[LXXXIV] Em fins de 1814 o Conde de Palma, que tinha
governado a Capitania de Minas, passou a administrar a de São Paulo. Conhecendo
assim a questão de ambos os lados, elle fez logo um appello ao governo geral
para fixar <<limites certos invariaveis>> (p. 579). Em resposta
vieram duas Provisões Regias com data de 10 de Abril de 1815 (pp. 581 - 583)
que indicam que o promettido estudo do Goerno não tinha ainda chegado, como
nunca chegou, a idéa claras e definidas sobre o assumpto. Em resposta vieram
duas Provisões Regias com data de 10 de Abril de 1815 (pp. 581 - 583) que
indicam que o promettido estudo do Governo não tinha ainda chegado, como nunca
chegou, a idéa claras e definidas sobre o assumpto. Em uma se pede de novo
informações sobre a pretensão da freguezia de Franca a ser erigida em villa e
sobre a suposta remoção dos limites da capitania das margens do Rio Pardo onde,
como bem informou o conde de Palma (p. 582), nunca estiveram, salvo
tentativamente por alguns dias duarnte a administração do Conde de Valladares.
Na outra Provisão Regia podem-se informações ácerca do Assento de 12 de Outubro
de 1765 que assim, depois de 55 annos, figura pela primeira vez em documento
official emanado do governo geral.
A significação principal desta ultima Provisão Regia é
que destroe a argumentação de Bernardo José de Lorena (p. 418) de que o Assento
de 12 de Outubro tinha sido annullado pelo Aviso Regio de 25 de Março. É para
notar que esta argumento, o mais forte até então apresentado pelos governadores
de Minas na sua correspondencia, não foi repetido na resposta dada pelo
governador de minas á referida Provisão Regia. A resposta dada a esta consulta
pelo governador de São Paulo pouco interesse offerece, sendo apenas uma
referencia á informação de Chichorro á qual se ajuntou um mappa copiado do de
Montezinho de 1792 com o accrescimo de tres linhas representando a divisa
reclamada por São Paulo, a reclamada por Minas e a que <<actualmente se
observa>>. Esta ultima acompanha o Rio PArdo em completo desaccordo com a
informação por escripto prestada quasi na mesma occasião (p. 582)[40].
A resposta do governador de Minas, D. Manoel de Portugal
e Castro, veiu accompanhada de copias dos documentos conservados no archivo de
Ouro Preto, que eram julgados essenciaes [LXXXV] para sustentar o lado mineiro
da questão. Bem que esta collecção não tenha sido completamente conservada,
vê-se pelas referencias do officio que nada continha de essencial que não fosse
conhecido em São Paulo, e que já não esteja incluido na presente collecção.
Depois de explicar que a ordem do Marquez do Lavradio relativa ao Assento de 12
de Outubro não tinha sido executada em Minas por não estar devidamente
registrada, <<existindo apenas um registro avulso>> (p. 585), o
governador de Minas sustenta que: -
1.º - Thomaz Rubim <<naõ exedeu o que lhe fôra
ordenado.>>
2.º - Luiz Diogo nos actos que mereceram a approvação
regia no Aviso de 25 de Março <<se circumscreveu aos limites pelo seu
antecessor estabelecidos.>>
3.º - Estes limites foram <<mesmo bem aceitos pelo
Vice-Rei Conde de Cunha como se evidencea pela carta dirigida ao ouvidor de São
Paulo.>>
Como a Mesa do Desembargo do Paço não chegou a conclusão
alguma, é de presumir que foram achados validos estes argumentos, dando assim a
medida do valor dos estudos a que foram submettidos os documentos apresentados[41].
Durante a administração do Conde de Palma a questão local
de maior importancia foi a dos limites entre Franca e Jacuhy, que já antes
tinham reclamado simultaneamente a passagem da categoria de freguezia para a de
villa. Attendendo primeiro, em 1814, á pretensão mineira, o governo fiel ao seu
systema de rodear em lugar de resolver as difficuldades, passou em silencio
sobre a pretensão de incluir o districto de Franca dando ao Alvará da creação
da nova villa (p. 726) uma redacção que implicitamente a excluia. Devido,
porém, á [LXXXVI] circumstancia fortuita de um ajuste particular entre os
vigarios de duas freguezias vizinhas (ambas pertencentes ao bispado de São
Paulo) em virtude do qual os limites ecclesiaticos não combinavam com os civis,
a exclusão não foi explicita, e a nova camara se appressou em apoderar-se de
uma parte do cubiçado territorio.
O caso vem contado e documentado na discussão sobre os
mesmos limites de 1850-1852. Conforme o assento feito em 1807 (p. 729) no Livro
do Tombo do Jacuhy pelo respectivo vigario, já em 1786 diversos moradores se
tinham estabelecido no lugar chamado Aterrado situado entre a estra de Goyz e o
ponto Desemboque designado por Luiz Diogo como limite das capitanias. A
freguezia paulista mais proxima era a de N. S. do Bom Sucesso do Rio Pardo, e a
vida de communicação mais commada, senão a unica, parece ter sido a estrada que
passava por Jacuhy. O vigario de Jacuhy, sendo proprietario do logar, declara
que combinou com o do Bom Sucesso para o socorro espiritual destes moradores,
reconhecendo assim implicitamente que nesta epocha elle, e provavelmente o
resto do povo de Jacuhy, considerava o districto como pertencente a S. Paulo.
Quando depois, em 1804 (pp. 446, 612, 615), o tenente Ignacio Alvares de
Toledo, em virtude de ordens recebidas do governador de São Paulo, collocou
marcos (provavelmente os que figuram no mappa annexo ao documento da p. 453)
definido a divisa assim reconhecida em 1786, o mesmo vigario achou
<<surrupticia>> a demarcação. Tendo renovado o ajuste de
conveniencia pessoal com seu collega removido para a nova freguezia da Franca,
elle lavrou o assento do Livro do Tombo, antepondo assim a sua divisão
ecclesiastica á civil estabelecida por ordem do governador de São Paulo.
Assim na occasião da creação da nova villa houve a
divisão civil contestada no civil e no ecclesiastico pelo vigario e pelo povo
de Jacuhy, e a divisão ecclesiastica contestada no civil pelo povo de Franca e
pelo governo de São Paulo, porém admitida no ecclessiastico pelo vigario de
Franca. Como a Alvará de 19 de Julho de 1814 (p. 726) fala do
<<territorio actual da freguezia de Jacuhy pelos seus actuaes
limites>>[42],
a nova [LXXXVII] camara achou-se auctorisada a arrancar o marco antigo,
levantar um novo na barra do ribeirão das Canoas e destruir o quartel
estabelecido no districto do Aterrado nas vizinhanças do dito marco. Assim não
julgou o governadro de Minas, que reprehendeu asperamente a camara e mandou
restituir o marco á sua posição antiga (p. 591). Pelos documentos á mão não se
póde saber se a camara de Jacuhy conseguiu do governador a revogação desta
ordem, ou se, inscrevendo-a <<em registro avulso>>, deixou
simplesmente de observa-la. A camara de Mogymirim, por ordem do governador,
lavrou o competente protesto (p. 610-617), e a de Jacuhy ficou com a cubiçada
posse do districto do Aterrado.
Ao mesmo tempo houve outra questão um tanto semelhante
entre as freguezias de Ouro Fino e Bragança. Alguns moradores no districto do
Rio do Peixe (região do Soccorro) eram servidos no espiritual pelo vigario de
Ouro Fino, que se queixou da opposição do capitão-mór de Bragança (p. 621), e
citou o facto de serem os moradores da Campanha de Toledo sujeitos á
administração civil de Minas, porém, por suas conveniências pessoaes, annexos á
freguezia de Bragança. Estipulando que a divisão ecclesiastica não havia de
comprometter a civil, o conde de Palma ordenou ao capitão-mór de Bragança que
respeitasse a divisão das freguezias pelo Rio do Peixe (p. 620).
Na correspondencia relativa a este assumpmto (p. 621) e á
inspecção da fronteira pelo commandante de Ouro Fino (p. 619) transpira que as
celebres áreas prohibidas estavam sendo povoadas e cortadas por estradas de um
modo perfeitamente natural, porém muito inquietador para os encarregados de
anutenção do statu quo ordenado pela Provisão Regia de 20 de Agosto de 1814. A
cinco leguas mais ou menos de Ouro Fino o commandante achou, posta pelos
moradores paulistas, uma tranqueira que, no seu entender, penetrava três leguas
para dentro dos limites da Capitania de Minas. A localidade conhecida pelo nome
<<Rancho Grande>> não póde ser precisava neste momento, mas é de
presumir que estivesse situada no actual districto do Socorro, ou nas suas
immediações[43]
[LXXXVIII] Tendo elle rompido esta tranqueira, a camara de Mogymirim
representou contra esta supposta invasão e recebeu ordem do Conde de Palma para
sindicar do estado dos limites baseando-se no <<Summario Vellozo e
Gama>> (p. 618). Em execução desta ordem a camara lavrou um auto (p. 699)
em que declarava que a divisa antiga era <<pela Serra Negra procurando a
Serra da Boa Vista>>. Para a marcar, foi fincado um marco no districto do
Rio Eleuterio além dos limites da propriedade do capitão José gomes de Oliveira
Franco (p. 6 33). A collocação deste marco foi reprovada pelo Conde de Palma
por não estar contemplada nas suas instrucções (p. 622). Os moradores mineiros
do districto reclamaram contra o marco que disseram reclamaram contra o marco
que disseram achar-se mais de uma legua para dentro do verdadeiro limite, que
era <<da Serra Negra ao alto da Serra da Boa Vista, rumo direto>>,
ou <<da ponta da Serra Negra á ponta da Serra da Boa Vista, ruom
direto>> (pp. 635-636). Ahi, portanto, as duas partes estiveram, nesta
epocha, de accordo na descripção geral da divisa, e a controversia parece ter
sido sobre a posição da linha recta ligando os dois pontos extremos, Serra
Negra e Serra da Boa Vista.
Uma outra questão na região de Bragança vem referida tão
vagamente (pp. 594, 608, 610) que não se póde precisar a localidade nem julgar
da sua importancia, que parece não ter sido grande.
Uma outra questão na região de Bragança vem referida tão
vagamente (pp. 594, 608, 610) que não se póde precisar a localidade nem julgar
de sua importancia, que parece não ter sido grande.
Na região do alto Sapucahy houve depois da ordem regia de
22 de Agosto de 1814 um período de calma relativa. A queixa de Salvador Joaquim
Pereira (p. 593) parece referir-se aos factos já acima mencionados da
administração anterior. A camara de Pindamonhangaba reclamou em 1815 (p. 596)
contra a prisão de um dos seus municipes pela guarda de Minas e teve em resposta
a ordem (p. 607) de resepitar e fazer respeitar a divsia estabelecida em 1811
não permitindo questões de terras sobre posses que se dizem pertencer a Minas e
que se mostrava terem pago ahi os respectivos dizimos. Foi talvez em virtude
desta ordem que Ignacio Caetano desistiu da sua questão com Salvador Joaquim
Pereira e outros dos suppostos intrusos que assim firmaram as suas posses no
districto, tanto assim que em 1820 Salvador Joaquim Pereira fez doação de
terreno para uma capella (p. 628). A localidade parece ser a actual Santa Anna
do Sapucahymirim. Em 1817 houve nova tentativa de mudança do registro mineiro
(p. 623), talvez a mencionada pelo vigario de Pindamonhangaba [LXXXIX] (p.
662), e no anno seguinte (p. 623) foi dada ordem pelo governo de São Paulo para
se facilitar a missão de um official do governo de Minas encarregado de
trabalhos relativos ao registro. É de presumir que foi nesta occasião que o
registro ficou definitamente collocado em Santa Anna de Sapucahy-mirim, onde
ainda permanece.
Na informação prestada ao requerimento dos descendentes
de Bartholomeu Bueno (Anhanguera), o donatario das passagens na antiga estrada
de Goyaz, pedindo a tapagem da estrada do Desemboque, o Conde de Palma
communica que esta tinha-se tornado a estrada principal para Goyaz,
principalmente no tempo das aguas, e faz judiciosas observadas sobre a
liberdade do commercio e a abertura de novas estradas (p. 581).
Durante a administração do governador João Carlos Augusto
de Oeyenhausen (1819-1821) foi expedida uma Provisão Regia (p. 625) pedindo
copia da memoria de Chichorro, naturalmente por já estarem gastos em aturados
estudos os dois exemplares anteriormente remettidos. No seu officio de
transmissão (p. 626) o governador pediu urgencia na solução da questão, visto
continuarem as incursões em quasi todos os pontos dos limites. A resposta em
AViso Regio de 27 de Outubro de 1820 (p. 626) extranhou que tivessem continuado
as incursões <<não obstante se achar tratando a Mesa do Desembargo do
Paço sobre os limites>> e ordenou que <<emquanto se não fixar a
demarcação dos limites se não mude registro nem alguem estabeleça fazendas nos
lugares duvidosos>>. Esta ultima providencia, se fosse exequivel e se
tivesse sido executada, teria condemnado á estagnação durante mais de três
quartos do seculo a região em que se acham hoje alguns dos mais florescentes
municipios dos estados de São Paulo e Minas.
As occorencias locaes desta administração, que ficaram
registradas, foram nos districtos de Mogymirim, Bragança e Pindamonhangaba. No
primeiro houve protesto de moradores e auctoridades (entre estas é digno de
nota o nome de Bento José Tavares) de Ouro Fino (pp. 632-636) contra o acto já
referido na camara de Mogymirim em collocar um marco no districto do Rio
Eleuterio. No districto de Bragança a questão (p. 628-630) parece ter sido
antes entre vizinhos daquelle municipio do que entre os povos das duas
capitanias. Mais séria foi a renovação das contendas no districto do alto
Sapucahy, município de Pindamonhangaba, que ainda continuaram nas admnistrações
seguintes.
[XC] Logo depois da revolução de 1821 o governo
provisorio de São Paulo teve de representar sobre factos occoridos no districto
do alto Sapucahy e o Principe Regente mandou activar os estudos da Mesa do
Desembargo do Paço (p. 636). Quasi ao mesmo tempo o governo provisorio de Minas
propoz que a questão fosse tratada directamente entre os dois governos por meio
de uma commissão mixta (p. 638). Sendo aceita esta proposta pelo governo de São
Paulo, este pediu a suspensão dos trabalhos da Mesa do Desembargo do Paço (p.
6370, e assim se perderam os resultados de tão prolongado e, sem duvida,
valioso estudo. Chegou-se a nomear os membros da comissão mixta e a marcar a
data e ponto da sua reunião (p. 642), porém esta teve de ser adiada por causa
da doença de um dos commissionarios mineiros (p. 643), e nunca masi se falou em
tão bella iniciativa.
Na ausencia da correspondencia da parte de São Paulo é
difícil saber exactamente o que foi contemplado neste porjecto de uma commissão
mixta. Evidentemente o governo de Minas não lhe dava importancia mais do que a
puramente local para a pacificação dos disturbios de Pindamonhangaba, e na
esperança (tão convencidos andaram sempre os Mineiros da justiça da sua causa e
do nenhum fundamento das pretensões paulistas) de novas aquisições de
territorio sem curar de concessões mutuas. O seu primeiro commissionario,
membro do governo provisorio, mostrou-se principalmente preoccupado (p. 646)
com a idéa de obter melhor fecho para a sua provincia e, a fim de ir-se
preparando um mappa topographico neste intuito, manteve o commandante do
registro cujas exigencias tinham dado origem á desordem. O governo de São Paulo
mostrou-se conciliador com os melindres mineiros a ponto de mandar sustar a
erecção de uma capella (talvez a de São Bento do Sapucahy) em logar que
considerava incontestavel (p. 644), e proceder de accordo com o commandante do
registro mineiro na tapagem de estradas (p. 645). Foi talvez por perceber e não
concordar nas restricções que o governo de Minas teve em mente que o de São
Paulo deixou cahir o projecto.
A situação no mencionado districto foi devéras por tal
modo complicada e exquisita que, com a melhor disposição de parte á parte, era
quasi impossivel conciliar os interesses das duas provincias. Não tendo
conseguido estabelecer o seu registro no alto da serra na garganta de Santo
Antonio do [XCI] Pinhal (unico ponto em que era possivel a rigorosa
fiscalisação em que tanto se empenharam, e isto mesmo só na hypothese de passar
á sua jurisdicção toda a região em cima da serra), os Mineiros viram-se
obrigados a recuar ás posse que Salvador Joaquim Pereira e outros tinham
conseguido manter no valle do Sapucahymirim. Constituiam estas uma estreita
nesga de terras encravadas no territorio paulista e uma situada de modo a
dominar as duas estradas principaes da região. Uma que vinha de Camandocaia era
exclusivamente, ou quasi assim, em territorio mineiro até o limite admittido
pelos Paulistas. A outra que vinha de Mandú (Pouso Alegre) tinha, rio abaixo, o
Bairro dos Cerranos (hoje São Bento do Sapucahy) que já em 1814 ccontava 60
fogos e 270 pessoas de confissão (p. 568) que teimaram em não se sujeitar á
jurisdicção mineira e que tiveram as suas vias de communicação mais antigas,
porém menos commodas, pelos campos do Jordão e pela assim chamada estrada de
Itapeva. O commandante do registro entendeu obrigar estes moradores paulistas a
servirem-se exclusivamente da estrada mais commoda pelo valle e pelo registro,
facilitando-lhes neste caso as contemplações que a situação exigia, ou
exclusivamente das estradas no territorio paulista impondo-lhes todos os
encargos do registro no caso de não taparem estas estradas. Sustentava esta sua
determinação com muita verbosidade e com uma certa dose de vituperação (pp.
647-660). Os infelizes moradores do districto estiveram dispostos a ceder (pp.
655, 656, 660), porém as auctoridades de Pindamonhagaba resistiram (p. 662). A
questão continuou até meados de 1823 e nada consta dos documentos á mão de como
ou quando acabou.
A contenda no município de Bragança sobre a estrada do
Curralinho (pp. 664-666) foi mais uma questão entre vizinhos do lado paulista
do que de limites propriamente ditos. A sua importancia com referencia aos
limites está em mostrar que em 1823 o registro mineiro permanecia perto de
Santa Rita da Extrema e presumivelmente no ponto onde foi primeiramente
estabelecido por ordem de Luiz Diogo, em 1764. Nos documentos que temos á mão é
esta a ultima referencia que se encontra á posição da divisa na antiga estrada
pelo valle do Jaguary. Quando e como a divsia avançou para a sua posição actual
no outro extremo do Morro do Lopo e cerca de duas leguas adiante da posição
primitiva é ponto que não se acha documentado. Por uma informação da camara de
Bragança a respeito das estradas parece certo que em 1852 o [XCII] limite
estava ainda em Santa Rita da Extrema. Conforme tradições locaes o vanço foi
feito por diversos estadios. É de estranhar que nos documentos de Bragança nada
se encontre a tal respeito.
No districto da Franca houve uma questão sobre a abertura
do porto da Rifaina (pp. 667-668) que também não foi propriamente negocio de
limites visto referi-se a um ponto sobre o Rio Grande abaixo da região
contestada. Era mais uma estrada que se abria de São Paulo para Minas nesta
região, sendo as antigas a de Goyaz que passava no Porto da Espinha e a do
Desemboque que atravessava o Rio Grande no Porto de Santa Barbara. A do porto
da Rifaina ficou depois conhecida com o nome da estrada do Sacramento.
A independencia do Brazil não modificou quanto era de
esperar as condições da questão de limites. A possibilidade de uma solução pelo
corpo legislativo do novo imperio ficou sendo uma simples possibilidade cujo
unico alcance pratico era de ainda mais enfraquecer a acção do governo na zona
da fronteira, de modo que debaixo do
imperio, ainda mais do que na epocha colonial, a questão de limites ficou
entregue ao jogo dos interesses e caprichos individuaes dos moradores e
auctoridades locaes da regiao. Cada um se declarava Paulista ou Mineiro
conforme as suas conveniencias pessoaes, que podiam variar de um momento para
outro, se, conforme rezam as chronicas, grande parte desta população era
composta de desertores e criminosos. Assim as oscillações constantes da linha
divisoria escaparam muitas vezes á attenção do governo e, pela maior parte,
deixaram de ser documentadas. A comparação da divisa no principio e no fim da
epocha imperial (tanto quanto é possível faze-la) mostra modificações
importantes sobre as quaes, como no já referido caso de Bragançna, não se
encontra documento algum. Os dois casos abundantemente documentados de Franca e
Eleuterio são provavelmente typicos de diversos outros que, por qualquer motivo
deixaram de figurar no archivo de São Paulo.
Logo depois da independencia circularam nos districtos de
Franca e Batates abaixo-assingnados pedindo a annexação destas freguezias á
província de Minas (pp. 672-673). Iso teria sido a realisação do antigo sonho
mineiro da divisa pelo Rio Pardo. As notícias conservadas sobre este movimento
separatista não lhe dão grande importancia, mas é certo que bastou para alarmar
a camara da capital que dirigiu uma [XCIII] energica e bem lançada
representação ao governo (p. 669) em favor da antiga pretensão da Franca a ser
erigida em villa. Satisfeita esta aspiração em 1824, a nova camara tratou logo
de restabelecer os limites antigos com Jacuhy restaurando na sua posição
primitiva o marco destruido em 1816 (p. 675). A camara de Jacuhy, imitando a de
Mogymirim em 1816 (p. 616), e quasi nos mesmos termos, respondeu exigindo a
exhibição de uma ordem superior. Tendo tido, porém, por gozo proprio,
experiencia da inanidade de protestos pacificos, tomou a precaução de demolir o
novo marco antes de lavrar o seu protesto (p. 675) e de acrescentar uma ameaça
de meios violentos caso não bastasse o simples protesto. A camara de Franca
protestou em termos pacíficos (p. 616) e resignou-se a admitir o limite
provisorio pelo Ribeirão das Canoas.
A já referida questão no districto do rio Eleuterio (em
1816-1819) parece ter-se suscitado entre pequenos posseiros que reciprocamente
se trataram de <<intrusos>>. Alguns annos mais tarde, em 1825,
começou uma outra contenda que ainda hoje não está de todo acabada. Os
princípios desta longa questão se acham bem documentados e, como exemplo
typico, vale a peena narra-los com alguma minudencia.
A acta da camara de Mogymirim de 1816 (p. 699) era
lavrada n'uma fazenda denominada <<do Ribeirão do Eleuterio>>
pertencente a José Gomes de Oliveira Franco, capitaão comandante do districto.
A divisão era reclamada pela camara paulista como sendo a antiga era
<<pela Serra Negra procurando a serra da Boa Vista>>. O marco
collocado nesta occasião e censurado pelo Conde de Palma deveia ter sido nas
immediações desta fazenda e não na Serra Negra como informou a Camara de
Mogymirim em 1834 (p. 711). Os reclamantes mineiros de 1819 habitavam um bairro
denominado <<Eleuterio acima>> que limitava rio abaixo com a
fazenda do capitão José Gomes de Oliveira Franco, e a divsa que elles e as
auctoridades de Ouro Fino reclamavam era da Serra Negra á Serra da Boa Vista
como detalhe que falta nos documentos paulsitas de correr <<rumo
direito>> (p. 635).
Entendo as duas partes de accordo nesta epocha sobre a
posição theorica da divisa, convem determinar com possível precisão os pontos
indicados. As denominações de <<Serra Negra>> e <<Serra da
Boa Vista>> eram indubitavelmente applicadas [XCIV] naquelle tempo, como
ainda hoje, os epigões entre o Camandocaia e Rio do Peixe (Serra Negra) e entre
o Mogyguassú e Jaguarymirim (Serra da Boa Vista). É de presumir que os pontos
indicados nos documentos de 1819 como os sextermos da linha divisoria eram os
em que as estradas licitas, ou mais frequentadas, cortavam outros espigões.
Estras estradas eram a antiga de Bragança a Ouro Fino passando pela Campanha de
Toledo e cortando a Serra Negra nas immediações do actual São José de Toledo[44], e uma estrada de Ouro
Fino para São João da Boa Vista. Conforme uma informação da camara de Mogymirim
sobre as estradas existentes em 1840[45], houve uma Guarda Velha a
duas e meia leguas de Ouro Fino na bifurcação das estradas para São João da Boa
Vista e a do Pinhal (Espirito Santo do Pinhal), e é lícito presumir que esta
guarda estava na Serra da Boa Vista ou nas suas immediações.
O acto do Conde de Palma, censurando a collocação de um
marco pela camara de Mogymirim, embora perfeitamente correcto, dava em
resultado animar as pretensões dos Mineiros, ao passo que de certo modo
desarmava as auctoridades paulistas para a ellas resistir. Já em 1825 houve
queixas (pp. 677-678) contra Bento José Tavares, capitão commandante do
districto de São Pedro de Ouro Fino que, no dizer dos Paulistas, queria
estabelecer novos marcos duasleguas para dentro [XCV] da divisa antiga[46]. Este mesmo commandante
tinha attestado em 1819 (p. 636) que a divisa era da ponta da Serra Negra á
ponta da Serra da Boa Vista, rumo direito, e que o marco da camara de Mogymirim
penetrava mais de uma legua nos limites de Minas. O capitão Tavares tinha
terras em ambas as provincias e procurava uni-las sob uma só jurisdicção dando
preferencia á de Minas. Assim elle pagou dizimos na villa de Mogymirim até
1827, e o inventario de uma fazenda em que era socio foi feito na mesma villa
(p. 701).
Ao mesmo tempo havia queixas contra o commandante de Ouro
Fino, capitão Antonio Correia Abranches Bizarro, a quem accusavam de dar
protecção a criminosos e desertores a bem das suas especulações em terras (p.
677). O que é certo é que este official negociava em terras[47] e, por licitas que fossem
as suas operações, eram em situações compromettedoras para quem estava
encarregado da execução do Aivso Regio de 27 de Outubro de 1820 que prohibia
estabelecer fazendas em logares duvidosos.
Alguns annos mais tarde (1830-1836) appareceram novas
queixas das auctorisdades de Mogymirim (pp. 695-714) contra instrusões mineiras
nos terrenos do já fallecido capitão José Gomes de Oliveira Franco, animadas e
protegidas pelo capitão Bento José Tavares. Ao que parece, houve um verdadeiro
estado de guerra, estando Tavares e os seus aggregados [XCVI] entrincheirados
em casa forte (p. 708). Nada mais consta dos documentos á mão sobre esta luta
que entretanto, conforme as tradições locaes, ainda continuou por muito tempo
sendo a parte mineira representada pelo coronel Emygdio de Paiva Bueno que
falleceu cerca de 1859. O certo é que a jurisdicção mineira se firmou até a
barra do Eleuterio pelo lado esquerdo do Mogyguassú, abrangendo o terreno que
era da propriedade do capitão José Gomes de Oliveira Franco.
Mais para o sul no districto do Rio do Peixe foi
organisada em 1830 a freguezia paulista de Socorro (p. 693) com limites que não
podem ser hoje precisados sem conhecimentos mais perfeitos da topographia e
historia local da região. Parece, porém, que não são os actuaes limites da
freguezia e do estado, e que mesmo naquelle tempo foram incluídos moradores que
eram considerados como pertencentes a Minas. O trafego para Minas dava
preferencia á estrada pela nova freguezia a ponto que em 1840 a estrada de Bragança
por Socorro foi declarada geral, ficando a antiga pela Campanha de Toledo
reduzida á categoria de estrada municipal (p. 949). Em virtude desta mudança, o
presidente de Minas pediu licença para mudar a recebedoria da Campanha de
Toledo para o logar denominado <<Guardinha>> dentro dos limites do
municipio de Mogymirim (p. 949). Depois, em 1868, foi concedida licença para
estabelecer uma vigia mineira no lugar denominado <<Grammal
Grande>>, no mesmo districto de Socorro (p. 880). A posição destes dois
pontos - Guardinha e Grammal Grande - não póde ser determinada sem conhecimento
mais exacto da topographia da região, sendo porém de presumir que, de
conformidade com a marcha usual, estão actualmente em territorio mineiro, ou
sobre a linha nominal da divisa. De facto num documento mineiro de 1894 se fala
de uma <<Guardinha>> sobre a linha divisoria, que muito provavelmente será o mesmo documento de
1840.
A questão da região do alto Sapucahy surgiu de novo em
1827 com um processo de despejo intentado pelos herdeiros de Ignacio Caetano
Vieira de Carvalho contra Antonio Modesto. As terras occupadas por este ultimo,
situadas proximo á Pedra de Itajubá ou de Bahú, tinham sido questionadas em
1813, quando Ignacio Caetano tentou defender com força os limites, reaes ou
suppostos, da sua antiga sesmaria contra pessoas de Camandocaia que se
estabeleceram na região com a protecção do capitão Manoel Furquim de Almeida.
[XCVII] Em virtude do Aviso Regio de 22 de Agosto de 1814 Ignacio Caetano teve
de sustar o seu pleito, e em 1816 o capitão Furquim de Almeida vendeu posses
sujeitas a este litigio (p. 683). Depois do despejo ordenado pelo ouvidor de
Pindamonhagaba, Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, auctor da
Informação de 1812 sobre a questão de limites, Antonio Modesto continuava a
occupar o sitio questionado sendo apoiado pelos commandante do registro de
Santa Anna de Sapucahymirim, que representou ao presidente de Minas contra a
invesão do territorio mineiro pelas auctoridades de Pindamonhangaba (p. 685). O
ouvidor, depois de um inquerito p 943. procedeu a novo despejo que deu motivo a
um appello ao governo geral no curioso requerimento de pp. 687-692. O
presidente de Minas tomou providencias para evitar a repetição das desordens
(p. 692); mas nada consta da solução dada á questão em si, ou de qual das duas
provincias ficava com as terras.
Uma nova tentativa, desta vez por meio de uma combinação
entre os governos das duas provincias, foi feita em 1839, para remover o
registro mineiro para a garganta de Santo Antonio do Pinhal (Quartel Queimado)
(p. 717), porém esta naufragou perante a tenaz resistencia da camara de
Pindamonhangaba (p. 947). Tres annos mais tarde a camara de Jaguary representou
ao governo geral pedindo a passagem para
Minas de todo o territorio paulista em cima da Serra da Mantiqueira (p. 949).
Os disturbios de São Bento do Sapucahy mencionados nesta representação parecem
ligados ás perturbações politicas de 1842 e não propriamente a uma questão de
limites. O governo mostrou certo interesse nesta pretensão da camara de
Jaguary, pedindo por tres vezes informações a respeito (pp. 949, 952, 953), não
sendo, ao que parece, attendido pela camara de Pindamonhangaba.
Alguns annos depois (1845-46) os moradores de São Bento
do Sapucahy representaram contra o imposto que eram obrigados a pagar no
registro mineiro em transito de uma parte para outra da sua propria provincia.
Nesta representação, que não foi encontrada, falaram do registro estabelecido
no territorio da sua freguezia, sendo porém provavel que, como depois em 1857
(p. 819), a referencia seja ao antigo registro de Santa Anna do Sapucahymirim.
A correspondencia do presidente de São Paulo (p. 718), porém, dá a entender que
era um outro novamente estabelecido, e nesta persuasão o ministro [XCVIII] do
Imperio deu ordem (p. 720) de retirar o registro, o que provavelmente não teve
execução. Um novo protesto, em 1857 (pp. 818-821), contra uma guarda mantida
nos campos do Jordão, em territorio que era effectivamente paulista não
contestado, ficou sem resultado visto que o seu estabelecimento datava de 1837.
Em 1858 ha noticias de duas novas estradas entre as duas
provincias (pp. 821-822); uma de Jaguary a São José dos Campos, passando pela
Serra dos Poncianos, e outra do Monte Santo até o Ribeirão das Areias para
communicar com a estrada de Campinas, sendo esta provavelmente a actual estrada
de Mocóca.
Depois da tentativa, em 1825, por parte da camara da
Franca para restabelecer no districto de Dores do Aterrado a demarcação feita
em 1804 por ordem do governador Franca e Horta, houve um longo periodo, até
1849, em que esta região parece ter permanecido quieta. Uma guarda paulista que
tinha sido mantida por algum tempo nas cabeceiras do Sapucahymirim, no lugar
chamado Guardinha, na estra de Batataes para São Sebastião e Jacuhy, tinha sido
abandonada; e as auctoridades de Jacuhy tinham exercido alguns actos de
jurisdicção sobre diverso moradores a oéste deste ponto e já no valle do
Sapucahymirim. Em fins de 1849 alguns destes moradores allegando que por
ignorancia tinham prestado obediencia a Jacuhy, fizeram uma representação á
camara da Franca declarando pertencer áquelle municipio (p. 723)[48]. À vista disto, a camara
da Franca propoz á de Jacuhy (p. 723) uma commissão mixta para examinar os
rumos da divisa conforme a indicação do Livro do Tombo da Villa de Jacuhy,
visto ter sido destruido por um incendio o registro relativo á mesma divisa
archivado na villa da Franca (p. 721). A camara de Jacuhy recusou este convite
(p. 724), allegando que não era <<da sua attribuição ingeri-se na feitura
de divisão civil, juridica ou ecclesiastica>>. A camara de Franca,
consultando o presidente da provincia (p. 721), teve ordem de manter <<as
divisas conhecidas de longo tempo>>, e então resolveu nomear uma
commissão sua para correr a divisa antiga, communicando esta resolução á camara
de Jacuhy (p. 725). Esta commissão balisou [XCIX] a linha passando pelos tres
morros mencionados no Livro do Tombo - Morro Agudo dos Carvalhaes, Morro
Redondo e Morro Sellado - ligando-os por linhas rectas (p. 723), das quaes uma
passava pela referida Guardinha. Ao norte do Morro Sellado a linha marcada
torcia para as cabeceiras do Ribeirão das CAnoas de modo a respeitar a posse
mineira do districto de Dores do Aterrado, o qual tinha sido encorporado ao
municipio de Passos. Contra esta demarcação a camara de Jacuhy protestou ao
presidente de Minas (pp. 722-730), allegando que a linha traçada chamada para
São Paulo cidadãos mineiros[49]. É para notar que neste
protesto, que foi documentação com a transcripção do Livro Tombo e o Alvará da
creação da villa, não se contestava a identidade dos pontos marcados - Morro
Agudo dos Carvalhaes, Morro Redondo e Morro Sellado. A questão parece ter
versado sobre o modo de ligar estes pontos. A camara de Franca queria faze-lo
por meios de linhas rectas, o que aliás estava de conformidade com a
phraseologia da certidão do vigario pe Jacuhy <<e no mesmo
correr>>. A camara de Jacuhy não definiu a linha que pretendia; mas
parece ter entendido que a linha deveria ser traçada de modo a lhe deixar todos
os moradores que até então ella tinha considerado como seus[50].
A camara de Franca, tendo communicado ao presidente de
São Paulo o seu acto em correr a linha divisoria (pp. 731-734), recebeu ordem
de restabelecer a divisa <<pelos logares que informa serem outr'ora os
reconhecidos>> (p. 734), isto é, a antiga Guardinha e o Quartel do
Aterrado. Esta ordem tem a mesma data que o officio do presidente de Minas
transmittindo [C] o protesto da camara de Jacuhy (p. 730). Em resposta a camara
da Franca levantou de novo a questão do districto de Dores do Aterrado (p.
735), mas não consta que fosse feita qualquer cousa a este respeito.
Em princípios de 1851 o juiz municipal da Franca, indo
fazer inventario numa fazenda situada a oéste da linha novamente corrida,
recebeu uma intimação, de não o fazer da parte do juiz municipal de Jacuhy, que
o ameaçava com o emprego da força (pp. 737-742). Dias depois o juiz municipal
de Jacuhy veio fazer o mesmo inventario acompanhado (conforme as informações de
Franca) de duzentos e tantos homens armados que arrancaram os novos marcos (p.
742). Estes acontecimentos foram pelos presidentes das duas provincias levados
quasi simultaneamente ao conhecimento do governo geral (pp. 744-746), que mezes
mandou colher documentos e informações a respeito das divisas (pp. 746 e 752),
ordenando ao mesmo tempo que se observassem provisioriamente os limites
reconhecidos antes da nova demarcação (p. 752). É a primeira vez nesta longa
contenda que o govenro, intervindo para mandar observar o statu quo,
restabelece o statu quo ante, sendo para notar que neste caso o emprego da
formula mais correcta teve o costumado resultado da intervenção do governo, o
de deixar a vantagem da posse com a parte que tinha recorrido a meios
violentos.
Em consequencia de uma referencia julgada menos exacta no
relatorio do presidente de Minas, a camara da Franca apresentou, em Dezembro de
1851, uma minuciosa e lucida exposição de toda a questão (pp. 747-752).
Em virtude das ordens do governo o presidente reuniu uma
serie de documentos (pp. 753-754) que foram pubulicados no seu relatorio de
1852 (pp. 757-765), nada havendo porém que esclarecesse notavalmente o
assumpto. Em officio ao ministro do Imperio o presidente José Thomaz Nabuco de
Araujo lembrou a conveniencia de mandar um engenheiro proceder a indagação no
proprio logar do conflicto e levantar a planta dos pontos contestados (p. 754).
O governo, porém, julgou dispensavel medida tão sensata e comezinha e reiterou
a ordem de colher documentos (p. 755) que, como era de esperar, nada
adiantavam. Entre estes havia um de inquerito de pessoas antigas do logar que
não foi publicado no relatorio e que não foi encontrado, mas que, no dizer do
presidente (p. 756), determinava a resolução definitiva da questão [CI] em
conformidade com a certidão do Livro do Tombo de Jacuhy. A solução dada,
mandando respeitar as posses antigas sem as especificar e definir, na opinião
do Dr. Nabuco de Araujo, <<augmenta as duvidas e incertezas e dá aso a
novas pretensões de invasão>>. Esta previsão do presidente foi logo
confirmada por uma representação da camara da Franca (p. 765) demonstrando a
quasi impossibilidade da fiel observancia da ordem do governo sem que fosse
corrida uma linha divisoria qualquer determinando com precisão a sua posição
entre os tres pontos distantes que serviam de balisas.
Em 1852, dois cidadãos da zona contestada, Antonio Alves
de Figueiredo e João Pedro de Figueiredo, que mostravam especial empenho em
pertencer ao município da Franca, apresentaram queixa (pp. 768 - 771) de
perseguição a que foram sujeitos por parte das auctoridades de Jacuhy. Na
certidão que acompanha esta representação é interessante notar que os
quarteirões reconhecidos no districto eram São Francisco, Morro Redondo, Araras,
Tomba Perna e Fortaleza, sendo os supplicantes moradores, conforme se vê no
mappa de Aroeira, junto ao Morro das Araras perto do ponto 7 do esboço da
pagina 845. Nesta epocha, portanto, Araras e Morro Redondo era reconhecida como
localidades distinctas.
Outra questão de inventario, desta vez entre auctoridades
de Jacuhy e Batataes, deu em 1855 começo a um conflicto (p. 817), que parece
não ter tido consequencias. Tambem sem consequencia foi uma questão em 1860
sobre a prisão de um barqueiro da Rifaina (p. 828), se é que não foi esta o
motivo de uma representação da parte de Minas que despertou o governo geral a
mover-se de novo no assumpto.
Para acabar de uma vez com a questão, o ministro do
Imperio, João de Almeida Pereira, lembrou-se de uma especie de commissão mixta,
porém organisada por um modo que é novo no genero e que não se recommenda muito
para uso futuro. Ordenou ao presidente de Minas que nomeasse um engenheiro para
proceder á fixação dos limites, devendo este <<marchar de accordo com as
respectivas camaras municipaes>> (p. 828). Ao presidente de São Paulo, em
logar de ordem identica, mandou que désse ordem á camara de Franca para
estender-se com o encarregado da demarcação nomeado pelo presidente de Minas
(p. 827). Devia entrar em acção, portanto, a engenhosa combinação de uma
commissão mixta composta de um delegado [CII] technico, representante immediato
de uma das partes contestantes e armado como poderes especiaes do governo geral
que haviam de ser exercidos conforme as ordens e instrrucções da dita parte e,
para representar a outra parte, uma camara municipal do sertão, sem instrucções
nem poderes alguns.
O delegado, nomeado pelo presidente de Minas Vicente
Pires da Motta (o mesmo que em 1850-51 tinha defendido valentemente as
pretensões paulistas), foi o engenheiro Francisco Eduardo de Paula Aroeira a
quem foram dados plenos poderes para, no caso de não poder conciliar as duas
camara, determinar provisioriamente os limites por sia (p. 846.)
O engenheiro Aroeira, depis de levantar um mappa
topographico da região (que muito abona a sua capacidade technica), formulou um
plano de divisão (p. 846) que propoz submetter a uma commissão composta de tres
cidadãos probos e desinteressados representando cada uma das camaras
interessadas (p. 836). A camara de Jacuhy, em logar da commissão perdida,
delegou plenos poderes ao proprio engenheiro Aroeira, que assim entrou na
conferencia como arbitro por parte do governo geral e advogado por parte da
provincia de Minas e do municipio de Jacuhy. Nesta conferencia os
representantes da Franca recusaram concordar no plano de divisão que, na
opinião delles, ia além das prtensões de Jacuhy, recusando igualmente uma
modificação proposta com o fim de conciliar os dois irmãos Figueiredo, os mais
recalcitrantes contra o dominio Jacuhyense (p. 860).
O plano organisado pelo engenheiro Aroeira estava
estrictamente de conformidade com as instrucções que recebera do presidente de
Minas (p. 846); estas instrucções, porém, eram mais proprias para um advogado
da parte do que para um arbitro. Elle teve ordem para demarcar as divisas,
tendo principalmente em vista os limites antigos <<em vista dos
documentos que lhe foram confiados>> e os accidentes naturaes do terreno.
Isto é, foi auctorisado a se guiar, como se guiou[51], pelos documentos
apresentados por uma só das partes interessadas. Entre estes figurava
naturalmente em primeiro lugar a certidão do ajuste amigavel entre os dois
vigarios em 1786, e com certea faltavam os que provavem que a divisa de 1804,
[CIII] marcada pelos dois quarteis, fora estabelecida por ordem do governador
de São Paulo Franca e Horta, bem como a ordem do governador de Minas Conde de
Palma mandando a camara de Jacuhy restabelecer em 1816 a secção Morro
Sellado-Rio Grande desta mesma divisa, e os documentos que ao Dr. Nabuco de
Araujo pareceram concludentes a favor da linha marcada em 1850. Pondo de lado
como irregulares os acontecimentos de 1804, 1825, 1850 e 1851, elle tratou de
restabelecer como unica legitima a linha de 1786, dando assim ao acto dos dois
vigarios valor legal superior ao do governador de São Paulo em 1804.
As balisas naturaes da linha de 1786 eram os morros
Sellado, Redondo e Agudo dos Carvalhaes. Sobre a posição e identidade dos dois
morroes que marcavam os extremos da linha, Sellado e Agudo dos Carvalhaes, não
houve contestação. O que determinava a posição e forma da linha era o ponto
intermediario, o Morro Redondo, e sobre esta appareceu em 1860 uma duvida que
parece não ter existido em 1850-51. Conforme o esboço da camara da Franca este
era um pequeno morro um pouco ao sul do Morro Sellado, e pelo auto da
demarcação de 1850 (p. 733) vê-se que era perto do ponto denominado Campo
Redondo. O mappa de Aroeira não dá nome a morro algum nesta posição (e não dá o
nome Morro Redondo em parte alguma), mas figura o Campo Redondo em posição que
corresponde com o esboço e documentos da camara de Franca.
Accusando a gente da Franca de levantar grande poeira
sobre o Morro Redondo (p. 857), o engenheiro Aroeira diz que uns o identificam
com o Morro Cabecinha ao norte do Morro Sellado, e outros mais atilados com o
Morro Alto, denominação esta que elle dá no mappa a um morro no outro extremo
da linha, e muito mais proximo ao Morro Agudo dos Carvalhaes do que ao Morro
Sellado (perto do algarismo 4 no esboço de p. 845). Desenvolvendo longa
argumntação contra a hypothese do Morro Cabecinha, elle despacha com uma
pennada a do Morro Alto, porém nenhuma referencia faz ao verdadeiro Morro
Redondo dos Paulistas, unico mencionado nos documentos da Franca que nada
conteem que por hypothese alguma possa ser applicado aos Morros CAbecinha e
Alto. Ao que parece, a hypothese relativa a estes dois morroes tinha sido
inventada, em nome do povo da Franca, pelos Jacuhyenses com o fim especial de
embrulhar o delegado do governo. [CIV] Se foi assim, o artificio serviu
admiravalmente. Com outra pennada elle identificou o Morro Redondo com o que no
esboço da camara da Franca e no seu proprio mappa tem o nome de Morro das
Araras.
Como já foi referido, o protesto da camara de Jacuhy
contra a demarcação de 1850 (p. 722) não contestou a identidade dos morroes
então marcados. Para incluir a propriedade de Leandro Pimenta, que estava em
qeustão em 1851, serviria linha attribuida ás pretensões jacuhyenses no esboço
da camara da Franca traçada do Morro Redondo (dos Paulists) ao Morro do Bahú.
Esta, porém, deixava para o lado da Franca as fazendas de Antonio Alves de
Figueiredo e João Pedro de Figueiredo, os principaes propugnadores da
rectificação da fronteira (p. 857), sobre as quaes se levantou questão em 1852.
Para as incluir era necessario baptisar o Moror das Araras com o nome de
Redondo e traçar a linha do Morro Sellado com uma quebrada pelo Morro da
Fottaleza. O interesse em sophismar o Morro Redondo era, portanto, muito maior
para Jacuhy do que para Franca, e póde-se presumir que a duvida foi levantada
nesta occasião. A ligação do Morro Sellado com o Morro Agudo conforme queriam
os de Franca dispensava uma balisa intermediaria, ao passo que para fazer esta
ligação por uma linha quebrada, conforme o desejo dos Jacuhyenses, era
indispensavel que o Morro Redondo sahisse fóra desta recta.[52]
Além das provas já mencionadas da identidade do Morro
Redondo e Morro das Araras, Aroeira apresenta uma serie de [CV] argumentos
sobre o que os antigos haviam de fazer e deixar de fazer, que são, pelo menos,
extremamente hypotheticos e só admissiveis na hypothese de que os antigos
tivessem os mesmos conhecimentos da topographia da região e o mesmo empenho em
favorecer uma ou outra capitania que havia no tempo do seu trabalho. Um destes
argumentos era que as tres balisas da linha haviam naturalmente de ser
proximamente equidistantes e intervisiveis entre si, como são os morros Agudo,
Araras e Sellados (p. 857). Porém neste caso a divsia de 1786 devia ter sido
por duas linhas rectas ligando estes tres pontos; e este modo de ligação, além
de ser o mais simples e natural, teria sido, de algum modo, uma conciliação
entre os dois contestantes. O engenheiro Aroeira, porém, interpretou as suas
instrucções de marcar a divisão <<tomando por balisas os accidentes
naturaes do terreno que sendo visiveis e conhecidos>> como significando
que devia fazer a ligação por um cordão de morros o mais continuo que fosse
possivel encontrar na região. Encontrou num documento antigo (não diz de que
data a auctoridade), uma referencia que dava a divisa <<por cima da
serra>>, e sobre esta base escolheu entre as diversas soluções possiveis
a que dava uma linha cheia de reentrancias todas dirigidas por um capricho da
natureza, de modo a favorecer as pretensões de Jacuhy á custa das da Franca.
Uma outra parte do plano de divisão, com que a commissão
de Franca não concordava, era a passagem da divisa pela parte occidental, em
logar da oriental, do Morro Sellado dando em resultado passar para o municipio
de Passos uma faixa de terreno que este não tinha reclamado (pp. 834, 841).
Contra a divisão que lhe estava sendo imposta, em nome do
governo geral, pelo delegado da provincia de Minas, a camara da Franca
protestou n'uma longa representação dirigida á Assembléa Geral em que, com
notavel habilidade e calma, discutiu os dados historicos e topographicos
favoraveis ao seu lado da questão (pp. 838-848). Indo esta representação ao
engenheiro Aroeira e á camara de Jacuhy para informar, estes se limitaram a
classifica-la como obra de despeito. O primeiro declarou que tinha a
consciencia tranquilla; que tinha executado exactamente as instrucções
recebidas, e que no seu relatorio tinha prevenido (com vituperio previo) esta
manobra da camara de Franca (p. 852). A camara de Jacuhy, além de exprimir a
sua satisfacção com a obra do engenheiro, attestou [CVI] que este era muito boa
pessoa e que deu cabal prova da mais completa imparcialidade alojando-se em
hospedaria em logar de aceitar a hospitalidade que lhe foi offerecida (p. 853).
O presidente de Minas que tinha dado ordem, antes da ida
da commissão, á camara de Jacuhy para sobrestar em qualquer procedimento contra
os moradores da zona contestada (p. 849), reiterou esta ordem depois de receber
o relatorio Aroeira <<até que a presidencia, informada de tudo quanto diz
respeito a este importante objeto pudesse com pleno e inteiro conhecimento de
causa determinar provisoriamente essas divisas>> (p. 851)[53]. No emtanto veio um novo
presidente, José Bento da Cunha Figueiredo, que transmittindo as informaçõeos
sobre a representação da camara da Franca aconselhou o governo geral a mandar
um engenheiro seu examinar a questão no proprio terreno (p. 851). O ministro do
Imperio, José Ildefonso de Souza Ramos (depois Visconde de Jaguary), não
aceitando esta judiciosa suggestão, mandou respeitar, emquanto a assembléa
geral não resolver o negocio, o limite marcado pelo engenheiro Aroeira
<<visto que, segundo elle informa no officio dirigido á Presidencia de
Minas Geras, esta demarcação funda-se sobre as divisas fixadas pelo Alvará de
19 de Julho de 1814>>. Ao que parece, a Secretaria do imperio não se deu
ao trabalho (que aliás era facil) de verificar a affirmação da camara da Franca
de que sómente depois do Alvará citado e por um acto da camara já constituida
de Jacuhy e censurado pelo governador de Minas é que a divisa passou para o
Ribeirão das Canoas, que a nova demarcação tomava como ponto de partida. Talvez
para a Secretaria do Imperio uma citação do Alcorão tivesse sido aceita como
igualmente concludente para o caso. A Assembléa Geral nunca tratou da materia,
e assim a divisa tem ficado até hoje.
O caso de Caconde em 1865 (pp. 866-870) é bem typico da
confusão em que tinha cahido o assumpto de limites, e [CVII] provavelmente
representa muitos outros em que pedidos locaes de instrucções claras e precisas
sobre os limites dos municipios ficaram sem resposta da parte do governo da
provincia que nada de definitivo podia dizer. A camara de Caconde, pedindo
copia authentica das suas divisas com Minas, recebeu em resposta uma
dissertação vaga (como a remettida ao governo geral em 1867, p. 876) sobre os
limites das duas provincias em geral, sem cousa alguma relativa ao caso
especial. Ao mesmo tempo foi dada ordem á camara de manter-se dentro dos
limites de posse não contestada, isto é de abandonar á parte contraria qualquer
terreno sobre o qual esta se lembrava de levantar conflicto, quando pelo
verdadeiro status legal da questão esta devia ter sido a norma a seguir por esta
parte.
Na occasião de se levantar, em 1867, um conflicto entre
as camaras de Caldas e São João da Boa Vista entrou um novo elemento na questão
que, sem que isto fosse claramente percebido de parte a parte, tem modificado
notavelmente a sua feição. Na informação prestada por parte do governo de Minas
vem uma descripção minuciosa (p. 873) da linha divisoria figurada pelo
engenheiro Henrique Gerber no seu mappa da provincia de Minas Geraes publicado
em 1862. Neste, que é trabalho de grande merecimento geographico, fez-se
abstracção da divisa pretendida no terreno de direito pela provincia de Minas,
e procurou-se traçar a divisa de facto de conformidade com os melhors dados
existentes sobre os limites da jurisdicção effectiva de cada uma das duas
provincias. Depois da publicação deste mappa, os Mineiros, sem o declarar
expressamente, parecem ter limitado as suas aspirações á manutenção da posse
nelle indicada. De outro lado, os diversos mappas publicados em São Paulo teem
reproduzido essencialmente a linha divisoria traçada por Gerber, de modo que
esta, por uma especie de tregua tacita, tem servido de limite nominal durante
os ultimos trinta annos.
Sendo assim, convem examinar ligeiramente o valor
juridico desta linha. Como todo o trabalho de Gerber, a linha é conscenciosamente
traçada. Nella, porém, como em todo o mappa que é apenas um esboço, faltavam,
como ainda hoje falta, dados topographicos para a traçar com a neccesaria
exactidaão e, nos casos de posse contestada, dados juridicos (e especialmente a
audiencia da outra parte interessada) para dar-lhe um valor decisivo no
assumpto. A linha representa, portanto, [CVIII] em esboço, o limite de posse,
contestada ou não, conforme era conhecido em Ouro Preto em 1862. Para a anter
no terreno do direito seria mister aos Mineiros identifica-la com a linha ideal
de Thomaz Rubim de 1749 <<acompanhando por um lado a estrada de
Goyaz>>, ou então com o limite dos actos de jurisdicção praticados por
Luiz Diogo em 1764.
Para resolver a questão entre São João da Boa Vista e Caldas,
o presidente de Minas, Saldanha Marinho, lembrou uma commissão mixta (p. 871).
O officio do ministro do Imperio consultando o presidente de São Paulo a
respeito não teve resposta, estando archivado com a nota de ter sido remettido
ao brigadeiro Machado de Oliveira para informar.
Conntinuando o conflicto entre os dois municipios, o
escrivão de Orphãos de Caldas ajuntou em 1874 uma grande serie de documentos
comprobativos de actos de jurisdicção (pp. 889-904), que é bem typica destas
questões locaes entregues por longos annos exclusivamente ao jogo dos caprichos
e conveniencias dos moradores da fronteira. O litigio versava sobre a
propriedade deixada por Antonio Martiniano de Oliveira que, no dizer da camara
de São João, era Paulista que passou para Minas por causa de uma questão
particular com o fundador da freguezia de São João (p. 905). Os seus herdeiros
querendo com o mesmo direito, e talvez por motivos semelhantes, voltar para São
Paulo eram confrontados com as provas da sua obediencia a Minas.
Como é natural, tratando de uma questãozinho de aldêa, a
nota predominante é a comica. Um inspector de quarteirão recebe a ccusa um
officio de Caldas, e uma semana depois declara que ha 5 ou 6 annos é inspector
por parte de São Paulo, onde fez selecção da sua residencia (p. 894). Outro
mais certo da sua geographia e da fonte da auctoridade que tinha exercido (ou
talvez tendo mais á mão os seus conselheiros paulistas) recusa e devolve a
ordem de Caldas (p. 893). O sitio de um caipira analphabeto, mais experto, era
paulista; porque o inspector mineiro, a pedido de um compadre, tinha deixado de
o arrolar na guarda nacional de Minas (p. 901). Um official de justiça de
Caldas indo fazer intimação para um inventario encontrou a viuva fugida (talvez
raptada) para São João (p. 896), onde o inventario estava já em progresso. Uma
auctoridade paulista firma o direito da sua provincia n'uma citação de Frei
Gaspar de Madre de Deos (p. 907).
[CIX] No emtanto a questão generalisou-se a ponto de
grande numero de moradores da freguezia de São Sebastião do Jaguary fazerem uma
representação pedindo a passagem de toda a freguezia para a provincia de São
Paulo (p. 882). Dos documentos á mão não consta acção alguma da parte do
governo de São Paulo, ou do governo geral, com referencia a esta representação.
O certo é que a freguezia ficou pertencendo a Minas, sendo depois elevada á
categoria de villa com o nome de Caracol ou Samambaia e incluindo, ao que
parece, os terrenos questionados da fazenda do Oleo.
As esperanças de uma solução legislativa da questão de
limites entre as duas provincias naufragaram do mesmo modo que as diversas
tentativas do poder executivo, e sobre o mesmo escolho, a inercia. Nunca o
assumpto foi abordado com bastante interesse e persistencia para deslindar a confusão
que se tinha creado em redor da questão, colloca-la nos seus verdadeiros termos
em direito e tira-la do terreno dos mesquinhos interesses individuaes e locaes
em que tinha cahido. Por diversas vezes, nas occasiões de um conflicto local
agudo, a questão foi levantada no corpo legislativo onde por alguns dias
despertou uma fraca manifestação de interesse seguida de silencio e de completa
indifferença.
A questão foi levantada pela primeira vez na Assembléa
Geral pelo deputado paulista. N. P. de C. Vergueiro, que apresentou, em 1827,
um projecto (p. 680) que no essencial era o estabelecimento da divisa do
Assento de 12 de Outubro de 1765. A commissão de Estatistica deu parecer
favoravel com uma emenda fazendo a divisão pelo Rio Lourenço Velho em logar da
parte superior do Sapucahyguassú, isto é, passando para São Paulo grande parte
do districto de Itajubá. O projecto, depois de uma ligeira discussão, ficou
adiado indefinidamente.
Em 1836 o Senado tratou da questão de limites
interprovinciaes em geral, chegando ao ponto de sollicitar do governo
informações sobre a conveniencia de fazer alguma alteração nos existentes (p.
714).
No anno seguinte a Assembléa Provincial de São Paulo
representou á Assembléa Geral sobre a necessidade da demarcação dos limites de
São Paulo com o Rio de Janeiro e Minas Geraes (p. 714); porém não consta que
esta representação fosse tomada em consideração.
[CX] Na sessão de 5 de Julho de 1850 foi apresentado na
Assembléa Geral um projecto assignado por cinco deputados auctorisando o
governo a restabelecer as antigas divisas, ou designar novas, entre os
municipios de Pindamonhangaba e Mogymirim e a provincia de Minas (p. 720). Este
projecto não teve andamento.
Os acontecimentos da Franca e Jacuhy em 1850-52 levaram a
Assembléa Provincial de São Paulo a pedir certas informações (p. 768), sendo o
pedido redigido em termos que implicam um protesto contra a solução dada pelo
Aviso de 14 de Fevereiro de 1852. Alguma cousa que houve na discussão desta
matéria motivou um pedido de explicações por parte do presidente de Minas (p.
772).
Durante os annos de 1851-52 houve um grande movimento
popular em favor da rectificação dos limites das provincias, ou a creação de
novas, sendo dirigidas á Assembléa Geral innumeras representações neste sentido.
As que se referiam á região sul-mineira eram em parte para a creação de uma
nova provincia constituida principalmente pela comarca de Sapucahy, em parte
para a passagem desta comarca para a provincia de São Paulo. Estas ultimas
foram dirigidas á Assembléa Provincial de São Paulo (pp. 772-809). Provinham
dos moradores da cidade de Pouso Alegre, das villas de Itajubá eJaguary e das
freguezias de São Caetano da Vargêa Grande, São José do Paraiso, Ouro Fino,
Campo Mystico, São José de Toledo, Santa Rita da Extrema, Capivary, Cambuhy e
Bom Retiro, em fim de todos os centros de população ao sul do rio Mogyguassú na
comarca do Sapucahy. A camara municipal da villa de Jaguary associando-se a
este movimento popular, representou protestando contra o projecto de uma nova
provincia (p. 801). A Assembléa Provincial, tomando conhecimento destas
representações, resolveu publica-las e dirigir uma repersentação sua á
Assembléa Geral (pp. 810-816). Esta submetteu a materia á sua commissão de
Estatistica que se limitou a pedir a opinião do governo. Um projecto,
apresentado pelo deputado F. Octaviano creando uma nova provincia do Sapucahy,
cahiu em primeira discussão depois de um discurso em opposição do presidente do
conselho, Visconde do Paraná; e não se tratou mais do assumpto.
Na sessão de 1859 um deputado mineiro, Agostinho José
Ferreira Bretas, renovou o projeto Vergueiro de 1827 [CXI] com uma variante
dando a São Paulo o districto entre os rios Lourenço Velho e Turvo a léste do
Sapucahy (pp. 822-826). Este projecto não chegou a entrar na ordem do dia.
O Senado reiterou em 1867 (p. 874) o seu pedido de 1836
de informações sobre os limites das provincias, ficando nista a intervenção
desta casa em negocios de limites entre São Paulo e Minas Geraes. Verdade é que
as informações fornecidas (pp. 875-880) não esclarecerem o assumpto a ponto de,
por si só, justificar qualquer acção da parte do Senado.
O advneto da republica, em 1889, offerece um ponto
natural para a terminação desta noticia historica, bem que a questão de limites
ainda não chegou a seu termo tendo mesmo apresentado algumas phases agudas
depois daquelle acontecimento. Uma das cuasas mais importantes da confusão que
desde o principio se tem creado em redor do assumpto, a falta de conhecimento
exacto da topographia da região contestada e da posição verdadeira dos pontos
que entraram em litigo, está sendo removido pelas operações das commissões
technicas que se acham occupadas no levantamento da carta topographica dos dois
estados. Estas operações, que estão sendo dirigidas de preferencia para a
região litigiosa sem de modo algum entrar na questão de limites, fornecerão
dentro de um prazo relativamente curto elementos muito desejaveis para a
discussão, e quiçá para a solução mais completa e intelligente da questão. Não
serão, porém, de modo algum uma solução que ha de ser dada pelos orgãos
legislativos e administrativos dos dois estados, ou da republica, e não pelos
corpos techinicos. A este compete fornecer os dados necessarios para o estudo e
discussão do assumpto pelo seu lado physico e, depois de ser elle resolvido
pelos poderes competentes, traçar sobre o terreno e nos respectivos mappas a
linha divisoria que foi determinada.
Um outro obstaculo ao estudo necessario para a completa
elucidação e solução da questão, a inaccessibilidade dos documentos a ella
relativos, será em parte removido pela presente collecção. Oxalá que ella possa
contribuir para colloca-la na sua verdadeira posição de questão de estado
tirando-oa do terreno escabroso da luta de caprichos individuaes entre a parte
da população menos apta para dirigir e resolver assumptos de tanta importancia
e complexidade.
[1] Sem conhecimento
minucioso da topographia da região é difficil comprehender este trecho. Pode-se
presumir que as cinco serras são esporões lateraes do valle do corrego
Passa-Vinte que a estrada atravessava na subida do espigão mestre da
Mantiqueira. O paragrapho seguinte parece sustentar esta hypothese.
[2] A denominação - Serra da Mantiqueira -
passou tão cedo a ser empregada como nome de uma cordilheira que é hoje muito
difficil determinar com exactidão a verdadeira posição dos pontos mencionados
nos documentos antigos como estando situados na serra. É quasi certo que no
principio o nome, conforme o uso popular, designava uma única feição
topographica, e que depois esse nome passou ao systema orographico ao qual
pertence esta feição. Em geral os nomes dos systemas de montanhas são dados
pelos geographos (como os de Serra do Espinhaço e Serra das Vertentes dados por
Eschwege em 1822) e não pelo povo, e o caso da Serra da Mantiqueira é um dos
poucos, se não o unico, no Brazil, de um tal denominação systematica creada
pelo uso popular. Já em 1743 temos este termo empregado em sentido generalisado
(p. 10). O extracto acima reproduzido da obra de Antonil dá provavelmente a
primeira occurrencia impressa do nome (com a forma antiga da Amantiquira) e
fixa a localidade da primitiva Serra da Mantiqueira no alto entre o ribeirão de
Passa Vinte do lado do Parahyba e o de Passa Trinta (hoje Passa Quatro) pelo
lado do Rio Grande, isto é, na garganta do Cruzeiro da cordilheira da
Mantiqueira.
[3] Como não há noticias
modernas exactas deste marco, é duvidoso se ainda existe ou não, constando,
porém, que na construcção da Estrada de Ferro Rio e Minas foi encontrado um
marco no alto em cima do tunnel.
[4] Conforme o Diccionario Geographico de
Saint-Adolphe' as minas de Campanha foram descobertas em 1720 sendo a freguezia
creada quatro annos depois. O seguinte documento confirma esta affirmação, que
também está de acordo com o que dizia em 1773 Ignacio Caetano Vieira de
Carvalho (p. 489) que uns 60 ou 70 annos antes Gaspar Vaz, chamado Ouyaguara,
abriu o caminho de Pindamonhangaba para Sapucahy rompendo as campinas de
Capivary, onde se acha a fazenda do dito Vieira de Carvalho (hoje Campos do
Jordão).
<<O Padre João da Sylva Caualo clerigo e Presbitero
do habito de Sam Pedro: Certifico, em como entrei nestas novas Minas de
Itajiba, em adjunto com Geraldo Cubas Ferreira com animo de assitir nellas, e
dahi a hum mes, pouco mais, ou menos; encontrou Gaspar Vas da Cunha, cujo
contando tando grandeza de Sapucahy, e com promessas altas, que me fizerão elle
dito, e outros mais; me reduzirão a seguir viagem com elles, e como depois de
chegados ao lugar me achasse no engano: tornei para estas ditas Minas : donde
estou assistente, por nellas achar ouro de sobra e com conta pello que tenho
visto em algumas esperiencias que fiz, e pello ouro, que tenho visto: tem
labrado o Guarda Mor, e seu genro, e camaradas, e o estarem estas Minas em má
openião por cuja cauza não vem gente a ellas: foi por cauza de hum cavalheiro,
escrever cartas a Tabay bathe dizendo: não havia ouro nestas Minas, e que
estavão bromadas; falço grandiozo, porque ao contrario tenho visto, e os mais,
que aqui se achào; não tirào sim de uma cata arobas de ouro mas sim tirào
couza, que os agrade; e por isto passar na realidade: Juro esta verdade in
verbo sacerdotis. Novas Minas da Itajiba em Novembro 3 de 1723 annos. - O
Padre, João da Sylva Caualo.
Em um documento de 1755 (p.63) ha referencia ao
<<Rio Sapucahy das Campanhas do Itajubá>>, donde parece que o nome
Itajubá (Itajiba no documento supra) é denominação antiga da actual cidade da
Campanha, ou alguma localidade na mesma região, A actual cidade de Itajubá, é
muito mais moderna, e tomou o nome das minas de Itajubá hoje Itajubá Velho ou
Soledade de Itajubá, logo adiante da Serra da Mantiqueira nas vizinhanças de
Lorena, cujo descoberto, conforme Vieira de Carvalho acima citado, era alguns
annos posterior á abertura da estrada de Sapucahy. Itajubá e também o nome
antigo da pedra hoje conhecida pelo nome de Babhú no districto de São Bento do
Sapucahy.
[5] Veja-se a carta de 8
de Junho de 1746 (p. 23). O original desta carta não foi encontrado. A copia
tirada em São João d’Elrei dá a data de 4 de Março de 1743 para a carta sobre a
questão da Campanha do Rio Verde. Esta carta, porém, refere-se ás posses das
quais uma (a do rio Sapucahy) foi tomada nesta mesma data de 4 de Março de
1743. Há talvez engano na copia, devendo o ano ser 1744 no logar de 1743.
[6] Chichorro dá esta
Provisão Regia como sendo a solução do conflito levantado em 1746 sobre os
terrenos o oeste do Sapucahy, emquanto D. Luiz Antonio de Sousa a considera
como tendo referencia ao conflito de 1743 (p. 235). Esta ultima interpretação
parece ser a verdadeira e a que concorda melhor com os termos da Provisão, os
quaes, na suposição de se referirem aos terrenos a oéste do Sapucahy, nada
resolvem. Além disto, a resolução a 30 de Abril de uma questão que se levantou
em Junho do anno anterior, embora possível, não estaria em harmonia com a
extrema deliberação (levada em geral á completa impossibilidade) que se nota
nos actos do governo portuguez em toda esta questão de limites. A resolução
marcando o alto da Serra da Mantiqueira (em logar do morro do Caxumbú) para a
divisa <<de toda que está desta parte (isto é, do lado mineiro) do Rio
Sapucahy>>, conforme a insinuação da carta de Gomes Freire de Andrade, é
inteligível, não o sendo porém na hypothese de ser a contenda a de 1746
relativa no território a oéste do Sapucahy. Para elucidar esta questão seria
conveniente conhecer a correspondência de Gomes Freire de Andrade. Na falta
dela a presumpção, tanto pela construção grammatical como pelos factos
conhecidos, é que o <<além>> na frase <<guarda-mór post por
esse Governo em um disticto além do
Rio Sapucahy>> se refere a São Paulo e não a Villa Rica como ponto de
partida.
[7] Até 1764 os Paulistas
ainda ocupavam o pouco importante descuberto do Itajubá nas cabeceiras do
Sapucahy um pouco á direita da sua corrente principal.
[8] Este nome figura no
auto de posse do Arraial de Santo Antonio onde parece que era morador em 1743.
Dizem outros documentos que era filho de Mogy das Cruzes. Em 1789 consta que
estava residindo no districto de Curitiba (p. 391).
[9] Mais próximas, em
linha recta, são as villas do valle do Parahyba, Taubaté, Pindamonhangaba e
Guaratinguetá, que provavelmente nesta época não tiveram vias de comunicação
directa com o novo arraial. Tendo sido feita a primeira entrada pelo lado da
Campanha, é provável que fosse aberta uma picada para S. Paulo passando por
Atibaia (que ainda era apenas freguesia) ou por Mogy das Cruzes. Em 1765 D.
Luiz Antonio de Souza ajuntou as certidões dos diversos actos de jurisdicção
exercidos pela Camara de Mogy das Cruzes que vêm estampadas no capitulo III,
sob os números 5 a 23 (pp. 25 – 39).
[10] Tres cartas trocadas
entre o Governador e Lustoza, que foram encontradas depois de impressa a
colecção referente a esta questão, acham-se no Appendice. (p. 911 – 913). Em
uma destas cartas o Governador diz ter recebido ordem de conferenciar com o
Governador de Minas, ordem esta que não consta dos documentos conservados.
[11] Os documentos de 1765,
tanto de São Paulo com do Rio de Janeiro (p, 223 e 253), attribuem os actos
deste Governador a uma aversão á Capitania de São Paulo; mas, se tal houve,
ella não transpira dos documentos á mão sobre a presente questão. Houve, é
certo, desejo de satisfazer aos Mineiros dando-lhes a desejada posse de Santa
Anna do Sapucahy, fixando o limite por uma linha que, com os imperfeitos
conhecimentos topográficos da região, parecia ser mais conveniente do que uma
linha fluvial, especialmente pelo interesse do fisco, consideração
preponderante em toda a administração colonial brasileira. A mesma preferencia
de uma divisa pelas serras é expressa pelo Governador Luiz Diogo (p.p. 272 –
273).
Onde Gomes Freire de Andrade claudicou lamentavelmente
foi em encarregar a solução de uma questão que interessava a duas partes ao
representante de uma só delas (a censura dirigida ao Ouvidor de São Paulo na
representação da Camara (p. 119) não tem fundamento visto que as autoridades
paulistas nem ordem nem convite tiveram para tomar parte da demarcação, (p.
42); em confiar uma importante operação geodésica a um leigo na matéria e
aceitar, pelo menos tacitamente, o processo deste a bico de penna como satisfazendo
ás suas instrucções que exigiam trabalhos de engenheiros com os competentes
instrumentos.
[12] O mappa de São Paulo
de 1766 dá uma fazenda de Carlos Barbosa na estrada de Goyaz, em posição que
corresponde proximamente á de Cajurú, cuja fundação foi devida a uma doação de
patrimonio em que figuram dous membros da família Barbosa e Magalhães (Bento e
José).
[13] O mappa de 1776, muito
exacto com referencias ás passagens de agua, representa a primitiva estrada de
Goyas acompanhando, pela margem esquerda em Ribeirão do Inferno que não figura
nos mappas recentes de S. Paulo. Os de Minas dão este nome ao ribeirão que
passa em Carmo da Franca e parece fóra de duvida que este seja o mesmo do mappa
antigo de S. Paulo. Conforme uma informação de Camara da Franca, em 1852, havia
naquella epocha quatro estradas cruzando o Rio Grande nos portos de Santa
Bárbara, Rifaina, Ponte Alta e Espinhos. O esboço que accompanha o documento de
p. 453 representa só duas estradas existentes em 1805, das quaes a do
Dezemboque é indubitavelmente a do Porto de Santa Barbara e a de Goyas concorda
melhor com a do Porto da Espinha do que com qualquer das outras mencionadas em
1852. Alguns mappas tem o nome de Anhanguera junto ao Porto da Espinha e, a ser
exacto (e não há motivos para duvidar), isto por si só basta para identificar a
passagem da antiga estrada de Goyaz.
[14] O auto diz-se ser feito debaixo do
juramento dos <<praticos, nobreza e povos que presentes se
achavão>>: o informante paulista de 1765 disse que os habitantes do
arraial se abstiveram do acto, ao passo que o Governador de Minas Luiz Diogo
Lobo da Silva disse em carta deste mesmo anno (p. 274) que a população o
recebeu com grande satisfacção e que as pessoas que tinham ido de São João
d'Elrei se abstiveram de tomar parte. Nenhuma destas affirmaçoes é
rigorosamente exacta. O auto leva 18 assignaturas além das do Ouvidor e Escrivão.
Entre estas, 5 eram de auctoridades de Santa Anna mais accessíveis do que o
guarda-mór Lustoza á eloquencia do Ouvidor, e 6, pelo menos, eram de
auctoridades de São João d'Elrei, visto que no auto da posse da igreja no dia
seguinte este número (entre os 11 nomes que vêm repetidos do auto de
demarcação) tem a declaração de postos officiaes. Restam 7 de filiação
indeterminável que, a não serem subordinados ou <<phosphoros>>,
representam o jubileu popular tão lyricamente pintados por Luiz Diogo, naturalmente
baseado em communicações officaiaes contemporaneos archivadas em Ouro Preto.
[15] Conforme refere
Accioli nas suas <<Memoria Historicas da Bhaia>> o Dr. Thomaz Rubim
de Barro Barreto foi depois chanceller da Relação de Bahia. Mandado em 1757
examinar as minas de salitre de Montes Altos, o seu relatorio foi julgado pouco
satisfactorio pelo Governador Conde de Arcos <<por falta de conhecimentos
praticos de todas as materias necessarias a tal fim>>. Pelo fallecimento
do Governo D. Antonio de Almeida Soares e Portugal, elles assumiu em 1760 o
governo da Capitania, não sendo, porém, approvada esta nomeação pelo Governo da
Lisboa que o mandou substituir.
[16] Esta mesma carta de sesmaria foi
remettida pelo Governador de São Paulo para a executar, em 1772, cinco annos
depois do Aviso Regio de 25 de Março de 1767 que se apresenta em Minas como
sendo a approvação regia da demarcação de Thomaz Rubim.
[17] Está em erro o Diccionario Geographico
de Saint-Adolphe dizendo que Caldas é o antigo Ouro Fino e que o nome do padroeiro
foi mudado de São Francisco de Paula para São Patrocinio. No registro
ecclesiastico do bispado da São Paulo, a actual cidade de Ouro Fino é a
freguezia de São Francisco de Paula de Ouro Fino, e a cidade de Caldas a
freguezia de Nossa Senhora do Patrocínio de Caldas do Rio Verde. Os mappas
antigos de Minas dão o primeiro geralmente com o nome de Ouro Fino, os de São
Paulo com o de São Francisco de Paula. O nome de Caldas não figura nos mappas
de Minas senão depois do de 1808, estando porém representado n'um mappa de São
Paulo que parece não ser muito posterior a esta última data.
[18] Pela maior parte os
nomes destas localidades não figuram nos mappas, bem que seja provavel que a
maior parte delles teem sido conservados e serão reconhecidos quando a região
for levantada topographicamente. São: Borda do Matto, Conceição do Rio Grande,
Desemboque, Ribeirão de Santa Anna, Corrego Rico, Ribeirão das Almas, Ribeirão
Grande, Os Macieis, Ribeirão do Pinheiro, Ribeirão de São Pedro de Alcantara e
Almas, Rio São João, Ribeirão dos Pinhaes, Ribeirão do Pinheiro, Conquista, e
Barra do Sapucahy. É provavel que alguns destes nomes sejam repetições.
[19] Em 1765 o Governador
de Minas Luiz Diogo Lobo da Silva justificou a posse que tinha tomado no anno
anterior ao sul do Rio Grande e Sapucahy com a razão de que os Paulistas não
tinham concorrido para a extincção dos quilombos. Já em 1755 os Paulista
andaram perseguindo os quilombeiros do districto do Desemboque que consideravam
como seu, ao passo que as operações referidas em territorio a que não tiveram
pretensões, eram em 1759. É para notar que em 1749 Gomes Freire de Andrade dá a
denominação de Quilombo a Ouro Fino, para onde se tinha retirado Martins
Lustoza e onde, na occasião da posse do anno seguinte, foi encontrada uama
capella.
[20]
É interessante
notar que, pelo mappa do seu itinerario apresentado por Luiz Diogo ao Conde de
Cunha e que vem reproduzido neste volume, para chegar a este ultimo logar, elle
teve de descer a Mantiqueira pela antiga estrada, entrar em São Paulo, passar
perto de Piedade (hoje Lorena) e tornar a subir a Mantiqueira pela estrada que
os Paulistas tinham aberto de Pindamonhangaba. Esta ultima foi mandada tapar,
abrindo-se outra nova em direcção opposta para Capivary.
[21]
É o que se
conclue dos termos da Aviso Regio de 4 de Fevereiro de 1765 que se refere a uma
carta de 13 de Julho de 1764 que não foi encontrada. À collecção original da
correspondencia do Conde de Cunha no ARchivo Publico do Rio de Janeiro faltam
alguns volumes, e a caopia do instituto Historico tirada em Lisboa não contem
carta desta data nem outra qualquer que se refira especialmente a Jacuhy.
[22]
O successor de D.
Luiz Antonio o accusa, entre outras cousas ainda mais feias, de ter sonegado o
registro das Cartas Regias. De todos os registros que ainda se encontram no
Archivo do Estado, o da administração de D. Luiz Antonio é o mais caprichoso. O
facto de se acharem algumas das cartas registradas por copia authenticada pelo
proprio Governador provavelmente deu pretexto a esta intriga de Martim Lopes
Lobo de Saldanha que, antes de estar um mez em São Paulo, rompeu nas mais
desabridas e baixas accusações contra o seu antecessor.
O tal registro traz as
longas instrucções do Marquez de Oeyras ao novo Governador referentes
principalmente á guerra no sul e sem uma palavra sequer sobre a extensão e
limites da Capitania pelo lado do norte. Muito curiosa é uma serie de 28
perguntas feitas por D. Luiz Antonio para o seu governo, as quaes descem até a
questão de etiqueta na mesa, porém tambem guarda silencio sobre a questão de
limites. Ao que parece elle julgou tão clara a sua missão a este respeito que
dispensava o pedido de instrucções especiaes. Não estando conhecidos na
occasião os actos de Luiz Diogo, não podia-se prevêr a tenaz resistencia que encontrou
a restauração da Capitania, nem a calculada indifferença do Governo a este
assumpto, tão importante aos povos do Brazil, porém tão insignificantes quando
visto de Lisboa com olhos offuscados pelas contribuições aureas da distante
colonia.
[23] Diversos documentos mineiros acusam
Pedro Dias Paes Leme de parcialidade, por ser natural de São Paulo. Parece,
porém, que na occasião elle estava mais ligado pelas suas funcções de
guarda-mór das minas á Capitania de Minas do que á de São Paulo, e em todo caso
elle tinha dado em 1748 prova de exempção de bairrismo opinando naquella
occasião em favor dos Mineiros e em prejuizo de sua Capitania natal.
[24]
Com muita
dignidade, D. Luiz Antonio limitou a sua queixa á unica phrase. <<Não sei
por que motivo ficou occulto ao meu conhecimento>> (p. 249).
[25]
As notícias
referecidas pelo alferes Sanches Brandão (p. 182) de que vinha força de São
Paulo assistir o movimento revoltoso, devem provavelmente ser levadas á conta
dos boatos da epocha. Nada indica nos documentos que D. Luiz Antonio tivesse
sequer conhecimento, senão muito depois, da projectada revolta, e o contraste
entre o seu modo de proceder com referencia ao alferes Sanches e o do Conde de
Valladares dá a entender que, se alguem perdeu o seu jogo pelos actos deste official,
esse alguem não foi o governador de São Paulo. A commissão dada ao coronel
Ignacio da Silva Costa com a reccommendação de reserva (p. 914) foi logo no
principio do disturbio e se referia á defesa da posição paulista sobre o Rio
Pardo. O espirito de todos os documentos conservados é defensivo e não
offensivo. A grande serie de documentos do appendice refere-se a acontecimentos
no porto do Rio Pardo em fins de 1711 que parecem anteriores á sedição de
Jacuhy, cuja data não é determinada. Da parte de Minas um official superior
alheio ás questões locaes prudentemente insinuou o abandono da posição tomada
sobre as margens do Rio Pardo (p. 932).
Outro episódio
interessante desta quasi guerra é a carta escripta do tronco de Jacuhy (p. 137)
<<donde não pretendo sahir ainda que me queira soltar emthé V. Mcê, dar
as providencias a isto.>>
[26]
Não consta
resposta alguma aos officios do Conde de Cunha e de D. Luiz Antonio sobre o
assumpto de limites. No Archivo de São Paulo ve-se que, pelo menos nos dois
primeiros annos do governo de D. Luiz Antonio, os seus officios eram
respondidos, ou pelo menos accusados, com admiravel regularidade e promptidão,
menos os relativos a este assumpto que nem nota de recepção tiveram. Por
qualquer motivo (que se póde presumir ser amor ás cem arrobas de ouro) o
governo de Lisboa entendeu guardar um silencio de esphinge sobre esta materia.
[27] Na hypothese da validade da demarcação
de Thomaz Rubim ainda haveria uma questão muito séria sobre o modo de traçar a
linha ao norte do morro do Lopo. Estando eliminado no auto de demarcação a
Serra de Mogyguassú das instrucções de Gomes Freire de Andrade, e não estando
determinado o ponto em que a linha devia encontrar o Rio Grande, só resta o
ponto de partida, o Morro do Lopo, e a expressão vaga << accompanhado por
um lado a estrada que vai de São Paulo para Goiases>> para fixar a sua
posição. Os diversos mappas de Minas apresentam alguns dos infinitos modos por
que um tal linha podia ser traçada; e são interessantes, porque reflectem a
opinião dominante na capital nas diversas epochas da sua confecção. Todos
mostram um curioso empenho em combinar os dizeres das instrucções de Gomes
Freire de Andrade com os do auto de Thomaz Rubim, augmentando assim
desnecessariamente as difficuldades de já difficil tarefa.
O mappa de 1767,
organisado debaixo da direcção do governador Luiz Diogo, traça um linha
essencialmente parallela á estrada de Goyaz, do morro do Lope ao porto do
Desemboque, arbitrariamente escolhido sobre o Rio Grande como o ponto de
encontro. Esta linha corre pelo cume de uma serie de serras figuradas quasi em
linha recta com uma notavel inflexão rodeando as cabeceiras do Jaguarymirim,
mas sem designação especial da Serra de Mogyguassú. Acham-se assim
perfeitamente combinados os dizeres da instrucção e do auto; mas no terreno não
existe a tal série de serras alinhadas.
O mappa de 1778 de José
Joaquim da Rocha representa uma serra isolada com o nome de Mogyguassú e traça
a divisa por uma linha recta do Morro do Lopo até a tal serra; e dahi, outra recta
até a estrada de Goyaz no registro paulista da Itupeva, donde segue a mesma
estrada do Rio Grande algumas leguas abaixo do Desemboque.
O mappa da C. L. Miranda
de 1804, que só representa um trecho da Serra da Mantiqueira e não dá nome á de
Mogyguassú, traça a divisa pelo prolongamento deste trecho até encontrar o rio
Jaguary, e por este rio abaixo até o ponto onde mais se approxima á serra que
pela sua posição deve representar a de Mogyguassú. Deste ponto vai a divisa em
linha recta até esta serra; segue o seu cume e depois, por uma linha
ligeiramente sinuosa, segue o prolongamento d'elle até encontrar o Rio Pardo
descendo por este até o Rio Grande. O mappa de L. M. S. Pinto de 1808 differe
do último em traçar a linha divisorio por uma recta desde a ponte do Jaguary,
passando pela Serra de Mogyguassú, até a estrada de Goyaz na juncção da estrada
que vai ao Desemboque e Jacuhy, com uma outra que nunca existiu á esquerda do
Rio Pardo, seguindo por esta estrada imaginaria até o Rio Grande.
Um mappa da Capitania de
São Paulo sem data nem nome de auctor, mas que talvez seja obra do coronel João
da Costa Ferreira, reproduzindo (em escala reduzida e com algumas ligeiras
modificações) o mappa de 1792 em Montezinho, procurou traçar a linha divisoria,
como declara na margem, <<conforme as ultimas ordens de S. Mage. por
carta de officio do Ministro e Secretario de Estado Francisco X.er de Mendonça
Furtado dirigida ao Vice-Rei Conde de Cunha (sic) com dat de 25 de Março de
1767>>. Neste a linha para Mantiqueira não attinge o Morro do Lopo; mas,
deixando aquella serra pelo espigão entre os rios Jaguary e Comandocaia, segue
por este até perto da barra do ultimo rio donde atravessa para as cabeceiras do
Mogyguassú, seuge por este até o registro de Ouro Fino, donde atravessa outro
espigão até o Rio Pardo perto das cabeceiras para descer por este até o Rio
Grande. A linha divisoria assim traçada, sem estar de accordo com as pretensões
de uma ou de outra parte, parece ser uma suggestão para uma linha de
conciliação que comtudo attende mais aos interesses mineiros do que aos
paulistas.
(A 16 de Agosto de 1821 o
Governo Provisorio de São Paulo mandou preparar pelo Brigadeiro João da Costa
Ferreira e Tenente Rufino José Felizardo uma copia mui exacta do mappa
topographico da Provincia. O mappa a copiar era o de 1792 apresentado por
Antonio Roiz. Montezinho quando subordinado a João da Costa Ferreira na
commissão de limites com Hespanha. Por um documento conservado na Bibliotheca
Nacional parece que João da Costa Ferreira considerava este mappa como obra
sua, e já elle tinha feito diversas copias com addicções e correcções. Ao
preparar a de 1821 podia ter achado a ocassião propicia para n'ella suggerir
uma divisa de conciliação entre as pretensões das duas provincias).
Os mappas modernos de
Minas (Wagner, 1855: Gerber, 1862; e Crockatt de Sá, 1884) procuram traçar a
linha pela posse effectiva, não apparecendo nelles preocupação alguma com os
dizeres dos documentos antigos. Os mappas modernos de origem paulista teem
copiado, com ligeiras modificações, a linha dada por Gerber em 1862.
[28]
Era esta a
doutrina muito correctamente mantida por D. Luiz Antonio (p.934), porém
esquecido por seus successores.
[29]
Nem este nem o
mappa geral da Capitania de Minas de 1767 traz o nome do auctor. Sabe-se,
porém, pela collecção de mappas organisada pelo Barão do Rio Branco para
accompanhar a sua exposição sobre a questão de limites com a Republica
Argentina, que houve em 1768 em Villa Rica um soldado de dragões chamado
Antonio Martins da Sylveira Peixoto que era habil geographo; e pouca duvida
póde haver de ter este sido o auctor do referido mappa. Foi, talvez, algum
degradado que tinha accompanhado, a commissão de demarcação de 1758, cujos
trabalhos elle reproduziu no seu mappa geral do continente reproduzido em parte
pelo Barão do Rio Branco.
[30] Ao que parece, a antiga estrada de Cabo
Verde a Ouro Fino e itinerario de Luiz Diogo, cortava o Rio Pardo perto da
barra do Capivary seguindo pelo valle deste rio.
[31]
É um tanto
difficil comprehender como foi entendida a divisa por esta parte nesta epocha.
As testemunhas do Summario <<Velozo e Gama>> em 1789 (pp. 375-410)
disseram que a divisa antiga era pelo registro de São Matheus e Rio Capivary. O
Rio Capivary entra no Rio Pardo um tanto acima da actual cidade de Caldas.
Parece que foi perto da sua barra que a antiga estrada de Ouro Fino a Cabo
Verde e Jacuhy cortava o Rio Pardo e que alli estava estabelecido Verissimo
João de Carvalho que, depois da posse mineira de Santa Anna do Sapucahy, em
1749, até sua morte (cerca de 1784 p. 370) era figura saliente desta região.
Verissimo tinha estabelecido por ordem do governador de Minas uma tranqueira na
beira da matta que margeia o Rio Capivary, provavelmente não muito distante da
actual cidade de Caldas. As rondas do registro de São Matheus se estenderam até
esta tranqueira; porém isto devia ter sido pela região aberta dos campos da
serra de Caldas, isto é, no lado esquerdo do rio. Pelo lado direito parece que
a occupação paulista nunca se estendeu além das cabeceiras do Bom Jesus.
[32]
Nenhum documento
paulista faz referencia ás ordens citadas de 1722 e 1743, e não se sabe o seu
conteúdo. É curioso que este escripto não cite o Alvará de 2 de Dezembro de
1720 e a Provisão Regia de 30 de Abril de 1747 cuja relação com a questão de
limites é a mais directa possível.
[33]
Pela carta de
Jeronymo Dias Ribeiro (p. 370) se conclue que foram <<Os Poços>>
que deram o nome de Caldas á região, e que a fazenda de Ignacio Preto de Moraes
estava situada na estrada para o registro de São Matheus e á vista do sitio dos
poços. Devia, portanto, ter sido perto da garganta do rio das Antas, donde
parece que a estrada do registro subia aos campos pelo valle deste rio, sendo
de presumir que a descida era pelo lado opposto do macisso na parte conhecida
pelo nome de Serra do Caracol. Com esta hypothese, é facil entender as duas
entradas de 1787 e 1789. A região dos campos de Caldas se approxima á antiga
estrada de Ouro Fino e Cabo Verde perto da actual cidade de Caldas, onde uma
quebrada nas serras dá facil accesso á região campestre. Fazendo ambas as
entradas por esta via parece que os Mineiros se dirigiriam na primeira para o
lado dos poços, e na segunda para o lado da Serra do Caracol.
[34]
Um <<Mappa
do Termo da Villa de Campanha da Princeza inteiramente fechado por huma parte
com os Registros que defendem os limites da Capitania, etc.>> conservado
na Bibliotheca Nacional sob o numero 3202 (acompanha o codice n. 6557),
representa os registros existentes em 1802. São: Jacuhy, Caldas, Toledo, Jaguary,
Itajuba e Mantiqueira.
[35]
Talvez fosse
depois deste acontecimento que se estabeleceu a guarda de São Pedro em posição
a dominar as communicações de Ouro Fino para São Pedro, viá o vale do
Jaguarymirim passando pela Serra da Boa Vista.
[36]
Estes marcos
foram provavelmente collocados pelo tenente Ignacio Alvares de Toledo que pouco
antes, em 1804, tinha sido commissionado a inspeccionar toda a linha divisoria
e providenciar sobre qualquer invasão que fosse encontrada. (p. 446). Os dois
marcos, representados no mappa apresentado em 1805 e que se acha reproduzido
neste volume, definem o alto do espigão que termina no ponto Dezemboque
designado por Luiz Diogo como ponto terminal da linha divisória. Assim quem os
collocou observou (provavelmente sem intenção) estrictamente os termos do Aviso
Regio de 25 de Março de 1767. Nesta epocha, porém, a opinião dominante em Villa
Rica 9expressa nos mappas de 1804 e 1808 e nas communicações que deram origem á
Provisão Regia de 10 de Abril de 1815, p. 581) era que a divisa devia ser pelo
curso do Rio Pardo, ultrapassando assim a interpretação mais lata que se podia
dar á demarcação de Thomaz Rubim.
[37] Entretanto é certo que o auctor da
informação teve esta correspondência á vista; porque cerca da metade da sua
collecção de documentos foi evidentemente extrahida da que acompanhou a
exposição de D. Luiz Antonio de Souza, de 12 de Dezembro de 1766 (pp. 228 -
241); sendo porém omittidos alguns da maior importancia, como, por exemplo, o
auto de Thomaz Rubim. Este silencio, que parece ser proposital, sobre os
grandes esforços de D. Luiz Antonio em prol dos antigos direitos de São Paulo
prejudicava extraordinariamente a causa que o auctor defendia, deixando ficar
esquecido o facto de que o verdadeiro aspecto legal da questão era o statu quo
convencionado entre os dois goverandores em 1767; que o Aviso Regio de 25 de
Março de 1767, <<o palladio dos governadores e Capitães Generaes de
Minas>> (p. 535), não tinha maior alcance do que o de 22 de Julho de 1766
(p. 283), e que o proprio Luiz Diogo não attribiu a este Aviso o caracter de
<<palladio>>.
Um exemplo frisante da
inconveniencia deste silencio sobre os episodios da questão do districto do Rio
Pardo em 1765 - 1772 é fornecido pelas duas Provisões Regias de 10 de Abril de
1815 (p. 581 e 583), perguntando, no mesmo dia, a respeito da execução do
Assento de 12 de Outubro e porque a divisa antiga tinha sido removida do Rio
Pardo (onde nunca esteve). Ao que parece, a MEsa do Desembargo do Paço, no seu
estudo da questão, não teve outras informações senão as incompletas e
apaixonadas de data recente, e ingenuamente acreditava que a divsa podia estar
ao mesmo tempo no Rio Sapucahy e no Rio Pardo.
[38] O copista da secretaria de São Paulo
quasi sempre escreve <<Aridas>>
[39] As sesmarias n'esta região de que se
temm encontrado notícia são: - de 27 de Setembro de 1790 a Ignacio Caetano
Vieira d eCarvalho, João de Brito Marinho e Manoel José Botelho Mosqueria: - de
22 de Junho de 1795 (1 1/2 legua de testada e 1 1/2 legua de sertão) a Manoel
Monteiro de Castilhos, José Marcondes do Amaral e Manoel Cerqueira Cesar: - de
19 de Outubro de 1795 (1 1/2 légua de testada e 1 1/2 legua de sertão) a
Domingos Moreira Cesar e Salvador Leite do Prado, e de 11 de Novembro de 1785
(2 leguas de testada e 1 1/2 legua de sertão) a José Homem de Mello, Agostinho
MArcondes do Amaral, Manoel de Olivveira Silva e Joaquim de Oliveira Silva. As
descripções destas sesmarias são com referencia ás anteriores de Felippe
Moreira da Costa (que passou a Domingos Marcondes do Amaral) e Gaspar Nunes de
Mendonça, sem detalhes topographicos que sirvam para as identificar. A
determinação da posição de limites destas antigas sesmarias daria,
provavelmente, a explicação de muitas exquisitices da linha divisoria
actualmente respeitada.
[40]
Este mappa foi
publicado em 1874 pela lithographia do Archivo Militar, porém sem indicação da
sua origem e data. A modificação mais importante feita no mappa de 1792, sore o
qual foi evidentemente calcado, é a a introducção da Villa Franca em posição
que corresponde melhor com a de Cajurú.
[41] Ao passo que D. Manoel de Portugal e
Castro defendia como podia e como lhe competia a posse effectiva da Capitania
de Minas, elle externava a sua opinião pessoal em favor de <<limites
naturaes e perpetuos>> (p. 590), observando muito judiciosamente a
respeito de uma nova demarcação (p. 587) - <<Esta diligencia porém só se
poderá effectuar á vista de uma carta mui cirumstanciada e exacta na qual,
demonstrando-se os terrenos limitrophes, ouvidas todas as partes interessadas, e
as pessoas mais intelligentes d'aquelles paizes, possão escolher os rios, e
serras, que melhor sirvão de divisa ás duas Capitanias, tanto para a segurança
dos direitos regios, e para acautelar extravios, como para a commodidade dos
povos>>
[42]
Poucos mezes
depois, no Alvará de 25 de Fevereiro de 1815, creando na mesma região a
freguezia de Batataes, o governo empregou uma redacção explicita e adequada ao
caso - <<dividindo com a freguezia de Jacuhy pelos marcos da
capitania>> (p. 747).
[43]
Nesta epocha a
principal estrada para Minas e a unica legalisada parece ter sido a que de
Bragança passava pela Campanha de Toledo. A de Socorro, que depois se tornou a
principal, ou não existia, ou era <<extravio>>.
[44]
O mappa de Minas
publicado em 1862 por Henrique Gerber representa a divisa correndo de São José
de Toledo para Espirito Santo sobre o Rio do Peixe e cortando o espigão com uma
configuração irregular que parece ser dada por uma estrada.
[45]
<<Pelo que
respeita a estrada de communicação deste Município com a Provincia de Minas
Gerais, vem a ser - as vias de communicação d'esta villa e Freguezia de
Mogymirim, que se diz estrada de Eleuterio. As vias da Freguezia de Mogyguassú
que se diz a estrada do Pinhal, e as das Freguezia de São João da Boa Vista, ou
Jaguary que vai juntar-se já dentro do territorio de Minas algumas cinco leguas
em um lugar chamado Guarda Velha para para cá da Povoação denominada Ouro Fino
duas leguas e meia. Assim como as da Freguezia de Csa Branca, que se dirigem a
Caldas e Cabo Verde, Povoações de Minas. Também as da Freguezia de Caconde que
comprehende terreno de cá e de lá do Rio Pardo e se dirigem umas a Caldas e
outras ao Curato de Santa Barbara e a diversos pontos de Municipio de Jacuhy da
Provincia de Minas Gerais>>. (Informação de uma commissão da Camara de
Mogymirim a 4 de Julho de 1840).
[46]
Em 1819 houve por
parte de Minas um <<Quartel da Picada de Mogymirim>> (p. 635)
(provavelmente na estrada do Eleuterio) e o <<Quartel do districto de São
Pedro de Ouro Fino>> (p. 636 que provavelmente é a Guarda Velha
mencionada em 1840. O mappa de Rath de 1877 dá <<Guarda de S.
Pedro>> em posição que combina muito bem com esta hypothese. Da parte de
São Paulo houve (em 1825) um Quartel de Mogyguassú (p. 678) e <<Quartel
do districto do rio acima>>. Quando a região for levantada
topographicamente deve ser facil identificar estas localidades. Outros pontos
mencionados nos documentos e que devem ser identificados para a comprehensão
clara desta historia são, Ribeirão da Cachoeira (p. 678), Ribeirão da Barra
Grande, corrego da Porteira e Alto do Barreiro (p. 701).
[47]
Na discussão
havida em 1894 foi apresentada certidão de um titulo de venda com data de 16 de
Abril de 1826 de <uma sorte de terras que houvemos por compra que fizemos ao
Capitão Antonio Correia Abranches Bizarro, cujas terras sitas na paragem
denominada Poço Fundo da parte do morro da Balea>.
[48]
O districto em
questão era o da Lagoa Rica onde duas cartas de sesmaria concedidas em Minas
tinham sido transferidas para São Paulo em 1807 (pp. 482-487).
[50]
O esboço
apresentado em 1860 pela camara da Franca e reproduzido (com reducção da
escola) a p. 845, representa muito regularmente as feições topographicas da
região conforme se verifica por uma comparação com o mappa levantado na mesma
epocha pelo engenheiro Aroeira. A linha marcada em 1850 ligava os pontos 5, 4,
3, 2 e 6 deste esboço. A attribuida á camara de Jacuhy concorda com esta entre
os pontos 6, 2 e 3, indo em rumo direito de 3 a 12 e 13 onde quebra com uma
outra recta a 5. Bem que os detalhes desta linha sejam dados pela parte
contraria, nada ha nos documentos á mão que indique não representarem elles a
verdade da questão de 1850, na qual não apparece contestação sobre a identidade
do ponto 3 que figura no esboço com o nome de Morro Redondo.
[51] <<Tendo em vista os documentso que
V. Exa. me confiou>> (p. 856).
[52]
Não estando
presentes os documentso citados pelo engenheiro Aroeira no seu relatorio (p.
858) para estabelecer a identidade do Morro Redondo e Morro de Araras, não se
póde avaliar o seu valor juridico. É para notar que o attestado de Francisco de
Paula Queiroz, dizendo que a fazenda da Fortaleza da familia Figueiredo era
áquem da linha divisoria, foid ado na occasião em que as auctoridades de Jacuhy
levantavam questão com Antonio Alves e João PEdro de Figueiredo e que o
inventario da mesma fazenda parece ter sido feito depois desta data e no
periodo em que por ordem do governo eram respeitadas as posses pretendidas por
Jacuhy. O attestado do padre Manoel Coelho Vida, ao passo que diz que o Morro
das Araras faz parte da divisa, dá o nome de Redondo ao Morro Cabecinha,
parecendo portanto ser um pouco confuso nos dados topographicos. O facto citado
por Thomé Garcia e Bernardo José não pôde ser avaliado por não figurar a
posição das suas propriedades no mappa organisado pelo egenheiro Aroeira.
[53] Esta ordem foi dada pelo presidente
Vicente Pires da Motta, o mesmo que tinha nomeado e dado instrucções á
commissão. O seu sucessor José Bento da Cunha Figueiredo transmittiu as
informações sobre o protesto da camara da Franca em termos que mostram que as
achou pouco concludentes. O vice presidente Joaquim Camillo Teixeira da Motta
no relatorio de 1862 diz: <<Não sendo approvados por esta Presidencia os
trabalhos do dito engenheiro, foi em consequencia ordenado que continuasse a
questão de limites no estado em que d'antes se achava>>.