INTRODUÇÃO DE ORVILLE DERBY AOS DOCUMENTSO INTERESSANTES v.11 - 100 páginas - sem correção e sem comentários

ARCHIVO DO ESTADO DE S. PAULO
PUBLICAÇÃO OFFICIAL
DE
DOCUMENTOS INTERESSANTES PARA A HISTÓRIA E COSTUMES DE S. PAULO
VOL. XI


DIVISAS DE S. PAULO E MINAS GERAIS
S. PAULO
TYP. A VAP. - ESPINDOLA, SIQUEIRA & COMP. - R. DIREITA, 10 A
1896
PREFACIO
            Entre os diversos assumptos administrativos que teem occupado a attenção dos successivos govenros da antiga Capitania, hoje Estado de S. Paulo, dando occasião á accumulação de documentos officiaes em seu archivo, nenhum é tão rico em dados historicos como a secular questão de limites entre S. Paulo e Minas Geraes.  Na correspondência trocada entre o governo de São Paulo e os de Minas Geraes, Rio de Janeiro e Lisboa e com as diversas auctoridades locaes relativamente a esta questão, acham-se documentados innumeros factos historicos referentes ao povoamento e desenvolvimento da vasta região interessada ao sul do Rio Grande - factos que, a não existir esta contenda, jamais teriam sido registrados. Em outras regiões dos dois Estados os primórdios da occupação e desbravamente do vasto sertão pela descoberta de novas minas, a abertura de novas estradas, a fundação de novos centros de população, e outros factos mais, acham-se envolvidos em muita obscuridade, apenas conservados por tradições de authenticidade duvidosa, ou registrados em archivos locaes, já em grande parte destruidos. E regra geral póde-se dizer, mesmo em relação á actualidade, que mui retardadas e incompletas chegam aos centros administrativos as notícias do interessante movimento da guarda avançada da população, estando esta, muitas vezes, mais affeita a esquivar-se á attenção do Governo do que a chama-la sobre si. E quando aconteça que desde o princípio recaia sobre ella a attenção do Governo, esta como que manifesta-se por actos de mero expediente que, registrados, o são de modo que facilmente escapam ás pesquizas do historiador.
No caso, porém, de ser o territorio novo situado entre dois pretendentes que disputam a sua posse, mantendo cada um nas suas raias postos fiscaes e de vigilancia, qualquer movimento de avanço de um ou de outro lado torna-se logo um objecto de reparo, senão uma grave questão de Estado; e assim fica, muitas vezes, mais completamente registrada a sua historia primitiva do que a subsequente. É este o caso da região disputada entre São Paulo e Minas Gerais. Os documentos desta contenda são aqui apresentados, não somente como uma contribuição para a historia da questão de limites em si, mas tambem para a historia das localidades e para do desenvolvimento geographico de uma parte do territorio nacional tão importante que a sua elevação á categoria de Estado independente tem sido muitas vezes lembrada.     
Sobre a questão ainda pendente dos limites dos estados de São Paulo e Minas Geraes já appareceram duas collecções de documentos: uma, feita em 1812 pelo então secretario da Capitania, Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, e impressa por ordem da Assembléa Provincial, em 1846. e outra, reunida por mão desconhecida e impressa, em 1894. na serie de documentos interessantes para a historia de S. Paulo que está sendo publicada pelo Archivo do Estado.
            Tendo tido occasião (por necessidade dos trabalhos cartographicos da Commissão Geographica e Geologica de São Paulo a meu cargo) de verificar que as duas referidas collecções encerravam apenas uma pequena parte dos documentos existentes, acceitei o convite do digno director do Archivo do Estado, Dr. Antonio de Toledo Piza para collecionar e coordenar tudo que fosse possível encontrar referente a este assumpto. Cabe-me o grato dever de agradecer ao dito director e ao pessoal do Archivo a seu cargo o efficaz auxilio que me prestaram na execução desta tarefa, a qual, na sua parte material, é quasi exclusivamente obra do amanuense da Comissão Geographica e Geologica, Dr. Melchiades da Boa Morte Trigueiro, que com admiravel paciencia e perspicacia conseguiu decifrar quasi por inteiro diversos documentos que, á primeira vista, pareciam totalmente perdidos pela acção destruidora do tempo. Alguns documentos que faltavam no Arqchivo do Estado foram obtidos, por copia, da Bibliotheca Nacional, Instituto Histórico, Archivo Público, Archivo Militar e Archivo do Congresso Federal do Rio de Janeiro, graças á gentileza dos directores deste estabelecimento e aos patrioticos eforços do digno paulista, Barão Homem de Mello. Alguns documentos, que foram encontrados muito tarde para se incluirem no logar competente, acham-se reunidos no appendice.
            Tanto quanto se póde julgar pelas pesquizas feitas, a presente collecção inclue tudo quanto se podia esperar encontrar nos arquivos públicos de São Paulo e Rio de Janeiro, relativo a esse assumpto. Alguns documentos, outro'ora existentes nestes archivos, ou desapareceram pela acção do tempo ou extraviaram-se nas mãos de algum colleccionador de papéis velhos; felizmente, porém, parece que estes nem são em grande número nem de grande importancia. Muitas das lacunas patentes da presente collecção poderão provavelmente ser suppridas pelo Archivo do Estado de Minas Geraes, que, de mais a mais, deve possuir muitos outros documentos de grande interesse para a historia local e para a elucidação completa da questão de limites. É muito para desejar que taes documentos vejam algum dia a luz da publicidade.
            Em vista da grande e inesperada massa de documentos aqui apresentadas pareceu-me conveniente precede-los de um ligeiro commentario que de algum modo resuma a historia nelles contida e sirva de apontar aquelles que, no acto de coordena-los, me pareceram de maior interesse e importancia.
            S. Paulo, 24 de Dezembro de 1896.

                                    Orville A. Derby

INTRODUÇÃO

            Na occasião da creação de um governo independente na Capitania de São Paulo com a nomeação, em 1709, do primeiro Governador e Capitão General, Antonio de Albuquerque Coelho (pág. 3), a população fóra do litoral e do districto que forma o actual Estado do Paraná, achava-se concentrada nas vizinhanças da Capital e das villas de Sorocaba, Itú, Jundiahy e Mogy das Cruzes, no valle do Tieté e ao longo do Parahyba até Guaratinguetá. As diversas incursões dos bandeirantes no interior do paiz não tinham produzido estabelecimentos nem vias de communicação permanentes, salvo na região que foi depois destacada para formar a Capitania de Minas Gerais. Os centros de população ácia mencionados eram ligados por estradas que communicavam com o litoral por uma estrada de São Paulo a Santos e outra de Taubaté a Paraty. Poucos annos antes desta epocha a descoberta do ouro nas cabeceiras de diversos dos affluentes do Rio Grande, Doce, e São Francisco tinha creado vários centros de população no interior, que já rivalisavam com os da antiga Capitania dos dontarios e que eram ligados com o da referida rede de viação por uma estrada que entre Guaratinguetá e São João d'Elrei atravessava um sertão bruto com apenas um ou outro morador estabelecido em pontos favoraveis para negociar com os viandantes.
            O precioso roteiro que vem estampado na obra de Antonil intitulada <<Cultura e Opulencia do Brazil>>, publicada em Lisboa em 1711, dá um quadro muito exacto e graphico das condiçoes desta estrada nesta epocha (uns dez ou doze annos apenas depois da sua abertura), merecendo ser reproduzido por extenso.

            [XXXVI]
<< Roteiro do Caminho de S. Paulo para as Minas Geraes, e para o Rio das Velhas>>.

            <<Gastão commumente as paulsitas desde a villa de S. Paulo até Minas Geraes dos Cataguás pelo menos, dons mezes; poruqe não marchão de sol a sol, mas até o meio dia; e quando muito até huma, ou duas horas da tarde: assim para se arrancharem, como para terem tempo de descançar, e de buscar alguma caça, ou peixe, onde o ha, mel de páo, e outro qualquer mantimento. E desta sorte aturão com tão grande trabalho.
            <<O roteiro do seu caminho desde a villa de S. Paulo até a Serra do Itatiaya, onde se divide em dous; hum para as minas do Caité, ou Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo, e do Ouro Preto; e outro para as minas do Rio das Velhas; he o seguinte, em que se apontão os pousos, e paragens do dito caminho, com as distancias que tem, e os dias que pouco mais ou menos se gastão de huma estalagem para outra, em que os ministros pousão, e se he necessario descanção, e se refasem do que hão mister, e hoje se achão em taes paragens.
            <<No primeiro dia sahindo da villa de S. Paulo vão ordinariamente pousar em Nossa Senhora da Penha, por ser (como elles dizem) o primeiro arranco de casa : e não são mais que duas legoas.
            <<Dahi vão á aldêa de Tacuaquisetuba. caminho de hum dia.
            <<Gastão da dita aldêa até a vila de Mogi, dous dias.
            <<De Mogi vão as Larangeiras, caminhando quatro ou cinco dias até o jantar.
            <<Das Larangeiras até a villa de Jacarey, hum dia até as tres horas.
            <<De Jacarey até a villa de Taubaté dois dias até o jantar.
            <<De Taubaté a Pindamonhangaba, freguezia de Nossa Senhora da Conceição, dia e meio.
            <<De Pindamonhangaba até a villa de Guiratinguetá cinco ou seis dias até o jantar.
            <<De Guiratinguetá até o porto de Guaipacare, onde ficão as roças de Bento Rodrigues, dous dias até o jantar.
            [XXXVII] <<Destas roças até o pé da serra afamada de Amantiquira, pelas cinco serras muito altas, [1] que parecem os primeiros morros, que o ouro tem no caminho, para que não cheguem lá os mineiros, gastão-se tres dias até o jantar.
            <<Daqui começão a passar o ribeiro, que chamão passa vinte, porque vinte vezes se passa; e se sobe as serras sobreditas: para passar as quaes, se descarregão as cavalgaduras, pelos grandes riscos dos despinhadeiros, que se encontrão: e assim gastão dous dias em passar com grande difficuldade estas serras; e dahi se descobrem muitas, e aprasiveis arvores de pinhões, que a seu tempo dão abundancia delles para o sustento dos mineiros, como tambem porcos montezes, araras e papagaios.
            <<Logo passando outro ribeiro, que chamão passa trinta, porque trinta e mais vezes se passa, se vai aos pinheiros: lugar assim chamado, por ser o principio delles, e aqui ha roças de milho, aboboras, e feijão, que são as lavouras feitas pelos descobridores das minas, e por outros, que por ahí querem voltar. E só disto constão aquellas, e outras roças nos caminhos, e paragens das minas: e quando muito, tem de mais algumas batatas. Porém em algumas dellas hoje, achão-se, criação de porcos domesticos, galinhas, e frangões, que vendem por alto preço aos passageiros, levantando-o tanto mais, quanto he maior a necessidade dos que passão. E dahi vem o dizerem, que todo o que passou a serra da Amantiquira, ahi deixou dependurada, ou sepultada a consciencia.
            <<Dos Pinheiros se vai á estalagem do Rio Verde, em oito dias, pouco mais, ou menos, até o jantar, e esta estalagem tem muitas roças, e venda de cousas comestiveis, sem lhe faltar o regalo de doces.
            <<Dahi caminhando tres, ou quatro dias pouco mais, ou menos até o jantar, se dá na afamada Boa Vista; a quem bem se deu este nome, pelo que se descobre daquelle monte, que parece hum mundo novo, muito alegre: tudo campo bem estendido, e todo regado de ribeirões, huns maiores que outros, e todos com seu mato, que vai fazendo sombra, com muito [XXXVIII] palmito, que se come, e mel de páo, medicinal, e gostoso. Tem este campo seus altos e baixos; porém moderados: e por elle se caminha com alegria; porque tem os olhos que ver e contemplar na prespectiva do Monte Caxambú, que se levanta as nuvens com admiravel altura.        
            <<Da Boa Vista se vai á estalagem chamada Ubay, onde também ha roças, e serão oito dias de caminho moderado até o jantar.
            <<Do Ubay, em tres ou quatro dias vão ao Ingay.
            <<Do Ingay, em quatro ou cinco dias se vai ao Rio Grande; o qual quando está cheio, causa medo pela violencia com que corre, mas tem muito peixe, e porto com canoas, e quem quer passar, paga tres vintens, e tem perto suas roças.
            <<Do Rio Grande se vai em cinco dias, ao Rio das Mortes, assim chamado pelas que nelle se fizerão: e esta he a principal estalagem aonde os passageiros se refazem, por chegarem já muito faltos de mantimentos. E neste rio, é nos ribeiros e corregos, que nelle dão, ha muito ouro, e muito se tem tirado e tira: e o lugar he muito alegre, e capaz de se fazer nelle morada estavel, s enão fosse tão longe do mar.
            <<Desta estalagem vão em seis, ou oito dias ás plantações de Garcia Rodrigues.
            <<E daqui, em dous dias chegão á Serra de Itatiaja.
            <<Desta serra seguem-se dous caminhos: hum que vai a dar nas Minas Gerais do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo, e do Ouro Preto; e outro, que vai a dar nas minas do Rio das Velhas: cada hum delles de seis dias de viagem. E desta serra tambem começão as roçarias de milho e feijão a perder-se de vista, donde se provém os que assistem, e lavrão nas minhas>>.
            Pela mesma obra se sabe que a outra entrada para Minas Geraes (do Rio de Janeiro via o valle do Parahybuna, isto é, estrada de Barbacena) era nova naquelle tempo e que quando, em 1698, o Governador Arthur de Sá e Menezes visitou as minas, teve de vir por Paraty e Taubaté alcançar a estrada paulista.
            Foi nesta unica vai de communicação para a Camara de Guaratinguetá estabeleceu em 1714 a divisão com a comarca do Rio das Mortes fincando um marco de pedra no morro do Caxambú (p. 5) cerca de meia distancia entre as duas villas. [XXXIX] Quando seis annos depois foi creada a nova Capitania de Minas Geraes por Alvará de 2 de Dezembro de 1720 (p. 6), esta mesma divisão foi designada para separar os dous governos. A grande inconveniencia de ser esta divisão indicada no terreno por um unico ponto e não por uma linha, que aliás era impossivel evitar nas condições da epocha estando desconhecidos os terrenos a cada lado da estrada, havia necessariamente de levantar conflictos logo que se começassem a desbravar. O vasto derritorio deseto que ficava a oéste.
            O primeiro destes conflictos versou sobre a posição do proprio marco. O Governador Antonio da Silva Caldeira Pimentel que tomou posse do governo de São Paulo em 1727 apresentou ao Governo, como se vê da Provisão Regia de 23 de Fevereiro de 1731 (p.7), pedindo que a divisa fosse estabelecida com Caxabú ou Boa Vista. Dahi parece que o marco tinha sido mudado, facto este de que não se encontra agora notícias contemporanea alguma. Apenas o Governador D. Luiz Mascarenhas disse em 1743 (p. 18) que a Camara do Rio das Mortes tinha mudado furtivamente os marcos, e D. Luiz Antonio de Sousa disse em 1765 (p. 234) que os moradores da mesma comarca quebraram violentamente o marco do morro de Caxambú e foram pôr outro no alto da Serra da Mantiqueira.
            Na ausencia de documentos authenticos contemporaneos sobre este facto, pode-se presumir que o que realmente aconteceu foi que, conforme o costume do tempo, a Camara do Rio das Mortes foi collocar um marco e lavrar um auto onde bem lhe parecia, dispensando o concurso e consentimento da Camara vizinha como o seu proprio tinha sido dispensado no auto de 1714 (p. 5). Seja isto como for, o certo é que já em 1731 a divisa não era mais no morro do Caxambú, porém em algum ponto intermediario entre aquelle morro e Guaratinguetá, provavelmente no alto da Serra da Mantiqueira na garganta do Cruzeiro onde hoje passa a estrada de ferro Rio e Minas. [2] A distancia mencionada na Provisão Regia de cinco [XL] ou seis leguas de Guaratinguetá combina com esta hypothese e, como não há outra noticia de marcos nesta paragem, é provavel que seja este o marco que depois de 1749 se tornou celebre.[3]
            A referida Provisão Regia dá uma solução muito correcta (quasi a unica nesta longa contenda que, conforme as idéas modernas de direito, possa ser assis caracterisada) ordenando aos Governadores das duas Capitanias que ajustem os limites, indicando apenas que a divisa deve ser proximamente á meia distancia entre as duas villas e de preferencia por algum rio ou serra. Para a sua execução o Governador de São Paulo, Conde de Sarzedas, dirigiu em 1733 (p.8) um convite para tratar do assumpto ao de Minas Geraes, Conde das Galveas. Nada consta da resposta que obteve e parece que nada se fez; porque em 1743 D. Luiz Mascarenhas falla das questão da divisa pelo Caxambu como ainda aberta (p. 18). Parece mesmo que não se ligava grande importancia a este ponto visto que defendsor tão extremado dos direitos paulistas, como era D. Luiz Mascarenhas, achava que ali bastava um simples protesto, ao passo que em outros pontos estava disposto a recorrer, sendo preciso, á força das armas.
            Neste tempo a unica cousa que dava valor aos territorios novos, dando motivo á sua occupação e povoamento, eram os descobertos de ouro. Já em 1735 alguns aventureiros tinham penetrado no sertão a oéste da estrada de São João d'Elrei e descoberto ouro no districto da Campanha do Rio Verde, sendo as minas repartidas pelo Ouvidor da Comarca do [XLI] Rio das Mortes, Cypriano José da Rosa (p. 52), [4]e até 1743 estavam fundados os arraiaes de Santo Antonio (a actual cidade de Campanha), S. Gonçalo e Santa Catharina.
            [XLII] D. Luiz Mascarenhas, entendendo que este districto pertencia a São Paulo, nomeou um guarda-mór das minas. Em oposição a isto, a Camara de São João d’Elrei foi em fins de Fevereiro de 1743 com todas as formalidades tomar posse dos ditos arraiaes e das margens do Rio Sapucahy (pp. 10-16) declarando que a dita posse se estendia até o alto da Serra da Mantiqueira e até o rio Sapucahy. Conforme a narrativa de Ignacio Alves Pimenta (p.52), escripta em 1755, o guarda-mór posto por D. Luiz Mascarenhas, Bartholomeu Correya bueno, foi nesta ocasião intimado a sahir no prazo de duas horas e que assim o fez, retirando-se para o outro lado do rio Sapucahy. De outro documento posterior (p. 50) consta que os actos possessórios tiveram logar sobre um giráo erigido n’um rochedo no meio do rio, provavelmente para indicar que o limite pretendido era o fio da corrente e não a margem direita somente.
            Informado destes factos (pp. 16, 17), D. Luiz Mascarenhas ordenou a restituição do guarda-mór Bartholomeu Bueno. Dos documentos á mão nada mais consta do que houve nesta questão. Por uma carta que não tem sido conservada, dirigida á Camara de São João d’Elrei. [5] D. Luiz Mascarenhas parece ter aceito, sob protesto, a situação creada pela posse mineira esperando a resolução do Governo que veio na Provisão Regia de 30 de Abril de 1747 (p. 19) expedida em resposta ás representações de Gomes Freire de Andrade que então governava a Capitania de Minas Geraes conjunctamente com a do Rio de Janeiro[6].
            [XLIII] O termos desta Provisão, se conformando com a insinuação de Gomes Freire de Andrade sobre o limite de <<toda que está desta parte do Rio Sapucahy>>, estabelecem a divsa pelo alto da Serra da Mantiqueira até encontrar as cabeceiras do Rio Sapucahy, e por este rio abaixo. A divisa assim feita pelo poder competente e traçada por feições topográficas facilmente reconhecíveis teve execução imediata, sem constestação de qualquer das partes interessadas, reunidos assim distinctivos que a torna singular entre os actos officiaes desta secular pendencia.
            Ante, porém, de estar conhecida no Brazil (ou mesmo tomada em Lisboa) a resolução de 30 de Abril de 1747 que terminava para sempre a contenda a respeito do território á direita do Sapucahy [7] levantou-se uma outra que até hoje não tem tido cabal solução. Conforme já referido, consta que Bartholomeu Bueno, expulso do districto de Campanha em 1743, refugiou-se a oéste do Sapucahy. Esta região começou então a ser explorada e algum tempo depois descobriu-se ouro. Conforme a narrativa já citada (p. 52) a primeira communicação do descuberto foi feita ao guarda-mór da Campanha, por ser este a autoridade mais próxima, que fez a repartição creando assim uma espécie de titulo de prioridade de posse embora fora do limite escolhido e marcado tão pouco [XLIV] tempo antes pela Camara de São João d’Elrei. Em princípios de 1746 Francisco Martins Lustoza [8] descobriu outras minas e entendeu fazer a participação do Governo de São Paulo. D. Luiz Mascarenhas providenciou promptamente (pp. 21, 23) nomeado Lustoza guarda-mór do districto, que tomou o nome de Santa Anna do Sapucahy, e mandando annexa-lo á Villa de Mogy das Cruzes por ser a mais próxima. [9]. O novo guarda-mór mostrou-se tão enérgico em executar como era o Governador em mandar. Conforme a narrativa já citada (p. 52) teve de repellir duas tentativas de posse por parte da Camara de São João d’Elrei, das quaes uma tomou as proporções de um assalto naval com uma flotilha de canoas especialmente construídas para este fim. Outras notícias de testemunhas oculares (p. 391) dão Lustoza com uma força armada de 200 homens. [10]
            Esta contenda que ia tomando proporções sérias foi pacificada, sem ser resolvida definitivamente, pela Provisão Regia de 9 de Maio de 1748 (p. 41) que, entre outras providencias, chama D. Luiz Mascarenhas par ao reino, destacava da Capitania de São Paulo as novas de Goyaz e Matto Grosso e subordinava o Governo da parte restante ao do Rio de Janeiro, e ao mesmo tempo ordenava a Gomes Freire de Andrade, que ficava encarregado provisoriamente do Governo das três [XLV] Capitanias (do Rio de Janeiro, Minas Geraes e São Paulo), que estabelecesse os limites do São Paulo e Minas Geraes <<pelo Rio Grande e pelo Rio Sapucahy ou por onde vos parecer.>>
            Foi esta clausula facultativa que transformou o que devia ter sido a resolução definitiva da questão em instrumento causador de maiores duvidas e conflictos. Valendo-se desta clausula, Gomes Freire de Andrade, provavelmente com as melhores intenções, [11] em logar de decretar a divisa indicada pela Provisão Regia pelos rios Sapucahy e Grande, que não exigia operação geodésica alguma para ser traçada e marcada, imaginou uma outra pelo alto das montanhas.
            Esta idéa parece ter sido baseada sobre a supposição errônea, mas perfeitamente natural (para o conhecimento incompleto da epocha acerca das feições topographicas da região), de que as montanhas na divisa das aguas entre a bacia do alto Rio Grande e as bacias paulistas do Tieté e Mogyguassú formava uma cordilheira continua como a Mantiqueira e ligada a esta. O informante e conselheiro de Gomes Freire de Andrade neste negocio, Pedro Dias Paes Lemos, declarou na reunião da Junta de 12 de Outubro de 1765 que tinha indicado a divisão pelos limites da bacia do Sapucahy, e é de presumir [XLVI] que a intenção da Instrucção para a demarcação (III, 27 em parte p. 43) era seguir esta indicação. Sendo assim, o plano da demarcação era perfeitamente justificável, pelo menos para os que entendem (e são muitos) que uma fronteira montanhosa é preferível a uma fluvial.
            A dificuldade nesta interpretação da Instrucção de Gomes Freire vem da referencia á Serra de Mogyguassú por não se achar nos limites da bacia do Sapucahy. É preciso, porém, lembrar que em 1749 a região a oeste do Sapucahy, tanto em Minas como em São Paulo, era quasi uma terra incognita, conforme a declaração do proprio Pedro Dias Paes Lemes. O caminho que vinha de São João d'Elrei para Campanha para Santa Anna do Sapucahy tinha sido, provavelmente, prolongada atravez da divisa de aguas pelo valle do Jaguary para Atibaia e São Paulo. Um outro ia de Santa Anna para Ouro Fino nas cabeceiras do Mogyguassú, porém era um beco sem sahida; e só mais tarde é que foi prolongada até encontrar a estrada de Goyas e Mogyguassú e para o norte por Caldas, Cabo Verde e Jacuhy (que ainda não existiam) até o Rio Grande. Em São Paulo o conhecimento do sertão adiante de Jundiahy era limitado á unica linha da estrada de Goyaz passando por Campinas, Casa Branca, Cajuru [12] etc. para passar o Rio Grande no porto conhecido hoje pelo nome de Porto da Espinha ou nas suas immediações. [13] Nestas [XVLII] condições é certo que a serra denominada <<de Mogyguassú>> só era conhecida de longe, provavelmente por visadas da estrada de Goyaz.
Outra duvida a respeito da verdadeira intenção da Instrucção de Gomes Freire de Andrade nasceu da questão da identidade da Serra do Mogyguassú. A junta de 12 de Outubro, provavelmente por informação de Pedro Dias Paes Leme, declaro que a tal serra não existe, e o Conde de Cunha aventura a hypothese (p.224) de que a referencia era á Serra de Dumbá, nome este que só se encontra nos mappas de Minas de 1765 e 1767 nas vizinhanças de Jacuhy. Os mappas antigos de São Paulo não dão a serra de Mogyguassú. Os de Minas de 1767, 1777, 1804 e 1808 iguram uma serra ao norte do Rio Mogyguassu na posição da Serra de Poços de Caldas sem denominação nos mappas de 1767 e 1804, porém com a de Mogyguassú no de 1777, e da Serra de Mogy no de 1808. Este facto e o de ser a Serra dos Poços de Caldas, ou do Caracol, a mais importante que se avista da antiga estrada de Goyaz nas vizinhanças de Mogyguassú justifica a identificação da Serra de Mogyguassú de Gomes Freire de Andrade com o macisso que com varios nomes de Serra de Caldas, Caracol e Poços de Caldas já entre os rios Mogyguassú e Pardo, e portanto inteiramente fóra da bacia do Sapucahy.
Com esta identificação a Instrucção de Gomes Freire de Andrade torna-se de impossível execução, como teria sido logo reconhecido se dua ordem para o levantamento da linha divisória á bussola (agulhão) tivesse sido seguida. Para do marco antigo da Serra da Mantiqueria tirar <<uma linha pelo cumo da mesma sera, seguindo toda até topar com a Serra de Mogyguassú>> seria preciso deixar a Serra da Mantiqueira para seguir a divisa entre o Sapucahy e o Jaguary, Camandocaia e Mogyguassú para depois tomar o espigão entre os rios Mogyguassú e Pardo. Chegando ahi, seria impossível alcançar o Rio Grande seguindo <<até findar nos que lhe seguirem fazendo-se sempre pelo cume della a divisão até topar no Rio Grande>>; porque a linha teria forçosamente de atravessar a grande depressão do valle do Rio Pardo. O auctor do mappa de Minas de 1808 procurou sahir deste dilemma traçando a linha pelo espigão entre o Pardo e Mogyguassú, inciciando [XLVIII] o assim em Minas os districtos de Batataes, Franca etc, representando (como fazem todos os mappas antigos) o Rio Pardo como rio independente desaguando directamente no Rio Grande em logar de unir-se com o Mogyguassú.
A execução do plano de demarcação concebido por Gomes Freire Andrade foi confiado ao Dr. Thomaz Rubim de Barros, Barretos, Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes e presumivelmente participante nos conflictos de 1746-48 visto que o seu modo de executar a commissão indica maior empenho em liquidar contas antigas com o guarda-mór Lustoza do que observar rigorosamente as ordens recebidas. Armado com a ordem de 27 de Maio de 1749 e acompanhado por seu escrivão e, no dizer do informante de 1765, por 60 homens armados, elle se apresentou, não no marco do alto da Serra da Mantiqueira, mas no arraial de Santa Anna do Sapucahy. O guarda-mor Lustoza o recebeu em termos que provocaram as iras do Governador (p. 39), recusando, diz o informante paulista, os offerecimentos de conciliação e de vantagens que lhe foram feitos; porém a final retirou-se pacificamente com os seus adherentes deixando o campo livre para o processo instantaneo de demarcação que se acha registrado no auto de 19 de Setembro de 1749 (p. 43). [14]
Por este documento a divisa devia seguir do marco no alto da Serra da Mantiqueira pelo cumo da mesma serra, até [XLIX] o morro do Lopo, morro este situado não no tronco principal da Mantiqueira, porém n'um esporão entre os rios Jaguary e Atibaia e sómente conhecido do demarcador por informações colhidas em Santa Anna do Sapucahy. Para sahir dahi foi necessario abandonar inteiramente as instrucções de Gomes Freire de Andrade e a sua <<Serra de Mogyguassú,>> e lá foi lançada a phrase <<até chegar ao Rio Grande accompanhando por um lado a estrada que vai de São Paulo para Goyazes>> susceptível de interpretações mil vezes mais diversas e desencontradas do que as que, no tempo moderno, se dão ás delimitações elásticas das zonas privilegiadas das estradas de ferro.
Dos documentos archivados em São Paulo nada consta claramente de como Gomes Freire de Andrade considerava os actos do seu agente. [15] A carta que escreveu ao Governador de Santos (p. 49) exprime apenas o amor proprio offendido pela resistencia oposta por Lustoza á sua auctoridade, e dá a entender que o Dr. Thomaz Rubim dava conta mais minuciosa deste facto do que do modo pelo qual executou a sua comissão. Ao que parece, elle nunca se informou cabalmente do facto de haver a demarcação sido feita de modo inteiramente diverso do que elle tinha projectado e ordenado. Isto se conclue (como bem notou em 1771 (p.297) D. Luiz Antonio de Sousa) do facto de, conforme elle proprio declara na carta de sesmaria de Claudio Furquim de Almeida (p. 55) ,mandar ouvir a Camara de São Paulo e o Provedor de Santos sobre uma propriedade que, pela própria descripção da carta de sesmaria, se acha situada para o lado mineiro do morro do Lopo. [16]
[L] Estando acephalo o governo da Capitania de São Paulo, tanto no temporal como no ecclesiastico, não houve protesto immediato contra esta demarcação. Pela carta do Bispo de Marianna (p. 190) vê-se que antes 1759 o Bispo de São Paulo, tanto no temporal como no ecclesiastico, não houve protesto immediato contra esta demarcação. Pela carta do Bispo de Marianna (p. 190) vê-se que antes de 1759 o Bispo de São Paulo tinha reclamado a posse das igrejas a oéste do Sapucahy, sendo porém que a reclamação era baseada sobre a Bulla estabelecendo os limites do bispado, e não na appreciação da demarcação civil na qual o auctor da carta se apoia para contesta-la. Pelo lado do temporal a contestação teve de esperar a restauração da Capitania de São Paulo em 1765 quando começou a extensa correspondencia do Governador D. Luiz Antonio de Sousa com a côrte de Lisboa, com o Vice-rei e com o Governador de Minas Geraes, que é um continuo e energico protesto contra a demarcação de Thomaz Rubim.
Continuando Gomes Freire de Andrade, ou Conde de Bobadella, a governar as tres Capitanias até a sua morte em 1763, houve durante este longo intervallo treguas na questão de limites, a qual rebentou do novo na administração dos seus sucessores. No emtanto o sertão deserto intermediario entre as partes povoadas das duas Capitanias ia-se descobrindo e povoando, em parte pelos esforços dos exploradores de novas minas de ouros, em parte pelos das expedições militares para a extincção dos quilombos de escravos fugidos e criminosos que nelle se refugiaram.
Pelo lado mineiro as explorações em busca de ouro parece terem partido de Santa Anna do Sapucahy e Ouro Fino, e terem sido dirigidas principalmente por Verissimo João de Carvalho, Intendente de Santa Anna, nomeado por D. Luiz Mascarenhas, que continuou no mesmo posto na administração mineira, passando depois a ser guarda-mór. Este penetrou no sertão para o norte até Cabo Verde, pelo menos onde descobriu ouro e fundou um arraial que ainda hoje conserva o mesmo nome. Pelo mappa de Minas de 1767 parece que Verissimo João de Carvalho estava estabelecido n'uma fazenda entre Ouro Fino e Cabo Verde, mais ou menos na posição da actual cidade de Caldas. [17]. Mais ao norte Pedro Franco [LI] Quaresma, que parece ter estado antes em Goyaz (p. 71) com uma commissão do Governador de Santos e Ouvidor de São Paulo para descobrir minas e destruir quilombos, explorou o districto ao sul do Rio Grande entre a estrada de Goyaz e a barra do Sapucahy, onde 1775 descobriu ouro em varios logares, sendo tomada posse neste mesmo anno por parte da Camara de Jundiahy e do Bispado de São Paulo (pp. 63 e 64). Continuando as descobertas, foram feitos outros autos de posse em 1761 e 1762 (pp. 66 - 70) até a barra do Sapucahy, ficando o districto com o nome de Desemboque. [18] Pelo lado da Serra da Mantiqueira também os moradores do valle do Parahyba tinham penetrado e, descobrindo ouro nas cabeceiras do Sapucahy tinham penetrado e, descobrindo ouro nas cabeceiras do Sapucahy, tinham estabelecido o arraial de Itajubá (hoje Itajubá Velho ou Soledade de Itajubá).
Ao norte do Rio Grande houve em 1759, pela parte da Capitania de Minas, expedições para extinguir quilombos na região a oéste do São Francisco nas serras da Canastra e Marcela e no districto de Campo Grande entre os rios Sapucahy e Grande [19] (pp. 60-62).
            [LII] Depois da morte do Conde de Bobadella a capital do Vice-reinado foi mudada para o Rio de Janeiro, vindo o Conde de Cunha em 1763 governar a colonia e especialmente as Capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo. No mesmo anno veio governador a Capitania de Minas Geraes Luiz Diogo Lobo da Silva, achando a sua população bastante descontente com o pezado imposto das cem arrobas de ouro com que se tinha compromettido contribuir annualmente em substituição aos quintos reaes. Este Governador mostrou-se na sua correspondencia verdadeiramente condoido da dura sorte dos seus governados, o que está de accordo com o caracter que lhe attribuem as chronicas mineiras dando-lhe o título de <<Pae dos pobres.>> Não podendo reduzir o peso do imposto directamente, parece que procurou faze-lo indirectamente alargando a área contribuinte. Tendo obtido do Vice-rei uma ordem para o Ouvidor de São Paulo de abster-se de actos de jurisdicção no districto de Campo Grande (p. 58), que o conde de Cunha entendeu ser limitado ao território entre os rios Sapucahy e Grande (p. 225), mas que Luiz Diogo interpretou como tendo extensão muito mais lata, este sahiu de São João d'El-rei em Setembro de 1764 para <<dar um giro pelos confins da mesma comarca>> (de São João d'El-rei).
Passando o Rio Grande na barra do Sapucahy, Luiz Diogo chegou a Jacuhy, onde tomou passe (violentamente - dizem as testemunhas do Summario de 1789) e publicou um Bando e Instrucções em que declarava que tinha reconhecido que a divisa pela demarcação de Thomaz Rubim terminava no Rio Grande no logar chamado Desemboque, que parece ser um posto no Rio Grande logo abaixo da barra do rio São João de Jacuhy. Depois passou por Cabo Verde, Ouro Fino, Camandocaia (hoje cidade de Jaguary), Capivary, Itajubá, etc. estabelecendo registros em Jacuhy, Cabo Verde, Ouro Fino, Rio Jaguary perto de Comandocaia e Itajubá. [20] Dos logares mencionados, [LIII] Jacuhy, Itajubá e provavelmente Comandocaia estavam na posse dos Paulistas no civil, Cabo Verde no ecclesiastico sómente. Por estes actos de Luiz Diogo a posse effectiva dos Mineiros, que tinham ficado nas immediaçães de Santa Anna do Sapucahy, Ouro Fino e Cabo Verde (com registro no Rio Mandú perto da actual cidade de Pouso Alegre) avançou proximamente até a linha imaginada por Thomaz Rubim pelo alto da Serra da Mantiqueira até o morro do Lopo, e dahi <<acompanhando por um lado a estrada de Goyaz>> até o Rio Grande.
            No emtanto, e antes desta excursão de Luiz Diogo, o Conde de Cunha tinha representado ao Governo de Lisboa a conveniencia de reestabelecer a antiga Capitania de São Paulo, sendo um dos motivos a necessidade de providencias na região de Jacuhy [21]; e em consequencia foi nomeado em Janeiro D. Luiz Antonio de Sousa Botelho Mourão Governador de São Paulo. Não se tendo encontrado a Carta Patente deste Governador, só se sabe das intençoes do Governo, a respeito de limites, pelas affirmações repetidas de D. Luiz Antonio na sua correspondencia, que eram restaurar a Capitania ao seu antigo estado e jurisdicção, o que aliás está de completo accordo com os termos do Avizo Regio de 4 de Fevereiro de 1765 dirigido ao Vice-rei [22] communicando a nomeação do Governador e ao mesmo tempo ordenando um novo ajuste dos limites.
            [LIV] Chegando a Santos, em Julho de 1765, D. Luiz Antonio achou a situação, creada pela demarcação de Thomaz Rubim e deixada pelo Conde de Bobadella, profundamente modificada pelos recentes actos do Governador Luiz Diogo em Minas, e ainda aggravada por um novo conflicto levantado no territorio do Rio Pardo. Começou logo uma longa serie de correspondencia com o governo de Lisboa, com o Vice-rei e com o Governador de Minas, correspondencia que durou todo o tempo da sua administração até 1775, e na qual protestava energicamente contra a dmarcação de Thomaz Rubim
            Esta mesma modificaição das condições cooperou para que não se tornasse effectiva a demarcação de que foi encarregado o Vice-rei, Conde de Cunha. Para a levar a effeito foi convocada, a 12 de Outubro de 1765, uma junta composta das principaes auctoridades de Rio de Janeiro e das pessoas que melhor conheciam a região em litigio, sendo para notar que entre estas havia duas que occupavam postos officiaes em Minas, ao passo que não havia um só representante nato de São Paulo[23].  A opinião unanime da junta, fundada n'uma longa exposição de motivos (p. 215-221), era que a divisão se fizesse pelo alto da Serra da Mantiqueira e pelo Sapucahy por seu braço principal (Sapucahyguassú), sendo para notar que [LV] este ultimo detalhe era uma emenda do Vice-rei á proposta da junta para dividir o terreno entre os dous braços do Sapucahy.
            Lavrado e assignado o assento da junta, o Conde de Cunha achando que seria impolitica a sua promulgação como uma simples ordem propria (ainda que para isso estivesse acutorisado), o remetteu immediatamente para Lisboa pedindo a promulgação por Ordem Regia (p. 222).
            O motivo apresentado foi o receio de uma revolta em Minas contra o imposto das cem arrobas, servindo de pretexto a diminuição do territorio contribuinte. Póde-se também suppôr que influiu no seu espírito um escrupulo bem fundado em tomar sobre si a responsabilidade de um acto que seria a reprovação de um acto do seu collega e quasi igual (posto que nominalmente subordinado), o Governador de Minas. Ao Governador de São Paulo foi apenas communicado (p. 257) que a solução da questão tinha sido submettida ao Governo, e sómente em 1772 é que elle soube do Assento da junta. [24] O Governador de Minas evidentemente foi mais bem informado, provavelmente em particular por algum membro da junta, e talvez dirigisse a Lisboa protestos que influissem para a não promulgação do acto.
            Emquanto se esperava a solução definitiva commettida ao Vice-rei pelo Aviso Regio de 4 de Fevereiro, manteve-se entre os dois governadores uma correspondencia animada a respeito das minas do Rio Pardo descobertas depois do <<giro>> de Luiz Diogo e pouco antes da chegada de D. Luiz Antonio a São Paulo. Achavam-se situadas nos valles de diversso tributarios que para o Rio Pardo descem do espigão entre Jacuhy e Cabo Verde, no districto que desde aquelle tempo tem conservado o nome de Caconde. O caminho de Luiz Diogo (conforme se vê no mappa annexo a este volume) da comarca de São João d'El-Rei, tinha sido por alto do dito espigão, deixando fóra do perimetro do seu giro a região das novas minas. Estas, porém, podiam ser abrangidas pela linha elastica de Thomaz Rubim que do morro do Lopo ao Rio Grande não tinha posição definida nem ponto algum fixo, e, como neste tempo os Mineiros podiam ainda suppôr valida esta demarcação, Luiz Diogo tinha razão em pugnar para [LVI] estabelecer ali a jurisdicção mineira. Por seu lado D. Luiz Antonio em vista das instrucções que diz ter recebido para restaurar a Capitania de Sao Paulo ao seu antigo estado e jurisdicção, e em vista da impugnação bem motivada que os Paulistas oppuzeram á demarcação de Thomaz Rubim, tinha egualmente razão em reclamar para São Paulo o districto em questão. Com a prompta remessa de uma guarda armada, elle obteve a vantagem da posse effectiva, que manteve, impedindo ao mesmo tempo as minas em conformidade com as ordens do governo, enquanto submettia o seu acto á approvação do governo de Lisboa.
            No meio da discussão sobre as minas do Rio Pardo, o Vice-rei, tendo submettido ao governo central o Assento de 12 de Outubro, mandou a 12 de Dezembro de 1765 (p. 257) não alterar cousa alguma a respeito de limites, isto é, manter o statu quo da occasião. Ao officio de D. Luiz Antonio, neste sentido 9p. 278), Luiz Diogo respondeu reclamando a retirada da guarda paulsita do Rio Pardo (p. 280). Logo depois veiu de Lisboa apporvação do impedimento das minas do Rio Pardo (p. 283), e assim implicitamente da sua posse por parte de São Paulo.
            O convenio de statu quo proposto por D. Luiz Antonio a 10 de Fevereiro de 1766 (p. 278), e aceito por Luiz Diogo (com a reserva acima mencionada que não se tornou effectiva) a 6 de Abril do mesmo anno (p. 280), foi lealmente observado de parte á parte durante toda a administração deste ultimo governador. As suas ordens dada ás aucotirdades locaes de não permittir avançar um só palmo, não avançar de sua parte uma só pollegada (p. 370) foram tão fielmente cumpridas que, em 1767, D. Luiz Antonio achou dispensavel a guarda que até então tinha mantido no Rio Pardo (pp. 286, 289).
            No emtanto tinha sido expedido ao governador de Minas o Aviso Regio de 25 de Março de 1767 (p. 84) approvando os actos de que deu conta no Assento de 26 de Novembro de 1764 (p. 77), isto é, os actos de jurisdicção no territorio de que tomou posse no seu celebre <<giro>>. Este Aviso Regio é da mesma natureza, pela forma e pelo fundo, que o já referido (p. 283) approvando actos do governador de São Paulo em territorio sujeito a constestação. Tanto um como outro eram, com effeito, uma auctorisação para manter provisioriamente a posse já estabelecida, emquanto o governo não resolvesse definitivamente a questão de limites. D. Luiz Antonio, transmittindo os Avisos Regios de 22 de Julho de 1776, não os [LVII] interpretou como adjudicando definitivamente a São Paulo o territorio em litigio (p. 283). É licito também presumir que Luiz Diogo dava a mesma significação e alcance de posse provisoria ao Aviso de 25 de Março, visto que não achou necessidade alguma de communica-lo ao seu collega de São Paulo que, salvo em termos geraes e no foro de Lisboa, não lhe contestava um só palmo do territorio abringido pelos termos do dito Aviso, bem que, sem conflicto no terreno, o reclamasse na sua totalidade.
            Vindo, em Julho de 1768, o Conde de Valladares, substituir a Luiz Diogo no governo de Minas, a população inquieta e aventurosa da fronteira começou a mover-se de novo na região do Rio Pardo, como que para experimentar a mão e a disposição do novo governador. Quasi ao esmo tempo surgiu uma nova questão conhecida pelo nome de <<do Jaguary>> e devida á descoberta de ouro na região das cabeceiras do rio Comandocaia, nos terrenos de um cidadão de São Paulo, de nome Simão de Toledo Piza, que, por qualquer motivo, achou preferivel pertencer á Capitania de Minas (p. 103). O conde de Valladares, que no princípio do seu governo tinha mantido o convenio do statu quo do seu antecessor, ou não soube contêr as auctoridades locaes e o povo da fronteira, ou (e esta era evidentemente a opinião de D. Luiz Antonio p. 304) confirmada depois pelo testemunho do commandante de Jacuhy, (p. 181) occultamente os animava. Seja isto como fôr, a zona da fronteira, de 1771 a 1773, ficava quasi em estado de guerra e foi só á força de muita actividade, energia e prudencia que D. Luiz Antonio conseguiu mantêr a sua jurisdicção na região do alto Comandocaia e ao norte do Rio Pardo. Para conseguir isso e para contentar o povo paulista, elle teve de desempedir e repartir as minas. (p. 143) Do outro lado os Mineiros estiveram a ponto de perder o districto de Jacuhy por uma revolta dos seus proprios habitantes capitaneados por duas das acutoridades locaes. Esta revolta foi soffocada por um acto de arbitrariedade do commandante do destacamento (pp. 181-184).[25]
            [LVIII] No meio desta contenda o Vice-rei, Marquez do Lavradio, communicou, a 24 de Outubro de 1772, aos dois governadores, o Assento de 12 de Outubro de 1765 (p. 263), completando assim o que, nos termos do Aviso de 4 de Fevereiro, faltava para dar effeito legal a este instrumento. De posse deste documento, que lhe dava razão na longa luta de sete annos que tinha sustentado, D. Luiz Antonio reclamava a 23 de Janeiro de 1773 (pp. 306, 247, 250) a entrega do territorio adjudicado a São Paulo pelo dito Assento. O Conde de Valladares deixou a resposta por parte de Minas ao seu successor, Antonio Carlos Furtado de Mendonça, a quem entregou o governo a 22 de Maio de 1773.
            O novo governador apresentou dois motivos para não attender, sem ordem expressa do governo central, ao pedido da entrega do territorio além do Sapucahy (p. 311). O primeiro (que em vista das circunstancias era perfeitamente justificavel) era que, tendo o Vice-rei submettido a questão á decisão do governo, nada se devia fazer antes de ser dada esta decisão cuja demora indicava, talvez, desapprovação. De facto a promulgação do Assento de 12 de Outubro pelo Marquez de Lavradio, bem que aucotrisada pelo Aviso de 4 de Fevereiro, parece, attendendo aos actos do Conde de Cunha,[26] [LIX] uma indiscrição. O segundo motivo, baseado no argumento de que expedindo o Aviso de 25 de Março em data posterior á do Assento de 12 de Outubro, o governo implicitamente condemnava o dito Assento, era menos forte e parece um recurso de occasião. Já anteriormente o Conde de Valledares tinha querido fazer jogo com o mesmo aviso sem, ao que parece, saber como; visto que tinha-o annexado ao seu officio de 23 de Julho de 1772 (p. 302) sem comtudo fazer a minima referencia a elle. Parece, porém, que já a este tempo estava-se formado em Villa Rica uma corrente de opinião, que só mais tarde achou expressão official, sobre o uso que podia ser feito desde Aviso, visto que na fronteira correu a noticia, sem duvida inspirada da capital, de que a questão de limites já havia sido resolvida a favor de Minas (p. 174). Comtudo Antonio Carlos providenciou no sentido de voltar ao statu quo convencionado com Luiz Diogo (pp. 311, 313), com que D. Luiz Antonio, já cançado e perto de fim do seu governo, se contentou deixando ao seu successor a defesa dos interesses de São Paulo.
            A promulgação do Assento de 12 de Outubro devia ter modificado profundamente os termos da contenda; parece, porém, que nenhuma das partes percebeu a nova phase pela qual a questão devia ser encarada. Deixa-la continuar no mesmo terreno de antes era inteiramente favoravel aos interesses mineiros. A inepcio dos sucessores de D. Luiz Antonio de Souza não sómente a deixou assim continuar, mas ainda a deixou escorregar para o terreno, ainda mais incerto e mais favoravel a Minas, dos interesses e caprichos individuaes dos moradores da fronteira. Até então a questão havia versado sobre a validade da demarcação de Thomaz Rubim, e o torritotio contestado, definitivamente limitado por dois lados pelos rios Grande e Sapucahy com a Serra da Mantiqueira até o Morro do Lopo, e vagamente deste ponto em diante até o Rio Grande, estava occupado pelos Mineiros com a presumpção de direito em seu favor, não só em relação á parte effectivamente occupada com tambem em relação ás extensão futuras até a estrada de Goyas. [27] Estando, porém, annnulada a [LX] demarcação de Thomaz Rubim, implicitamente pelo Aviso de 4 de Fevereiro e explicitamente pelos actos dos Vice-reis assingnando e promulgando o Assento de 12 de Outubro, esta devia [LXI] ter desapparecido da discussão; e o mais que os Mineiros podiam legitiamente pretender era a manutenção da posse provisoria do territorio antes contestado, emquanto o governo não resolvesse as duvidas levantadas, ou confirmando o Assento, ou annulando-o e marcando uma nova divisão.[28]
            Arvorado em acto de demarcação o Aviso Regio de 25 de Março, parte do territorio tornou-se de novo contestada, não mais com os limites dados por Thomaz Rubim, mas sim com os do <<giro>> de Luiz Diogo delineado no mappa por elle confeccionado e reproduzido neste volume. [29] Claro é que a [LXII] approvação de actos de jurisdicção não podia, sem declaração expressa, abranger territorio fóra da área delimitada pelo <<giro>>, visto que, nesta epocha, não havia habitantes senão á beira das estradas, e nas duas unicas estradas que communicavam com São Paulo (de Jacuhy a Mogyguassú e de Comandocaia a Atibaia). O proprio Luiz Diogo marcou, com o estabelecimento de registros, o limite de sua jurisdição, no seu entender. Portanto, o orignario territorio contestado, limitado a oéste pela indefinida e elastica linha de Thomaz Rubim, deveria ter ficado reduzido essencialmente ás bacias destes rios entravam mais uma pequena parte da do Rio Pardo até o ponto onde a estrada o rio (mais ou menos na altura da actual cidade de Caldas),[30] parte da do Mogyguassú até um pouco abaixo de Ouro Fino, e parte da do Jaguary até o registro estabelecido nas suas margens perto de Santa Rita da Extrema. Até na bacia do Sapucahy, os Paulistas podiam ter contestado com mostras de razão a posse, mesmo provisoria, dos Mineiros em todo o territorio a léste da estrada que vai do arraial de Comandocaia (hoje Jaguary) a Sant'Anna do Sapucahy, e Campanha, visto ser esse territorio, pelos novos termos da questão, presumivelmente paulista e, estando despovoado na occasião, não podia ter sido alli exercido acto algum de jurisdicção que o sujeitasse, ainda que provisoriamente, ao effeito da approvação do Aviso Regio de 25 de Março. Este ponto da reducção da área do territorio contestado escapou, porém, á attenção dos governador de São Paulo ; e os Mineiros, se o perceberam, nenhuma obrigação tinham de o trazer á discussão. Assim pois continuou, e ainda hoje continua, o territorio contestado a ser limitado por [LXIII] linhas que, variando de dia em dia, estão todas comprehendidas nas infinitas possibilidades dos termos da demarcação de Thomaz Rubim.
            Nestas condições só por prazo muito limitado póde-se manter um estado de status quo. O mundo não póde ficar parado, só porque os encarregados de governar, por preguiça, inercia, ou outro qualquer motivo, deixam de resolver as questões a elles submettidas. Prolongando-se um tale stado de incerteza, são inevitaveis os conflictos que só podem terminar pacificamente pela condescendencia de uma ou outra, ou de ambas as partes, em ceder provisoriamente aquillo que consideram ser seu direito. Em taes casos uma parte tem geralmente a seu favor maior presumpção de direito do que a outra, e póde com justiça exigir que esta seja a condescendente, para evitar conflictos. Emquanto a questão versava sobre a demarcação de Thomaz Rubim, esta presumpção de direito era a favor de Minas, e era justo que fosse São Paulo a parte condescendente. Não assim, porém, depois da promulgação do Assento de 12 de Outubro; e houve falta de tactica da parte dos governadores de São Paulo em deixarem ficar os Mineiros na persuasão de que a questão devia ou podia continuar nos mesmos termos, exigindo, e quasi sempre com bom exito, que fossem da parte de São Paulo as concessões a fazer para apaziguar os conflictos que se levantaram, até que afinal se tornou effectiva a posse mineira, não sómente no verdadeiro territorio contestado, como também em quasi toda a referida zona intermediaria.
            Um convenio de statu quo, como o de 1766, só póde ser mantido em absoluto n'uma região inhabitada e inhabitavel. Não estando nestas condições, cada sitio novo que se desbrava, cada caminho ou picada nova que se abre perturba o equilibrio e dá motivo para questões. No caso aqui considerado, a situação era complicada pelo rigoroso sistema fiscal da Capitania de Minas provocativo da abertura de novas e secretas vias de communicação para facilitar o negocio illicito (extravios) de ouro e diamantes. Na occasião de se estabeleber o convenio havia nas quasi desertas regiões limitrophes das duas Capitanias duas estradas que limitavam uma zona larga inhabitada, porém destinada infallivelmente a se tornar povoada e cortada por novas estradas transversaes. ERam estas a estrada de Goyaz pelo lado paulista e, pelo lado mineiro, as antigas picadas, abertas de novo por Luiz Diogo, [LXIV] do Desemboque por Jacuhy, Cabo Verde, Campestre, Ouro Fino e Camandocaia para Santa Anna do Sapucahy. Ligando estras duas estradas atravez da zona despovoada havia as duas estradas transversaes de Comandocaia a Atibaia e São Paulo e de Jacuhy á estrada de Goyáz no registro paulsita de Itupeva, adiante de Mogyguassú.
            O povoamento da zona havia naturalmente de estender-se de cada lado ficando os moradores que entrassem ligados por filiação e pela facilidade da communicações á jurisdicção da Capitania mais próxima. Sómente na occasião de estas expansões naturaes das duas Capitanias se encontrarem no centro da zona, de se abrir uma nova via de communicação para o commercio licito ou illicito, tornando-se necessario o estabelecimento de novos postos fiscaes, ou de se descobrir novas minas de ouro que attrahiam a população aventureira de ambas, é que numa das Capitanias se sabia do progresso feito n'outra no povoamento da zona intermediaria.
            Parallelamente á questão da divisão civil das duas Capitanias tinha corrido a da divisão ecclesiastica entre os dois bispados, de São Paulo e Marianna. A bulla creando em 1745 os bispados de São Paulo, Marianna e Goyaz marcou os limites dos dois primeiros em termos que admittiam diversas interpretações. Desta a mais favoravel para o de São Paulo era a da divisão pelo curso do Rio Grande, e em 1746 o vigario de Guaratinguetá, em nome do bispado de São Paulo, tomou posse das cinco igrejas então existentes ao sul daquelle rio, Carrancas, Baependy, Pouso Alto, Ayuruoca e Campanha (p. 185). Estando nesta occasião ainda indecisa a contenda no civil a respeito do districto da Campanha do Rio Verde, as parochias de Baependy, Pouso Alto e Campanha eram abrangidas pelas pretensões da Capitania de São Paulo que sustentavam a divisão pelo morro de Caxambu. Como, porém, por muitos annos a divisa effectiva tinha sido pela serra da Mantiqueira, nenhuma das cinco parochias tinha ficado sujeita á jursdicção civil de São Paulo, senão temporariamente a de Campanha, no tempo do guarda-mór nomeado por D. Luiz Mascarenhas e logo expulso pelas auctoridades de São João d'El-rei. Outra interpretação da bulla fazia a divisão dos bispados pela divisão no civil, e esta interpretação parece ter prevalecido. O supposto dialogo (p. 201), escritpo antes da morte, em Novembro de 1748, do primeiro bispo de S. Paulo, D. Bernardo Rodrigues Nogueira, dá a entender que, depois da posse das [LXV] cinco igrejas pelo bispado de São Paulo, houve um edital suspendendo o seu effeito, expedido pelo bispo do Rio de Janeiro que, entretanto, estava disposto a aceitar a interpretação da bulla favoravel a São Paulo. Dos documentos á mão nada mais consta sobre estas cinco igrejas. Como, porém, a questão no civil da Campanha do Rio Verde foi resolvida a favor de Minas no anno de 1747, e no anno immediato houve vaga na sé paulistana pela morte do respecivo bispo, é de presumir que não se realizou a intenção attribuida no dialogo ao bispo do Rio de Janeiro, e que as cinco igrejas ficaram pertecendo ao bispado de Marianna sem mais contestação.
            A controversia de 1757-59, da qual se conservou um fragmento da correspondencia (p.189 - 190), versava sobre as freguezias de Sant'Anna do Sapucahy e Ouro Fino; e a falta de referencia á questão anterior das cinco igrejas dá a entender que esta era considerada como acabada. A posse mineira das duas igrejas além do Sapucahy data do auto de Thomaz Rubim em 1749, e as reclamações sobre ellas, que continuaram por onze annos, combinadas com o silencio ácerca das outras cinco igrejas indicam que já estava aceita em São Paulo a divisão ecclesiastica pelo Sapucahy. Da disposição manifestada pelo bispo de Marianna (p. 190) de entregar as duas igrejas além do Sapucahy parece ter resultado a sua passagem para o bispado de São Paulo, visto que o cabido daquella cidade reclamou em 1764 contra a posse tomada por parte do Minas na occasião da excursão do governador Luiz Diogo Lobo da Silva (p. 191). Neste mesma excursão as aucotirdades ecclesiasticas de Minas tomaram posse (violentamente - dizem algumas das testemunhas do summario <<Vellozo e Gama>>, pp. 383 e 390) das igrejas na região de Jacuhy e Cabo Verde, as quaes tinham sido providas pela sé de São Paulo.
            Depois de 1764 não se encontram mais documentos sobre a questão ecclesiastica no Archivo de São Paulo; sendo certo, porém, que a discussão continuou até que afinal, em 1775, por Assento da Mesa do Desembargo do Paço (p. 336), foi fixado definitivamente o limite dos dois bispados pelos rios Grande e Sapucahy. Ao que parece, terminou com esta decisão o conflicto entre os dois bispados que ficaram divididos por uma linha natural sobre a qual não havia contestaçõa possível.
            No civil continuava o mutismo do governo cemtral, que só em 1798 deu a perceber que tinha conheciento do conflicto [LXVI] entre as duas Capitanias. Depois da madura consideração de 33 annos veiu ordem para que <<nada se altere quanto aos limites das Capitanias até que estes se prescrevão e fixem, devendo evitar-se qualquer questão a semelhante respeito>> (p. 420). Sendo esta a primeira e unica resposta ás reiteradas e urgentes representações dos governadores das duas Capitanias desde 1765, parece que em Lisboa havia a doce esperança de que, dado um largo lapso de tempo, os limites haviam de se prescreverem e fixarem por si mesmos.
            No emtanto os sucessivos governadores das duas Capitanias se esforçavam por conserver a paz frequentemente ameaçada de perturbações pela natural expansão da população na zona despovoadas intermediaria, pelo desenvolvimento das relações commerciaes (especialmente as do commercio prohibido de ouro e diamantes) que envolvia a abertura de novas vias de communicação, e pelos actos das auctoridades locaes e do povo inquieto da fronteira.
            O sucessor de D. Luiz Antonio de Souza, Martim Lopes Lobo de Saldanha, renovou, no principio da sua administração, o pedido de entrega da região a oéste do Sapucahy em conformidade com o Assento de 12 de Outubro (p. 336). A resposta de D. Antonio de Noronha, governador de Minas (p. 337), foi substancialmente a mesma já dada por Antonio Carlos Furtado de Mendonça, isto é, que tendo sido a questão affecta ao governo central, nada se devia fazer sem novas ordens a respeito. No principio, Martim Lopes quiz se fazer de engraçado convidando o commandante da guarda restabelecida no Campo de Toledo a chegar até a capital de São Paulo (p. 316), porém depois elle se mostrou energico em manter a posse deixada por seu antecessor. A guarda e o registro estabelecidos em Bom Successo no districto contestado do Rio Pardo foram removidos para São Matheus, donde se abriu um estrada nova para Mogyaguassú, a qual parece ter passado pelos campos da Serra de Caldas, provavelmente subindo pelo valle do Rio das Antas e descendo perto da actual villa de Caracol, ou Samambaia. A estrada velha para Jacuhy, partindo do antigo registro de Itupeva, foi trancada (p. 319), bem como uma picada nova que se tinha aberto de Ouro Fino para Mogymirim (p. 321). Deste modo as unicas vias licitas de communicação entre as duas Capitanias ficaram sendo a estrada de Jacuhy pelo registro de São Matheus (provavelmente passando por Cabo Verde), a antiga estrada para Santa Anna do [LXVII] Sapucahy pelo valle do Jaguary com um ramal para Ouro Fino partindo da freguezia do Jaguary (hoje cidade de Bragança) e passando pelo Campo do Toledo; e a léste, a antiga estrada de Guaratinguetá para São João d'El-rei com uma variante passando por Itajubá. Tendo-se estabelecido nos campos em cima da Serra da Mantiqueira alguns moradores de Pindamonhangaba, havia diversas picadas do valle do Parahyba para cima da serra que não tinham seguimento para Minas, havendo mesmo compromisso por parte destes moradores de não permittirem passagem por ellas (p. 514).
            Na região do Rio Pardo uns moradores de Cabo Verde tendo serviços de mineração nas cabeceiras do Bom Jesus, affluente do São Matheus, bem proximos ao seu arraial, quizeram muito naturalmente que este fosse considerado territorio mineiro (p. 318). Havendo, porém, contestação por parte do governo de São Paulo e não encontrando apoio no governo de Minas (p. 321), elles finalmente se sujeitaram á jurisdicção paulista, que assim se estabeleceu em todo o valle do São Matheus e do seu tributario o Bom Jesus.
            Algum tempo depois, em 1781, alguns Paulistas discobiraram ouro no proprio Rio Pardo, algumas leguas acima do registro de São Matheus (pp. 333 - 336); e estas novas minas tambem ficaram sujeitas á jurisdicção paulistas[31]. Houve boatos de se renovar por parte do povo de Jacuhy a [LXVIII] tentativa de estabelecer registro nas margens do Rio Pardo (provavelmente nas vizinhas da actual cidade de Cajurú), reabrindo assim a antiga ligação com a estrada de Goyaz; porém esta não chegou a realisar-se (p. 325).
            Na estrada de Jaguary para Ouro Fino as auctoridades fiscaes da comarca de São João d'El-rei procuraram avançar o seu registro até a margem do rio Jaguary, pouco mais ou menos a uma legua de distancia da actual cidade de Bragança. Havendo protesto por parte de São Paulo, o governador de Minas não apoiou este movimento, e o registro abandonado foi destruido por ordem de Martim Lopes (p. 322).
            Na outra estrada pelo valle do Jaguary não houve novidade alguma, permanecendo o registro onde foi primeiramente estabelecido por Luiz Diogo, na margem do Jaguary e provavelmente proximo do arraial de Santa Rita da Extrema. O governador de Minas, D. Antonio de Noronha,  vistando esta região em 1788, refere o ultimo morador se achava a uma legua ácima do Morro do Lope (p. 350).
            Na antiga estrada de Guaratinguetá para São João d'El-rei a questão de limites parece ter sido dada por completamente resolvida depois da Provisão Regia de 30 de Abril de 1747. Na estra de Itajubá tambem não consta ter havido conflicto algum depois do acto possessorio de Luiz Diogo em 1764. À esquerda desta estrada, porém, na região fronteira a Pindamonhangaba, as auctoridades locaes de Ayuroca tentaram, em 1774, tomar posse da fazenda de Ignacio Caetano Vieira de Carvalho que, appellando directamente para o governador de Minas, conseguiu o reconhecimento provisorio de estar a sua propriedade no territorio paulista (p. 513).
            Dois documentos originarios de Villa Rica nesta epocha dão a conhecer um modo de vêr nos circulos officiaes da capital mineira que não achou expressão na correspondencia do governador. São o mappa da Capitania de Minas Geraes organisado em 1778 por José Joaquim da Rocha e a <<Instrucção para o Governo da Capitania de Minas Geraes>> escriptos em 1780 por um antigo magistrado da Capitania e estampado na Revista do Instituto Historico em 1852. O mappa, que, considerando-se a epocha e o caracter primitivo dos mappas anteriores, é um excellente trabalho cartographico, representa a divisa correndo quasi em linha recta do Morro do Lopo pela serra do Mogyguassú até encontrar a estrada de Goyaz [LXIX] no registro paulista de Itupeva; e depois acompanhando esta estrada até o Rio Grande. A <<Instrucção>> de José João Teixeira Coelho, desembargador da Relação do Porto depois de 11 annos de serviço em Minas, reproduz (sem nome de auctor) o mappa acima referido, e diz:
            <<Os limites da Capitania de Minas Geraes que vão descriptos na carta corographica, foram assignados, em parte, segundo as ordens reaes, e em parte, pela posse que os habitantes d'ella adquiriram das terras que foram povoando.
            <<Tem havido grandes duvidas sobre os verdadeiros limites entre esta capitania e a de São Paulo, e para se terminarem foram expedidas as ordens de 30 de Abril de 1722, passada em virtude da resolução de 28 do mesmo, de 23 de Fevereiro de 1731, passada em virtude da resolução de 20 do mesmo e de 22 de Junho de 1743, passada em virtude da resolução de 12 do mesmo.[32]
            <<Gomes Freire de Andrade, em virtude da real ordem que se lhe dirigiu, e de que elle faz menção na carta de 27 de Maio de 1749, commetteu a divisão dos ditos limites ao desembargador, Thomaz Rubim de Barros Barreto, e elle a fez principiando do alto da serra da Mantiqueira, onde estava um marco antigo, e tirando uma linha pelo cume da dita serra até o Morro do Lopo, e deste ao Morro de Mogiaçu, e d'elle ao Rio Grande onde principia a Capitania de Goyaz.
            <<O governador Luiz Diogo Lobo da Silva, passando no anno de 1764 a examinar aquelles sitios excitou a observancia da dita divisão pelo bando de 24 de Setembro, e pelo termo da juncta feito em São João de El-Rei a 26 de Novembro do mesmo anno: e tudo foi approvado pelo Aviso de 25 de Março de 1767.
            <<E ainda que o vice-rei do Estado fez nova divisão por um termo da juncta no Rio de Janeiro a 12 de Outubro de 1766, foi sem ouvir o governador de Minas, e nunca se executou esta divisão, na qual se seguiu tudo quanto o guarda-mór Pedro Dias Paes Leme, Paulista, quiz persuadir apaixonada [LXX] e injustamente aos membros da dita juncta, nenhum dos quaes tinha o menor conheciento do terreno da contenda, e d'este modo ficou tudo no estado antigo.
            <<Os governador de S. Paulo, sem embargo d'isto, se foram introduzindo violentamente e de mão armada em algumas terras, de que sempre estiveram de posse os governadores de Minas.     
            <<O conde de Valladares, tendo noticia de que o governador de S. Paulo alterava o socego dos moradores do Ouro Fino e Campanha de Toledo, com o pretexto de lhe pertencerem aquelles districtos, mandou postar uma guarda na dita Campanha para pacificar os povos e para evitar os insultos, ordenando o cabo d'ella que nunca resistisse com armas ás guardas de S. Paulo, e ponderou aquelle governador os prejuizos que resultavam de sua tentativa.
            <<No tempo do governo de Antonio Carlos Furtado de Mendonça, continuavam os governadores de S. Paulo a pôr em practica a mesma pretenção injusta por meios violentos e desusados entre os vassalos de um mesmo monarcha, e o mesmo practicaram no tempo do governo de D. Antonio de Noronha.
            <<A moderação com que todos os ditos governadores de Minas se conduziram a este respeito, não querendo rebater a força com outra força, por não arriscar as vidas dos habitantes d'aquelles sertões, animou os goverandores de S. Paulo, a que successivamente fossem estendendo os limites da sua capitania>>.
            Quando um alto funccionario judicial, estranho aos interesses e lutas particulares da Capitania e conhecedor dos documentos sobre o caso, encara o assumpto deste modo e escreve assim a sua historia, não e de admirar que as auctoridades subalternas e o povo da fronteira tivessem noções um tanto confusas sobre o aspecto juridico da questão.
            Por estes dous documentos fica bem patente a desvantagem para a Capitania de São Paulo da formula officialmente adoptada, depois da sahida de D. Luiz Antonio de Souza, em lugar da que, em direito, devia ter regulado o assumpto. A formula adoptada tacitamente foi de cada governador manter a posse effectiva, ou <<o statu quo deixado por seu antecessor.>> A verdadeira devia ter sido <<manter o convenio de statu quo de 1766,>> sendo a posse mineira limitada pela [LXXI] effectiva estabelecida por Luiz Dioogo em 1764. Esta substituição de formula deixava de pé, com enorme vantagem para os Mineiros, a invalidada demarcação de Thomaz Rubim, abrindo assim a porta a grande variedade de interpretações de que esta era susceptível. Os Mineiros facilmente e com toda a boa fé se convenceram de que o seu direito era positivo até onde entenderam esticar esta linha elastica, e os governadores paulistas não souberam discriminar claramente o territorio em que o seu direito era liquido, do contestado em que, emquanto o governador não resolvesse, era necessario transigir.
            Na administração de Francisco da Cunha e Menezes e de Francisco José Raymundo Chichorro da Gama Lobo (1782-1788), as auctoridades de Cabo Verde abriram um caminho até o Rio Pardo e tentaram apoderar-se das minas neste rio e dos campos além do rio (p. 362), sendo porém repellidas pelo vigilante commandante do registro de São Matheus, Jeronymo Dias Ribeiro. O descobridor destas minas, Ignacio Preto de Moraes, tinha-se estabelecido com fazenda de crear nos campos da Serra de Caldas, com carta de sesmaria passada pelo governo de São Paulo a 20 de Julho de 1786 (p. 941). Ao que parece, começaram então a ser procurados os campos de crear; e logo no anno seguinte as auctoridades de Ouro Fino trataram de estabelecer guarda e registro nos mesmos campos, entrando provavelmente pelo lado da já referida tranqueira de Verissimo João de Carvalho[33]. As partes dadas ao governador de São Paulo sobre estas occorencias não tiveram resposta; e no anno seguinte o commandante do registro de São Matheus refere que havia diversos Mineiros estabelecidos nos mencionados campos (p. 371).
            [LXXII] Bernardo José de Lorena, ao tomar posse do governo de São Paulo em 1788, deu ordem para manter os limites deixados pelo seu antecessor, Francisco da Cunha e Menezes, como medida provisoria emquanto elle representava ao governo de Lisboa sobre a necessidade de dar execução ao Assento de 12 de Outubro (p. 374). O novo governador teve de officiar ao de Minas Geraes sobre a continuação dos conflictos nos campos de Caldas e a prisão de um Paulista que se achava no uso das aguas dos poços (p. 372), e tendo notícia (p. 373) da renovação do antigo projecto de estabelecer um registro na passagem do Rio Pardo na estrada de Jacuhy (vizinhanças de Cajuru?), e outro na estrada de São Matheus perto do Rio Jaguarymirim (provavelmente na Serra do CAracol), elle ordenou em 1789 um inquerito para determinar quaes eram os limites no tempo de Francisco da Cunha e Menezes (p. 375). ESte inquerito conhecido pelo titulo de <<Summario Vellozo e Gama>> (pp. 376-410) contém a historia da região desde o tempo de D. Luiz Mascarenhas, contada por diversos assistentes e os detalhes já referidos sobre o estado da fronteira naquella epocha. Nota-se que nesta occasião a estrada de São Matheus era pouco frequentada e quasi intransitavel, circumstancia esta que indica que grande parte do trafego de Cabo Verde e Jacuhy ia por vias illicitas atravez da região facil dos campos de Caldas. Assim se explica o empenho das auctoridades mineiras em estabelecer registro na estrada de São Matheus em ponto que deominava a entrada para os campos. Outras indicações interessantes sobre o desenvolvimento das vias commerciaes é o Bando (p. 412) prohibiindo o trafego para Goyaz, viâ a estrada do Jaguary. Ouro Fino e Jacuhy, em prejuizo do donatario da antiga estrada de São Paulo a Goyaz.
            Tendo Bernardo José de Lorena transmittido o <<Sumario Vellozo e Gama>> ao governador de Minas annunciando a sua resolução de manter os limites nelle indicados (p. 410), as cousas parecem ter voltado ao seu antigo estado, e nao ha noticia de novos conflictos durante o resto da sua administração. Nada dizem os documentos a respeito dos Mineiros já estebelecidos nos campos de Caldas, sendo de presumir que estes ficaram prestando obediencia nominal ao governo de São Paulo.
            É também de presumir que os Mineiros, não conseguindo estabelecer registro na estrada de São Matheus, tiveram de o fazer na sahida dos campos proximo á antiga tranqueira [LXXIII] de Verissimo João de Carvalho, e talvez no lugar da actual cidade de Caldas. O certo é que nesta epocha (1789) não tiveram registro nesta região e que em 1807 havia um com a denominação de <<As Caldas>> (p. 4620, sendo que, conforme o Diccionario Geographico de St. Adolphe, a origem da cidade deste nome era uma guarda do districto de Ouro Fino[34].
            O districto de Jaguary se conservou calmo durante a administração de Bernardo José de Lorena, salvo boatos (p. 377) de renovação do projecto de se estabelecer o registro mineiro na margem do Rio Jaguary, ou mesmo na propria freguezia. No districto do alto Sapucahy foram concedidas diversas sesmarias, que depois se tornaram assumpto de conflictos.
            Indo em 1796 governar a Capitania de Minas, Bernardo José de Lorena mudou naturalmente de parecer a respeito da questão dos limites não sustentando mais o direito paulista até o Sapucahy (p. 418); porém elle parece ter executado lealmente o mesmo pensamento de manter provisoriamente os limites deixados por Francisco da Cunha e Menezes. Assim no tempo do seu antecessor em São Paulo, Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça (1797-1802), nada houve de notavel em questões locaes referentes ao assumpto. Pelo lado da alta administração houve o despertar somnolento do governo central com a expedição do Aviso Regio de 9 de Novembro de 1798 (p. 420) de nada alterar emquanto o governo não resolvesse, e a nova doutrina de Bernardo José de Lorena de que a Provisão Regia de 25 de Março de 1767 annullava o Assento de 12 de Outubro de 1765 (p. 418).
            Na administração de Antonio José da Franca e Horta (1802-1811) e depois da sahida do governador Lorena em Minas s(1803) surgiram conflictos mais ou menos graves em quasi toda a linha da fronteira. A creação da Villa da Campanha em 1798 trouxe o centro administrativo para um ponto mais proximo e mais directamente interressado nas questães dos limites do que São João d'El-Rei, e as auctoridades da nova villa [LXXIV] começaram a desenvolver em 1805 grande actividade e zelo na melhor collocação dos registros e na fiscalização das novas vias de communicação que se tinham aberto, em parte pelo natural desenvolvimento da região, em parte no interesse do trafego prohibido. Neste louvavel empenho interpretaram a seu modo a divisão conforme a de Thomaz Rubim (pp. 461 - 468) sem se miportarem muito com o convenio dos dois governos de conserveram a divisa nominal antiga. Começou tambem a entrar na questão o capricho individual, que de certo tempo para cá tem sido o elemento dominante na contenda, e pelo qual cada morador da fronteira, geralmente levado por motivos de briga com os seus vizinhos, escolhia livremente a capitania a que devia pertencer.
            A questão do districto de Pindamonhangaba, ou melhor do alto Sapucahy, vindo de muito longe chegou ao seu periodo agudo durante a administração de Franca e Horta. Conforme já vimos, a primeira entrada para a região da Campanha foi feita cerca de 1720 do lado do Parahyba por Gaspar Vaz chamado Ouyaguara (p. 489). A picada então aberta parece ter subido a serra mais ou menos em frente de Guaratinguetá, e annos depois se descobriram n'ella, ou nas suas vizinhanças, minas de ouro no lugar chamado Cachuba, ou Itajubá (hoje Soledade ou Itajubá Velho). As minas, depois de abandonadas por algum tempo, foram reabertas em 1741 ou 1742 (p. 490), creando-se um pequeno arraial donde se abriu depois um caminho mais directo para Piedade (Lorena, p. 490). Adiante de Itajubá, no caminho do sertão, o capitão-mór de Pindamonhangaba, Antonio Francisco Pimentel, estabeleceu uma fazenda de crear nos campos de Capivary, ou do alto Sapucahy, que depois de abandonada foi estabelecida de novo por Ignacio Caetano Vieira de Carvalho que obteve carta de sesmaria do govenro de São Paulo. Já em 1774 outros moradores do valle do Parahyba tinham-se estabelecido nos campos em cima da serra, e entre elles João da Costa Manço, da villa de Taubaté, que se fixou entre a fazenda de Ignacio Caetano e o arraial de Itajubá (p. 576).
            Para se apoderar do arraial de Itajbuá, em 1764, Luiz Diogo Lobo da Silva (conforme se vê no mappa em que vem traçado o seu itinerario) desceu a Serra da Mantiqueira do registro de Capivary pela garganta do Cruzeiro, passou em Embaú (Cruzeiro) e tornou a subir a serra pela estrada de Piedade. Mandando tapar esta estrada, elle abriu uma nova [LXXV] para Capivary ficando Itajubá sujeito ás auctoridades de Ayuruoca. Dahi veio em 1774 o dizimeiro Henrique Dias de Vasconcellos por vias tão agrestes que um da comitiva perdeu a vida n'um despenhadeiro (p.491), e prendeu diversos moradores paulistas dos campos do Sapucahy, entre estes João da Costa Manço e um empregado de Ignacio Caetano. Com excepção de Ignacio Caetano, este moradores se sujeitaram á jurisdicação mineira. Este, porém, appellando directamente para o governador de Minas, obteve ordem de ser a sua propriedade considerada provisoriamente como pertencente a São Paulo.
            Em 1792 tanto Ignacio Caetano como João da Costa Manço obtiveram augmento das suas propriedades em cima da serra por cartas de sesmaria concedidas pelo governo de São Paulo. A posse antiga de Ignacio Caetano parece ter assentado na margem esquerda do Sapucahyguassú e, portanto, em territoria que podia legitimamente ser reclamado por São Paulo em virtude do Assento de 12 de Outubro. As posses de Costa Manço, tnato a antiga como a nova de 1792, e a nova de Ignacio CAetano (se, como parece, esta era o terreno onde hoje se acha a villa Jaguaribe) estavam sitas na margem direita do mesmo rio e, por consequencia, pelo mesmo Assento, não podiam ser pretendidas por São Paulo. Não eram, porém, conhecidos, ou pelo menos attendidos, os detalhes topographicos da região, e em 1790 o capitão-mór de Pindamonhangaba não duvidou assegurara ao governador de São Paulo que todos os campos em cima da serra pertenciam indubitavelmente a São Paulo (p. 414).
            Ignacio Caetano tinha-se compromettido com o governo de Minas a conservar fechada a communicação da sua fazenda com o arraial de Itajubá. Isto naturalmente obrigou a abrir-se um novo caminho para Pindamonhangaba, que era provavelmente o conhecido pelo nome de Itupeva, que desce a serra quasi em frente á cidade. Em 1789, mais ou menos, estabeleceu-se um registro mineiro nas vizinhanças de Itajubá no logar chamado <<As Bicas>>, e houve por parte do commandante tentativa de sujeitar Ignacio Caetano á sua jursdicção (p. 509). Logo depois, em 1792, foram concedidas pelo governo de São Paulo diversas sesmarias pelo Sapucahymirim abaixo, no districto que é hoje São Bento do Sapucahy, em territorio que era paulista pelo Assento de 12 de Outubro, e mineiro pela divisão pela Serra da Mantiqueira e Morro do Lopo.
            Tendo a região tomado assim uma certa importancia, começou-se a questionar a respeito; e a discussão tomou um [LXXVI] caracter geographico, versando sobre a verdadeira significação do termo <<Serra da Mantiqueira>>; de modo que, tacitamente, os Paulistas admittiram a pretensão mineira da divisão pela demarcação de Thomaz Rubim. Entendiam os Mineiros por <<Serra da Mantiqueira>> o divisor das aguas entre o Rio Grande (inclusive o rio Sapucahy) e o Parahyba, ao passo que os Paulistas (conforme se vê no interessante esboço de Ignacio Bicudo de Syqueira, p. 415, e outros documentos) este divisor na parte correspondente ao Sapucahy era lombada interna que atravessa os dois rios Sapucahy emendando-se com o tronco principal em frente de Guaratinguetá. Segundo o modo de vêr dos Paulistas o nome accompanhava a crista mais elevada do systema, ao passo que segundo o dos Mineiros (que se acha mais de accordo com o uso moderno) accompanhava o principal divisor hydrographico.
            Os primeiros conflictos tiveram o caracter de uma briga entre vizinhos. Em 1796 Ignacio Caetano queixava-se de que Costa Manço tinha aberto o caminho para Itajubá (p. 511), atribuindo este acto a projectos de usurpação por parte dos Mineiros, quando talvez fosse apenas dictado pela conveniencia de communicar com os vizinhos estabelecidos no Sapucahymirim por detraz da fazenda de Ignacio Caetano. A mesma queixa renovou-se em 1801, sendo expedida ordem de prisão contra Costa Manço (p. 508). Em 1803 as auctoridades da villa da Campanha pretenderam estabelecer um registro na estrada de Itupeva (p. 433, 440-3), de modo a incluir em Minas a fazenda de Ignacio Caetano e todas as outras que se achassem em cima da serra; e nesta occasião houve nova ordem de prisão contra Costa Manço (pp. 442, 452). Masi tarde, em 1806, o governador de São Paulo mandou prender o proprio commandante de registro das Bicas, caso fosse encontrado no territorio contestado sem ordem expressa do governador de Minas (p. 459). Com estas e outras providencias a questão parece ter acabado, e nada mais consta dos documentos sobre a divisa por este lado, salvo a proposta (que parece não ter sido executada) que, em 1807, fez o inspector das guardas da Campanha de collocar-se o registro no alto da Serra da Mantiqueira (p. 485). Deu-se também, em 1809, a prisão das guardas de Capivary, por motivos que não se acham declarados (p. 476).
            Os moradores paulsitas em cima da Serra da Mantiqueira parecem não ter sido por muito tempo communicação (pelo [LXXVII] menos de caracter licito) para Minas pelo lado do Sapucahy. Os estabelecidos no districto de São Bento do Sapucahy se approximaram no districto de São Bento do Sapucahy se approximaram á antiga estrada de Camandocaia, Mandú (Pouso Alegre) e Santa Anna do Sapucahy, e claro é que mais cedo ou mais tarde se havia de abrir communicação com esta estrada. Os Mineiros tomaram esta iniciativa em 1809 abrindo caminho até os moradores de Sapucahymirim e causando grande alarma entre as auctoridades de Pindamonhangaba e São Paulo que trataram logo de trancar esta nova via (pp. 472, 475).
            Este negocio da nova estrada parece ter sido por algum modo complicado pela rivalidade entre as duas villas de Taubaté e Pindamonhangaba, visto que o capitão-mór desta ultima e Ignacio Caetano se oppuzeram á pretensão de Manuel Ribeiro Pinheiro de Taubaté que, tendo aberto um caminho por suas terras para Camandocaia em Minas, pedia que este fosse franqueado com o estabelecimento dos competentes registros. O requerimento de Manuel Ribeiro Pinheiro, remettido ao governador de São Paulo a 1 de Junho de 1811 (p. 427), teve informação favoravel, não obstante a opposição local; mas já antes o registro tinha sido estabelecido por commum accordo entre as aucotridades de Pindamonhangaba e Campanha em virtude de um encontro casual (p. 479-482). Ao que parece, o requerimento tinha sido remettido também ao governador de Minas e, em consequencia, o juiz de fóra da Campanha foi pessoalmente examinar o local e ahi encontrou a camara de Pindamonhangaba que recebendo noticia desta diligencia tinha ido impedir o que era reputado uma invasão não auctorisada dos Mineiros. Neste encontro ficou amigavelmente combinado que a nova guarda mantida por São Paulo seria no logar chamado Sertão em terras de Claro Monteiro do Amaral, cujos descendentes ainda hoje occupam uma fazenda denominada, Guarda velha cerca de dez kilometros ácima de Santa Anna do Sapucahymirim onde foi depois estabelecido o registro mineiro. Assim ficou franqueada esta nova estrada que depois deu origem a serios conflictos.
            No districto de Bragança houve em 1804 o projecto de avançar o registro de Camandocaia até um ponto distante apenas uma legua da villa (p. 445), o que não se realisou em virtude dos protestos do governador de S. Paulo. Nesta occasião o commandanate do registro se queixava de que o capitão-mór de Bragança tinha feito um caminhbo por detraz [LXXVIII] do registro (p. 448). Como este caminho era para sahir nos campos do Sellado (p. 466), é de presumir que fosse o que se dirige de Bragança ao sul do Morro do Lopo pelo valle do Jacarehy por São João do Curralinho. Este caminho parece ter sido tapado, e não há outras notícias de questões neste districto até 1809, quando foram expulsos pelo capitão-mór de Bragança uns Mineiros que se tinham estabelecido em lugar que não se póde precisar (p. 471). Na mesma occasião levantou-se uma questão entre os proprios moradores de Bragança, dois dos quaes, por teimarem em frequentar caminhos prohibidos, foram obrigados a assignar termo (pp. 471, 488).
            Na outra estrada de Bragança por Ouro Fino não há notícia de conflictos durante a administração de Antonio José da Franca e Horta.
            No districto da villa de Mogymirim  houve diversas questões assaz sérias na região da Serra de Caldas e na da freguezia da Franca, que se tinha creado perto da antiga estrada de Goyaz. Na primeira consta que 1805 um morador de Caldas dobrou a serra e plantou roça em lugar que não se póde precisar, porém em territorio reclamado por São Paulo. Nada mais consta a respeito, sendo de presumir que teve execução a ordem ao juiz de Mogymirim para exercer jurisdicção sobre o novo estabelecimento (p. 458).
            Em 1807, por ordem do capitão Brandão, inspector das guardas da villa da Campanha, a guarda de Caldas (provavelmente do lugar da cidade do mesmo nome) foi se estabelecer na margem do rio Jaguarymirim no logar chamado Contagem de Santa Maria Magdalena (p. 462), que parece ser nas vizinhanças da actual villa de Samambaia ou Caracol. Ao seu encontro sahiu o capitão-mór de Mogymirim com uma comitiva de 50 homens (p. 463) obrigando-o a retroceder ao logar do quartel antigo e destruindo o novo já construido. Ao que parece, não foram attendidos os vehementes protestos do capitão Brandão e do capitão-mór de Campanha (pp. 461, 466), e as cousas ahi voltaram ao seu antigo pé.[35]
            Quasi ao mesmo tempo houve do outro lado da serra, no districto de São Matheus (Caconde), uma questão cuja origem [LXXIX] o fim não estão claramente expressos no unico documento conservado a respeito (p. 458). Parece que foi dada ordem ao velho commandante do registro, Jeronymo Dias Ribeiro que figura nesta historia desde as lutas de Lustosa em 1748), para abandonar aquelle posto já sem renda (p. 468). Um dos moradores aparentado em Cabo Verde promptamente convidou as auctoridades daquelle arraial para tomarem conta do districto, e assim aconteceu. Como o capitão-mór de Mogymirim, com approvação do governador, nomeou outro commandante para o registro (p. 468), é de presumir que este fosse restabelecido e que a posse mineira não se tornou effectiva. Já em 1804 a estrada de São Matheus não tinha mais transito, sendo este abandono provavelmente devido á maior facilidade de entrar em Minas pela região aberta dos campos de Caldas. esta cirumstancia explica o empenho das auctoridades da Campanha em estabelecerem guarda no Jaguarymirim em logar que domina a entrada para a região campestre, onde a fiscalisação seria mais facil do que nas numerosas sahidas no lado mineiro.
            No districto da Franca diversos moradores da villa da Campanha obtiveram do governador de Minas cartas de sesmaria no logar denominado <<Lagoa Rica>>, nas cabeceiras do Sapucahymirim. Os moradores paulsitas do districto se oppuzeram á medição destas sesmarias (p. 454), e para previnir a renovação da tentativa e para desabusar um vizinho que queria passar para Minas a fim de ser nomeado commandante, o commandante paulista do districto (então com o nome de Bello Sertão) propoz a creação de dois quarteis, um na <<Lagoa Rica>> e outro no <<Aterrado>>. Ao mesmo tempo pediu a creação de uma freguezia, que depois tomou o nome do governador (p. 453), ajuntando um mappa muito interessante em que vêm figurados dois marcos no alto do espigão entre o rio São João do Jacuhy e o Sapucahymirim e o Ribeirão das Canoas, em posição que corresponde com a descripção da divisa dada por Luiz Diogo[36]. O governador de São Paulo officiou ao [LXXX] juiz de fóra da Campanha (p. 454) protestando contra qualquer alteração dos limites, e ao mesmo tempo mandou força e ordens para resistir (pp. 456-457). No anno seguinte foram dadas novas providencias a respeito accompanhadas de ordem de prisão contra os infractores (p. 459). Em virtude destas medidas os sesmeiros entenderam registrar as suas cartas em São Paulo, reconhecendo assim a jurisdicção daquella Capitania sobre o districto (p. 412-417).
            Em 1809 os moradores de Franca, por instigação do governador (p. 410), pediram a creação da villa em requerimento que foi enviado ao governo com informação favoravel do governador (p. 422). Antes de ser despachado este requerimento, o povo de Jacuhy pediu o mesmo favor com accrescimo da annexação á nova villa mineira da freguezia paulista da Franca (p. 476). Apezar dos esforços do governador Franca e Horta, este negocio não chegou a ser concluido durante a sua administração.
            Estes diversos conflictos parecem ter afinal despertado a attenção do governo central, já transferido para o Rio de Janeiro; e na administração do Marquez de Alegrete pediu-se ao governador de São Paulo (provavelmente também ao de Minas Geraes) informação <<sobre o plano que se deverá seguir na divisão dos limites dessa Capitania com esta (Rio de Janeiro) e com a de Minas Geraes>> (p. 519). Em cumprimento desta ordem foi organisada pelo secretario da Capitania de São Paulo, Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, uma extensa memoria (pp. 525 - 545) acompanhada de 64 documentos comprobatorios, dos quaes 51 se referem á questão com Minas Geraes e 13 á com o Rio de Janeiro.
            Este documento, que a Assembléa Provincial mandou publicar em 1846, tem sido até agora a única fonte accessivel ao público de informação relativa á origem e desenvolvimento historico da questão. Com exposição do assumpto, mesmo sob o ponto de vista de advogado de uma das partes, é deficiente, especialmente por dar a idéa de que o Archivo de São Paulo é muito pobre em documentos referentes ao caso e [LXXXI] que os diversos actos qualificados de invasões, de que os Paulistas se queixavam tão amargamente, tinham passado sem protesto em tempo. É difficil perceber em que principio o auctor se baseava na escolha dos documentos com que instruiu a sua informação. Por exemplo, elle dá extractos copiosos, mas não completos, da correspondencia de todos os successores de D. Luiz Antonio de Souza, cujo nome é apenas mencionado sem uma palavra, sequer, da sua extensa e extremamente importante correspondência [37]
            Outra indicação de interesse na qeustão por parte do governo geral é o pedido de informação sobre as <<Areas Prohibidas>> (p. 547).[38]
            Pela resposta do governador de São Paulo (p. 248) e por outras referencias, parece que estas áreas (que sómente poucos annos antes desta epocha começaram a figurar nos documentos) tiveram uma origem extralegal e que eram mantidas em redor dos seus respectivos registros com igual empenho [LXXXII] penho por ambas as capitanias como um meio de protecção e, quiçá, como meio de preparar futuros avanços da fronteira para o territorio occupado, ou pretendido, pelo adversario. Pela carta de 20 de Fevereiro de 1814 ao governador de Minas (p. 555) e pelo edital do juiz de fóra da Campanha (p. 557), vê-se como se póde tornar melindrosa esta questão de áreas prohibidas, ficando qualquer morador de uma certa zona da fronteira sujeito a ser considerado como o seu legitimo vassallo pelo governador de uma das capitanias, e como intruso nas suas áreas prohibidas pelo da outra. É também claro que para certa ordem de interesses privados esta posição dubia de filiação politica tinha certas vantagens que ainda hoje não estão de todo desprezadas.
            Outro Aviso Regio dirigido aos governadores de ambas as capitanias em Agosto de 1814 (p. 552) declara que o governo está estudando o assumpto, e manda observar um rigoroso statu quo emquanto não vier a resolução que é promettida em breve.
            Durante a permanencia do Marquez de Alegrete no governo de São Paulo e do Conde de Palma no de Minas, a zona da fronteira parece ter gozado de paz; porém com a sua retiradas rebentaram novos conflictos dando occasião ao governo provisorio de São Paulo para enunciar a quexia, muitas vezes suggerida nesta longa contenda, que com cada mudança de governador de Minas havia novos ensaios de aggressão (p. 549), como se fosse para experimentar a mão do novo governo.
            No districto do alto Sapucahy começou um conflicto que durou por muitos annos. As novas estradas abertas legalmente em 1811 parece não terem sido muito frequentadas no princípio, e por algum tempo o governo de Minas conservou os seus registros nos pontos antigos e distantes de Camandocaia e Mandú, ao passo que o de São Paulo estabeleceu uma guarda no ponto fixado por commum accordo na occasião da abertura da estrada. Esta guarda achava-se em terras da sesmaria de Claro Monteiro do Maral, provavelmente na bifurcação das duas estradas que neste tempo parece ter sido no logar ainda hoje conhecido pelo nome de Guarda Velha e occupado por descendentes do orignal sesmeiro. Rio abaixo deste ponto se estabeleceram com a proteção do capitão Manoel Furquim de Almeida, pessoa influente em Camandocaia, diversos moradores deste ultimo logar em terras reclamadas por Ignacio [LXXXIII] Caetano Vieira de Carvalho. A pedido deste a camara de Pindamonhangaba interveiu em Novembro de 1813 (p. 576) estabelecendo diversas guardas e tapagens. Uma das novas guardas era removida do districto de Bicas (indicando que tinham cessado os conflictos pelo lado das propriedades de Castro Manço) e posta no logar denominado Bahú, onde se tinha fixado o mais importante dos suppostos intrusos, Salvador Joaquim Pereira. Pelas auctoridades mineiras este acto foi considerado como um rompimento das suas áreas prohibidas e, em Abril do anno seguinte, houve um contra-movimento (p. 558 - 565) com destruição das tapagens, estabelecimentos de outras, ameaças, etc. As partes dirigidas ao governo de Ouro Preto (p. 564) aconselhavam o estabelecimento do registro no alto da Serra da Mantiqueira dos mineiros (Serrote do Parahyba dos Paulistas), e tendo-se obtido ordem do governador de Minas neste sentido foi ahi construido um quartel em Julho (p. 569 - 572). Depois de muita correspondencia, a camara de Pindamonhangaba obrigou a guarda a se retirar a 31 de Agosto (p. 572), presumivelmente antes de ter chegado ao seu ocnhecimento o Aviso Regio expedido poucos dias antes (a 22 do mesmo mez) mandando guardar o status quo. O novo quartel ficou abandonado até Novembro do mesmo anno, quando foi queimado por ordem das auctoridades de Pindamonhangaba (p. 589 e 948). A denominação de <<Quartel queimado>> figura ainda em documentos de 1847 e no mappa de Minas de 1855, parecendo ser applicado á actual povoação de Santo Antonio do Pinhal[39].
            [LXXXIV] Em fins de 1814 o Conde de Palma, que tinha governado a Capitania de Minas, passou a administrar a de São Paulo. Conhecendo assim a questão de ambos os lados, elle fez logo um appello ao governo geral para fixar <<limites certos invariaveis>> (p. 579). Em resposta vieram duas Provisões Regias com data de 10 de Abril de 1815 (pp. 581 - 583) que indicam que o promettido estudo do Goerno não tinha ainda chegado, como nunca chegou, a idéa claras e definidas sobre o assumpto. Em resposta vieram duas Provisões Regias com data de 10 de Abril de 1815 (pp. 581 - 583) que indicam que o promettido estudo do Governo não tinha ainda chegado, como nunca chegou, a idéa claras e definidas sobre o assumpto. Em uma se pede de novo informações sobre a pretensão da freguezia de Franca a ser erigida em villa e sobre a suposta remoção dos limites da capitania das margens do Rio Pardo onde, como bem informou o conde de Palma (p. 582), nunca estiveram, salvo tentativamente por alguns dias duarnte a administração do Conde de Valladares. Na outra Provisão Regia podem-se informações ácerca do Assento de 12 de Outubro de 1765 que assim, depois de 55 annos, figura pela primeira vez em documento official emanado do governo geral.
            A significação principal desta ultima Provisão Regia é que destroe a argumentação de Bernardo José de Lorena (p. 418) de que o Assento de 12 de Outubro tinha sido annullado pelo Aviso Regio de 25 de Março. É para notar que esta argumento, o mais forte até então apresentado pelos governadores de Minas na sua correspondencia, não foi repetido na resposta dada pelo governador de minas á referida Provisão Regia. A resposta dada a esta consulta pelo governador de São Paulo pouco interesse offerece, sendo apenas uma referencia á informação de Chichorro á qual se ajuntou um mappa copiado do de Montezinho de 1792 com o accrescimo de tres linhas representando a divisa reclamada por São Paulo, a reclamada por Minas e a que <<actualmente se observa>>. Esta ultima acompanha o Rio PArdo em completo desaccordo com a informação por escripto prestada quasi na mesma occasião (p. 582)[40].
            A resposta do governador de Minas, D. Manoel de Portugal e Castro, veiu accompanhada de copias dos documentos conservados no archivo de Ouro Preto, que eram julgados essenciaes [LXXXV] para sustentar o lado mineiro da questão. Bem que esta collecção não tenha sido completamente conservada, vê-se pelas referencias do officio que nada continha de essencial que não fosse conhecido em São Paulo, e que já não esteja incluido na presente collecção. Depois de explicar que a ordem do Marquez do Lavradio relativa ao Assento de 12 de Outubro não tinha sido executada em Minas por não estar devidamente registrada, <<existindo apenas um registro avulso>> (p. 585), o governador de Minas sustenta que: -
            1.º - Thomaz Rubim <<naõ exedeu o que lhe fôra ordenado.>>
            2.º - Luiz Diogo nos actos que mereceram a approvação regia no Aviso de 25 de Março <<se circumscreveu aos limites pelo seu antecessor estabelecidos.>>
            3.º - Estes limites foram <<mesmo bem aceitos pelo Vice-Rei Conde de Cunha como se evidencea pela carta dirigida ao ouvidor de São Paulo.>>
            Como a Mesa do Desembargo do Paço não chegou a conclusão alguma, é de presumir que foram achados validos estes argumentos, dando assim a medida do valor dos estudos a que foram submettidos os documentos apresentados[41].
            Durante a administração do Conde de Palma a questão local de maior importancia foi a dos limites entre Franca e Jacuhy, que já antes tinham reclamado simultaneamente a passagem da categoria de freguezia para a de villa. Attendendo primeiro, em 1814, á pretensão mineira, o governo fiel ao seu systema de rodear em lugar de resolver as difficuldades, passou em silencio sobre a pretensão de incluir o districto de Franca dando ao Alvará da creação da nova villa (p. 726) uma redacção que implicitamente a excluia. Devido, porém, á [LXXXVI] circumstancia fortuita de um ajuste particular entre os vigarios de duas freguezias vizinhas (ambas pertencentes ao bispado de São Paulo) em virtude do qual os limites ecclesiaticos não combinavam com os civis, a exclusão não foi explicita, e a nova camara se appressou em apoderar-se de uma parte do cubiçado territorio.
            O caso vem contado e documentado na discussão sobre os mesmos limites de 1850-1852. Conforme o assento feito em 1807 (p. 729) no Livro do Tombo do Jacuhy pelo respectivo vigario, já em 1786 diversos moradores se tinham estabelecido no lugar chamado Aterrado situado entre a estra de Goyz e o ponto Desemboque designado por Luiz Diogo como limite das capitanias. A freguezia paulista mais proxima era a de N. S. do Bom Sucesso do Rio Pardo, e a vida de communicação mais commada, senão a unica, parece ter sido a estrada que passava por Jacuhy. O vigario de Jacuhy, sendo proprietario do logar, declara que combinou com o do Bom Sucesso para o socorro espiritual destes moradores, reconhecendo assim implicitamente que nesta epocha elle, e provavelmente o resto do povo de Jacuhy, considerava o districto como pertencente a S. Paulo. Quando depois, em 1804 (pp. 446, 612, 615), o tenente Ignacio Alvares de Toledo, em virtude de ordens recebidas do governador de São Paulo, collocou marcos (provavelmente os que figuram no mappa annexo ao documento da p. 453) definido a divisa assim reconhecida em 1786, o mesmo vigario achou <<surrupticia>> a demarcação. Tendo renovado o ajuste de conveniencia pessoal com seu collega removido para a nova freguezia da Franca, elle lavrou o assento do Livro do Tombo, antepondo assim a sua divisão ecclesiastica á civil estabelecida por ordem do governador de São Paulo.
            Assim na occasião da creação da nova villa houve a divisão civil contestada no civil e no ecclesiastico pelo vigario e pelo povo de Jacuhy, e a divisão ecclesiastica contestada no civil pelo povo de Franca e pelo governo de São Paulo, porém admitida no ecclessiastico pelo vigario de Franca. Como a Alvará de 19 de Julho de 1814 (p. 726) fala do <<territorio actual da freguezia de Jacuhy pelos seus actuaes limites>>[42], a nova [LXXXVII] camara achou-se auctorisada a arrancar o marco antigo, levantar um novo na barra do ribeirão das Canoas e destruir o quartel estabelecido no districto do Aterrado nas vizinhanças do dito marco. Assim não julgou o governadro de Minas, que reprehendeu asperamente a camara e mandou restituir o marco á sua posição antiga (p. 591). Pelos documentos á mão não se póde saber se a camara de Jacuhy conseguiu do governador a revogação desta ordem, ou se, inscrevendo-a <<em registro avulso>>, deixou simplesmente de observa-la. A camara de Mogymirim, por ordem do governador, lavrou o competente protesto (p. 610-617), e a de Jacuhy ficou com a cubiçada posse do districto do Aterrado.
            Ao mesmo tempo houve outra questão um tanto semelhante entre as freguezias de Ouro Fino e Bragança. Alguns moradores no districto do Rio do Peixe (região do Soccorro) eram servidos no espiritual pelo vigario de Ouro Fino, que se queixou da opposição do capitão-mór de Bragança (p. 621), e citou o facto de serem os moradores da Campanha de Toledo sujeitos á administração civil de Minas, porém, por suas conveniências pessoaes, annexos á freguezia de Bragança. Estipulando que a divisão ecclesiastica não havia de comprometter a civil, o conde de Palma ordenou ao capitão-mór de Bragança que respeitasse a divisão das freguezias pelo Rio do Peixe (p. 620).
            Na correspondencia relativa a este assumpmto (p. 621) e á inspecção da fronteira pelo commandante de Ouro Fino (p. 619) transpira que as celebres áreas prohibidas estavam sendo povoadas e cortadas por estradas de um modo perfeitamente natural, porém muito inquietador para os encarregados de anutenção do statu quo ordenado pela Provisão Regia de 20 de Agosto de 1814. A cinco leguas mais ou menos de Ouro Fino o commandante achou, posta pelos moradores paulistas, uma tranqueira que, no seu entender, penetrava três leguas para dentro dos limites da Capitania de Minas. A localidade conhecida pelo nome <<Rancho Grande>> não póde ser precisava neste momento, mas é de presumir que estivesse situada no actual districto do Socorro, ou nas suas immediações[43] [LXXXVIII] Tendo elle rompido esta tranqueira, a camara de Mogymirim representou contra esta supposta invasão e recebeu ordem do Conde de Palma para sindicar do estado dos limites baseando-se no <<Summario Vellozo e Gama>> (p. 618). Em execução desta ordem a camara lavrou um auto (p. 699) em que declarava que a divisa antiga era <<pela Serra Negra procurando a Serra da Boa Vista>>. Para a marcar, foi fincado um marco no districto do Rio Eleuterio além dos limites da propriedade do capitão José gomes de Oliveira Franco (p. 6 33). A collocação deste marco foi reprovada pelo Conde de Palma por não estar contemplada nas suas instrucções (p. 622). Os moradores mineiros do districto reclamaram contra o marco que disseram reclamaram contra o marco que disseram achar-se mais de uma legua para dentro do verdadeiro limite, que era <<da Serra Negra ao alto da Serra da Boa Vista, rumo direto>>, ou <<da ponta da Serra Negra á ponta da Serra da Boa Vista, ruom direto>> (pp. 635-636). Ahi, portanto, as duas partes estiveram, nesta epocha, de accordo na descripção geral da divisa, e a controversia parece ter sido sobre a posição da linha recta ligando os dois pontos extremos, Serra Negra e Serra da Boa Vista.
            Uma outra questão na região de Bragança vem referida tão vagamente (pp. 594, 608, 610) que não se póde precisar a localidade nem julgar da sua importancia, que parece não ter sido grande.
            Uma outra questão na região de Bragança vem referida tão vagamente (pp. 594, 608, 610) que não se póde precisar a localidade nem julgar de sua importancia, que parece não ter sido grande.
            Na região do alto Sapucahy houve depois da ordem regia de 22 de Agosto de 1814 um período de calma relativa. A queixa de Salvador Joaquim Pereira (p. 593) parece referir-se aos factos já acima mencionados da administração anterior. A camara de Pindamonhangaba reclamou em 1815 (p. 596) contra a prisão de um dos seus municipes pela guarda de Minas e teve em resposta a ordem (p. 607) de resepitar e fazer respeitar a divsia estabelecida em 1811 não permitindo questões de terras sobre posses que se dizem pertencer a Minas e que se mostrava terem pago ahi os respectivos dizimos. Foi talvez em virtude desta ordem que Ignacio Caetano desistiu da sua questão com Salvador Joaquim Pereira e outros dos suppostos intrusos que assim firmaram as suas posses no districto, tanto assim que em 1820 Salvador Joaquim Pereira fez doação de terreno para uma capella (p. 628). A localidade parece ser a actual Santa Anna do Sapucahymirim. Em 1817 houve nova tentativa de mudança do registro mineiro (p. 623), talvez a mencionada pelo vigario de Pindamonhangaba [LXXXIX] (p. 662), e no anno seguinte (p. 623) foi dada ordem pelo governo de São Paulo para se facilitar a missão de um official do governo de Minas encarregado de trabalhos relativos ao registro. É de presumir que foi nesta occasião que o registro ficou definitamente collocado em Santa Anna de Sapucahy-mirim, onde ainda permanece.
            Na informação prestada ao requerimento dos descendentes de Bartholomeu Bueno (Anhanguera), o donatario das passagens na antiga estrada de Goyaz, pedindo a tapagem da estrada do Desemboque, o Conde de Palma communica que esta tinha-se tornado a estrada principal para Goyaz, principalmente no tempo das aguas, e faz judiciosas observadas sobre a liberdade do commercio e a abertura de novas estradas (p. 581).
            Durante a administração do governador João Carlos Augusto de Oeyenhausen (1819-1821) foi expedida uma Provisão Regia (p. 625) pedindo copia da memoria de Chichorro, naturalmente por já estarem gastos em aturados estudos os dois exemplares anteriormente remettidos. No seu officio de transmissão (p. 626) o governador pediu urgencia na solução da questão, visto continuarem as incursões em quasi todos os pontos dos limites. A resposta em AViso Regio de 27 de Outubro de 1820 (p. 626) extranhou que tivessem continuado as incursões <<não obstante se achar tratando a Mesa do Desembargo do Paço sobre os limites>> e ordenou que <<emquanto se não fixar a demarcação dos limites se não mude registro nem alguem estabeleça fazendas nos lugares duvidosos>>. Esta ultima providencia, se fosse exequivel e se tivesse sido executada, teria condemnado á estagnação durante mais de três quartos do seculo a região em que se acham hoje alguns dos mais florescentes municipios dos estados de São Paulo e Minas.
            As occorencias locaes desta administração, que ficaram registradas, foram nos districtos de Mogymirim, Bragança e Pindamonhangaba. No primeiro houve protesto de moradores e auctoridades (entre estas é digno de nota o nome de Bento José Tavares) de Ouro Fino (pp. 632-636) contra o acto já referido na camara de Mogymirim em collocar um marco no districto do Rio Eleuterio. No districto de Bragança a questão (p. 628-630) parece ter sido antes entre vizinhos daquelle municipio do que entre os povos das duas capitanias. Mais séria foi a renovação das contendas no districto do alto Sapucahy, município de Pindamonhangaba, que ainda continuaram nas admnistrações seguintes.
            [XC] Logo depois da revolução de 1821 o governo provisorio de São Paulo teve de representar sobre factos occoridos no districto do alto Sapucahy e o Principe Regente mandou activar os estudos da Mesa do Desembargo do Paço (p. 636). Quasi ao mesmo tempo o governo provisorio de Minas propoz que a questão fosse tratada directamente entre os dois governos por meio de uma commissão mixta (p. 638). Sendo aceita esta proposta pelo governo de São Paulo, este pediu a suspensão dos trabalhos da Mesa do Desembargo do Paço (p. 6370, e assim se perderam os resultados de tão prolongado e, sem duvida, valioso estudo. Chegou-se a nomear os membros da comissão mixta e a marcar a data e ponto da sua reunião (p. 642), porém esta teve de ser adiada por causa da doença de um dos commissionarios mineiros (p. 643), e nunca masi se falou em tão bella iniciativa.
            Na ausencia da correspondencia da parte de São Paulo é difícil saber exactamente o que foi contemplado neste porjecto de uma commissão mixta. Evidentemente o governo de Minas não lhe dava importancia mais do que a puramente local para a pacificação dos disturbios de Pindamonhangaba, e na esperança (tão convencidos andaram sempre os Mineiros da justiça da sua causa e do nenhum fundamento das pretensões paulistas) de novas aquisições de territorio sem curar de concessões mutuas. O seu primeiro commissionario, membro do governo provisorio, mostrou-se principalmente preoccupado (p. 646) com a idéa de obter melhor fecho para a sua provincia e, a fim de ir-se preparando um mappa topographico neste intuito, manteve o commandante do registro cujas exigencias tinham dado origem á desordem. O governo de São Paulo mostrou-se conciliador com os melindres mineiros a ponto de mandar sustar a erecção de uma capella (talvez a de São Bento do Sapucahy) em logar que considerava incontestavel (p. 644), e proceder de accordo com o commandante do registro mineiro na tapagem de estradas (p. 645). Foi talvez por perceber e não concordar nas restricções que o governo de Minas teve em mente que o de São Paulo deixou cahir o projecto.
            A situação no mencionado districto foi devéras por tal modo complicada e exquisita que, com a melhor disposição de parte á parte, era quasi impossivel conciliar os interesses das duas provincias. Não tendo conseguido estabelecer o seu registro no alto da serra na garganta de Santo Antonio do [XCI] Pinhal (unico ponto em que era possivel a rigorosa fiscalisação em que tanto se empenharam, e isto mesmo só na hypothese de passar á sua jurisdicção toda a região em cima da serra), os Mineiros viram-se obrigados a recuar ás posse que Salvador Joaquim Pereira e outros tinham conseguido manter no valle do Sapucahymirim. Constituiam estas uma estreita nesga de terras encravadas no territorio paulista e uma situada de modo a dominar as duas estradas principaes da região. Uma que vinha de Camandocaia era exclusivamente, ou quasi assim, em territorio mineiro até o limite admittido pelos Paulistas. A outra que vinha de Mandú (Pouso Alegre) tinha, rio abaixo, o Bairro dos Cerranos (hoje São Bento do Sapucahy) que já em 1814 ccontava 60 fogos e 270 pessoas de confissão (p. 568) que teimaram em não se sujeitar á jurisdicção mineira e que tiveram as suas vias de communicação mais antigas, porém menos commodas, pelos campos do Jordão e pela assim chamada estrada de Itapeva. O commandante do registro entendeu obrigar estes moradores paulistas a servirem-se exclusivamente da estrada mais commoda pelo valle e pelo registro, facilitando-lhes neste caso as contemplações que a situação exigia, ou exclusivamente das estradas no territorio paulista impondo-lhes todos os encargos do registro no caso de não taparem estas estradas. Sustentava esta sua determinação com muita verbosidade e com uma certa dose de vituperação (pp. 647-660). Os infelizes moradores do districto estiveram dispostos a ceder (pp. 655, 656, 660), porém as auctoridades de Pindamonhagaba resistiram (p. 662). A questão continuou até meados de 1823 e nada consta dos documentos á mão de como ou quando acabou.
            A contenda no município de Bragança sobre a estrada do Curralinho (pp. 664-666) foi mais uma questão entre vizinhos do lado paulista do que de limites propriamente ditos. A sua importancia com referencia aos limites está em mostrar que em 1823 o registro mineiro permanecia perto de Santa Rita da Extrema e presumivelmente no ponto onde foi primeiramente estabelecido por ordem de Luiz Diogo, em 1764. Nos documentos que temos á mão é esta a ultima referencia que se encontra á posição da divisa na antiga estrada pelo valle do Jaguary. Quando e como a divsia avançou para a sua posição actual no outro extremo do Morro do Lopo e cerca de duas leguas adiante da posição primitiva é ponto que não se acha documentado. Por uma informação da camara de Bragança a respeito das estradas parece certo que em 1852 o [XCII] limite estava ainda em Santa Rita da Extrema. Conforme tradições locaes o vanço foi feito por diversos estadios. É de estranhar que nos documentos de Bragança nada se encontre a tal respeito.
            No districto da Franca houve uma questão sobre a abertura do porto da Rifaina (pp. 667-668) que também não foi propriamente negocio de limites visto referi-se a um ponto sobre o Rio Grande abaixo da região contestada. Era mais uma estrada que se abria de São Paulo para Minas nesta região, sendo as antigas a de Goyaz que passava no Porto da Espinha e a do Desemboque que atravessava o Rio Grande no Porto de Santa Barbara. A do porto da Rifaina ficou depois conhecida com o nome da estrada do Sacramento.
            A independencia do Brazil não modificou quanto era de esperar as condições da questão de limites. A possibilidade de uma solução pelo corpo legislativo do novo imperio ficou sendo uma simples possibilidade cujo unico alcance pratico era de ainda mais enfraquecer a acção do governo na zona da fronteira, de modo que debaixo  do imperio, ainda mais do que na epocha colonial, a questão de limites ficou entregue ao jogo dos interesses e caprichos individuaes dos moradores e auctoridades locaes da regiao. Cada um se declarava Paulista ou Mineiro conforme as suas conveniencias pessoaes, que podiam variar de um momento para outro, se, conforme rezam as chronicas, grande parte desta população era composta de desertores e criminosos. Assim as oscillações constantes da linha divisoria escaparam muitas vezes á attenção do governo e, pela maior parte, deixaram de ser documentadas. A comparação da divisa no principio e no fim da epocha imperial (tanto quanto é possível faze-la) mostra modificações importantes sobre as quaes, como no já referido caso de Bragançna, não se encontra documento algum. Os dois casos abundantemente documentados de Franca e Eleuterio são provavelmente typicos de diversos outros que, por qualquer motivo deixaram de figurar no archivo de São Paulo.
            Logo depois da independencia circularam nos districtos de Franca e Batates abaixo-assingnados pedindo a annexação destas freguezias á província de Minas (pp. 672-673). Iso teria sido a realisação do antigo sonho mineiro da divisa pelo Rio Pardo. As notícias conservadas sobre este movimento separatista não lhe dão grande importancia, mas é certo que bastou para alarmar a camara da capital que dirigiu uma [XCIII] energica e bem lançada representação ao governo (p. 669) em favor da antiga pretensão da Franca a ser erigida em villa. Satisfeita esta aspiração em 1824, a nova camara tratou logo de restabelecer os limites antigos com Jacuhy restaurando na sua posição primitiva o marco destruido em 1816 (p. 675). A camara de Jacuhy, imitando a de Mogymirim em 1816 (p. 616), e quasi nos mesmos termos, respondeu exigindo a exhibição de uma ordem superior. Tendo tido, porém, por gozo proprio, experiencia da inanidade de protestos pacificos, tomou a precaução de demolir o novo marco antes de lavrar o seu protesto (p. 675) e de acrescentar uma ameaça de meios violentos caso não bastasse o simples protesto. A camara de Franca protestou em termos pacíficos (p. 616) e resignou-se a admitir o limite provisorio pelo Ribeirão das Canoas.
            A já referida questão no districto do rio Eleuterio (em 1816-1819) parece ter-se suscitado entre pequenos posseiros que reciprocamente se trataram de <<intrusos>>. Alguns annos mais tarde, em 1825, começou uma outra contenda que ainda hoje não está de todo acabada. Os princípios desta longa questão se acham bem documentados e, como exemplo typico, vale a peena narra-los com alguma minudencia.
            A acta da camara de Mogymirim de 1816 (p. 699) era lavrada n'uma fazenda denominada <<do Ribeirão do Eleuterio>> pertencente a José Gomes de Oliveira Franco, capitaão comandante do districto. A divisão era reclamada pela camara paulista como sendo a antiga era <<pela Serra Negra procurando a serra da Boa Vista>>. O marco collocado nesta occasião e censurado pelo Conde de Palma deveia ter sido nas immediações desta fazenda e não na Serra Negra como informou a Camara de Mogymirim em 1834 (p. 711). Os reclamantes mineiros de 1819 habitavam um bairro denominado <<Eleuterio acima>> que limitava rio abaixo com a fazenda do capitão José Gomes de Oliveira Franco, e a divsa que elles e as auctoridades de Ouro Fino reclamavam era da Serra Negra á Serra da Boa Vista como detalhe que falta nos documentos paulsitas de correr <<rumo direito>> (p. 635).
            Entendo as duas partes de accordo nesta epocha sobre a posição theorica da divisa, convem determinar com possível precisão os pontos indicados. As denominações de <<Serra Negra>> e <<Serra da Boa Vista>> eram indubitavelmente applicadas [XCIV] naquelle tempo, como ainda hoje, os epigões entre o Camandocaia e Rio do Peixe (Serra Negra) e entre o Mogyguassú e Jaguarymirim (Serra da Boa Vista). É de presumir que os pontos indicados nos documentos de 1819 como os sextermos da linha divisoria eram os em que as estradas licitas, ou mais frequentadas, cortavam outros espigões. Estras estradas eram a antiga de Bragança a Ouro Fino passando pela Campanha de Toledo e cortando a Serra Negra nas immediações do actual São José de Toledo[44], e uma estrada de Ouro Fino para São João da Boa Vista. Conforme uma informação da camara de Mogymirim sobre as estradas existentes em 1840[45], houve uma Guarda Velha a duas e meia leguas de Ouro Fino na bifurcação das estradas para São João da Boa Vista e a do Pinhal (Espirito Santo do Pinhal), e é lícito presumir que esta guarda estava na Serra da Boa Vista ou nas suas immediações.
            O acto do Conde de Palma, censurando a collocação de um marco pela camara de Mogymirim, embora perfeitamente correcto, dava em resultado animar as pretensões dos Mineiros, ao passo que de certo modo desarmava as auctoridades paulistas para a ellas resistir. Já em 1825 houve queixas (pp. 677-678) contra Bento José Tavares, capitão commandante do districto de São Pedro de Ouro Fino que, no dizer dos Paulistas, queria estabelecer novos marcos duasleguas para dentro [XCV] da divisa antiga[46]. Este mesmo commandante tinha attestado em 1819 (p. 636) que a divisa era da ponta da Serra Negra á ponta da Serra da Boa Vista, rumo direito, e que o marco da camara de Mogymirim penetrava mais de uma legua nos limites de Minas. O capitão Tavares tinha terras em ambas as provincias e procurava uni-las sob uma só jurisdicção dando preferencia á de Minas. Assim elle pagou dizimos na villa de Mogymirim até 1827, e o inventario de uma fazenda em que era socio foi feito na mesma villa (p. 701).
            Ao mesmo tempo havia queixas contra o commandante de Ouro Fino, capitão Antonio Correia Abranches Bizarro, a quem accusavam de dar protecção a criminosos e desertores a bem das suas especulações em terras (p. 677). O que é certo é que este official negociava em terras[47] e, por licitas que fossem as suas operações, eram em situações compromettedoras para quem estava encarregado da execução do Aivso Regio de 27 de Outubro de 1820 que prohibia estabelecer fazendas em logares duvidosos.
            Alguns annos mais tarde (1830-1836) appareceram novas queixas das auctorisdades de Mogymirim (pp. 695-714) contra instrusões mineiras nos terrenos do já fallecido capitão José Gomes de Oliveira Franco, animadas e protegidas pelo capitão Bento José Tavares. Ao que parece, houve um verdadeiro estado de guerra, estando Tavares e os seus aggregados [XCVI] entrincheirados em casa forte (p. 708). Nada mais consta dos documentos á mão sobre esta luta que entretanto, conforme as tradições locaes, ainda continuou por muito tempo sendo a parte mineira representada pelo coronel Emygdio de Paiva Bueno que falleceu cerca de 1859. O certo é que a jurisdicção mineira se firmou até a barra do Eleuterio pelo lado esquerdo do Mogyguassú, abrangendo o terreno que era da propriedade do capitão José Gomes de Oliveira Franco.
            Mais para o sul no districto do Rio do Peixe foi organisada em 1830 a freguezia paulista de Socorro (p. 693) com limites que não podem ser hoje precisados sem conhecimentos mais perfeitos da topographia e historia local da região. Parece, porém, que não são os actuaes limites da freguezia e do estado, e que mesmo naquelle tempo foram incluídos moradores que eram considerados como pertencentes a Minas. O trafego para Minas dava preferencia á estrada pela nova freguezia a ponto que em 1840 a estrada de Bragança por Socorro foi declarada geral, ficando a antiga pela Campanha de Toledo reduzida á categoria de estrada municipal (p. 949). Em virtude desta mudança, o presidente de Minas pediu licença para mudar a recebedoria da Campanha de Toledo para o logar denominado <<Guardinha>> dentro dos limites do municipio de Mogymirim (p. 949). Depois, em 1868, foi concedida licença para estabelecer uma vigia mineira no lugar denominado <<Grammal Grande>>, no mesmo districto de Socorro (p. 880). A posição destes dois pontos - Guardinha e Grammal Grande - não póde ser determinada sem conhecimento mais exacto da topographia da região, sendo porém de presumir que, de conformidade com a marcha usual, estão actualmente em territorio mineiro, ou sobre a linha nominal da divisa. De facto num documento mineiro de 1894 se fala de uma <<Guardinha>> sobre a linha divisoria, que  muito provavelmente será o mesmo documento de 1840.
            A questão da região do alto Sapucahy surgiu de novo em 1827 com um processo de despejo intentado pelos herdeiros de Ignacio Caetano Vieira de Carvalho contra Antonio Modesto. As terras occupadas por este ultimo, situadas proximo á Pedra de Itajubá ou de Bahú, tinham sido questionadas em 1813, quando Ignacio Caetano tentou defender com força os limites, reaes ou suppostos, da sua antiga sesmaria contra pessoas de Camandocaia que se estabeleceram na região com a protecção do capitão Manoel Furquim de Almeida. [XCVII] Em virtude do Aviso Regio de 22 de Agosto de 1814 Ignacio Caetano teve de sustar o seu pleito, e em 1816 o capitão Furquim de Almeida vendeu posses sujeitas a este litigio (p. 683). Depois do despejo ordenado pelo ouvidor de Pindamonhagaba, Manoel da Cunha de Azeredo Coutinho Souza Chichorro, auctor da Informação de 1812 sobre a questão de limites, Antonio Modesto continuava a occupar o sitio questionado sendo apoiado pelos commandante do registro de Santa Anna de Sapucahymirim, que representou ao presidente de Minas contra a invesão do territorio mineiro pelas auctoridades de Pindamonhangaba (p. 685). O ouvidor, depois de um inquerito p 943. procedeu a novo despejo que deu motivo a um appello ao governo geral no curioso requerimento de pp. 687-692. O presidente de Minas tomou providencias para evitar a repetição das desordens (p. 692); mas nada consta da solução dada á questão em si, ou de qual das duas provincias ficava com as terras.
            Uma nova tentativa, desta vez por meio de uma combinação entre os governos das duas provincias, foi feita em 1839, para remover o registro mineiro para a garganta de Santo Antonio do Pinhal (Quartel Queimado) (p. 717), porém esta naufragou perante a tenaz resistencia da camara de Pindamonhangaba (p. 947). Tres annos mais tarde a camara de Jaguary representou ao  governo geral pedindo a passagem para Minas de todo o territorio paulista em cima da Serra da Mantiqueira (p. 949). Os disturbios de São Bento do Sapucahy mencionados nesta representação parecem ligados ás perturbações politicas de 1842 e não propriamente a uma questão de limites. O governo mostrou certo interesse nesta pretensão da camara de Jaguary, pedindo por tres vezes informações a respeito (pp. 949, 952, 953), não sendo, ao que parece, attendido pela camara de Pindamonhangaba.
            Alguns annos depois (1845-46) os moradores de São Bento do Sapucahy representaram contra o imposto que eram obrigados a pagar no registro mineiro em transito de uma parte para outra da sua propria provincia. Nesta representação, que não foi encontrada, falaram do registro estabelecido no territorio da sua freguezia, sendo porém provavel que, como depois em 1857 (p. 819), a referencia seja ao antigo registro de Santa Anna do Sapucahymirim. A correspondencia do presidente de São Paulo (p. 718), porém, dá a entender que era um outro novamente estabelecido, e nesta persuasão o ministro [XCVIII] do Imperio deu ordem (p. 720) de retirar o registro, o que provavelmente não teve execução. Um novo protesto, em 1857 (pp. 818-821), contra uma guarda mantida nos campos do Jordão, em territorio que era effectivamente paulista não contestado, ficou sem resultado visto que o seu estabelecimento datava de 1837.
            Em 1858 ha noticias de duas novas estradas entre as duas provincias (pp. 821-822); uma de Jaguary a São José dos Campos, passando pela Serra dos Poncianos, e outra do Monte Santo até o Ribeirão das Areias para communicar com a estrada de Campinas, sendo esta provavelmente a actual estrada de Mocóca.
            Depois da tentativa, em 1825, por parte da camara da Franca para restabelecer no districto de Dores do Aterrado a demarcação feita em 1804 por ordem do governador Franca e Horta, houve um longo periodo, até 1849, em que esta região parece ter permanecido quieta. Uma guarda paulista que tinha sido mantida por algum tempo nas cabeceiras do Sapucahymirim, no lugar chamado Guardinha, na estra de Batataes para São Sebastião e Jacuhy, tinha sido abandonada; e as auctoridades de Jacuhy tinham exercido alguns actos de jurisdicção sobre diverso moradores a oéste deste ponto e já no valle do Sapucahymirim. Em fins de 1849 alguns destes moradores allegando que por ignorancia tinham prestado obediencia a Jacuhy, fizeram uma representação á camara da Franca declarando pertencer áquelle municipio (p. 723)[48]. À vista disto, a camara da Franca propoz á de Jacuhy (p. 723) uma commissão mixta para examinar os rumos da divisa conforme a indicação do Livro do Tombo da Villa de Jacuhy, visto ter sido destruido por um incendio o registro relativo á mesma divisa archivado na villa da Franca (p. 721). A camara de Jacuhy recusou este convite (p. 724), allegando que não era <<da sua attribuição ingeri-se na feitura de divisão civil, juridica ou ecclesiastica>>. A camara de Franca, consultando o presidente da provincia (p. 721), teve ordem de manter <<as divisas conhecidas de longo tempo>>, e então resolveu nomear uma commissão sua para correr a divisa antiga, communicando esta resolução á camara de Jacuhy (p. 725). Esta commissão balisou [XCIX] a linha passando pelos tres morros mencionados no Livro do Tombo - Morro Agudo dos Carvalhaes, Morro Redondo e Morro Sellado - ligando-os por linhas rectas (p. 723), das quaes uma passava pela referida Guardinha. Ao norte do Morro Sellado a linha marcada torcia para as cabeceiras do Ribeirão das CAnoas de modo a respeitar a posse mineira do districto de Dores do Aterrado, o qual tinha sido encorporado ao municipio de Passos. Contra esta demarcação a camara de Jacuhy protestou ao presidente de Minas (pp. 722-730), allegando que a linha traçada chamada para São Paulo cidadãos mineiros[49]. É para notar que neste protesto, que foi documentação com a transcripção do Livro Tombo e o Alvará da creação da villa, não se contestava a identidade dos pontos marcados - Morro Agudo dos Carvalhaes, Morro Redondo e Morro Sellado. A questão parece ter versado sobre o modo de ligar estes pontos. A camara de Franca queria faze-lo por meios de linhas rectas, o que aliás estava de conformidade com a phraseologia da certidão do vigario pe Jacuhy <<e no mesmo correr>>. A camara de Jacuhy não definiu a linha que pretendia; mas parece ter entendido que a linha deveria ser traçada de modo a lhe deixar todos os moradores que até então ella tinha considerado como seus[50].
            A camara de Franca, tendo communicado ao presidente de São Paulo o seu acto em correr a linha divisoria (pp. 731-734), recebeu ordem de restabelecer a divisa <<pelos logares que informa serem outr'ora os reconhecidos>> (p. 734), isto é, a antiga Guardinha e o Quartel do Aterrado. Esta ordem tem a mesma data que o officio do presidente de Minas transmittindo [C] o protesto da camara de Jacuhy (p. 730). Em resposta a camara da Franca levantou de novo a questão do districto de Dores do Aterrado (p. 735), mas não consta que fosse feita qualquer cousa a este respeito.
            Em princípios de 1851 o juiz municipal da Franca, indo fazer inventario numa fazenda situada a oéste da linha novamente corrida, recebeu uma intimação, de não o fazer da parte do juiz municipal de Jacuhy, que o ameaçava com o emprego da força (pp. 737-742). Dias depois o juiz municipal de Jacuhy veio fazer o mesmo inventario acompanhado (conforme as informações de Franca) de duzentos e tantos homens armados que arrancaram os novos marcos (p. 742). Estes acontecimentos foram pelos presidentes das duas provincias levados quasi simultaneamente ao conhecimento do governo geral (pp. 744-746), que mezes mandou colher documentos e informações a respeito das divisas (pp. 746 e 752), ordenando ao mesmo tempo que se observassem provisioriamente os limites reconhecidos antes da nova demarcação (p. 752). É a primeira vez nesta longa contenda que o govenro, intervindo para mandar observar o statu quo, restabelece o statu quo ante, sendo para notar que neste caso o emprego da formula mais correcta teve o costumado resultado da intervenção do governo, o de deixar a vantagem da posse com a parte que tinha recorrido a meios violentos.
            Em consequencia de uma referencia julgada menos exacta no relatorio do presidente de Minas, a camara da Franca apresentou, em Dezembro de 1851, uma minuciosa e lucida exposição de toda a questão (pp. 747-752).
            Em virtude das ordens do governo o presidente reuniu uma serie de documentos (pp. 753-754) que foram pubulicados no seu relatorio de 1852 (pp. 757-765), nada havendo porém que esclarecesse notavalmente o assumpto. Em officio ao ministro do Imperio o presidente José Thomaz Nabuco de Araujo lembrou a conveniencia de mandar um engenheiro proceder a indagação no proprio logar do conflicto e levantar a planta dos pontos contestados (p. 754). O governo, porém, julgou dispensavel medida tão sensata e comezinha e reiterou a ordem de colher documentos (p. 755) que, como era de esperar, nada adiantavam. Entre estes havia um de inquerito de pessoas antigas do logar que não foi publicado no relatorio e que não foi encontrado, mas que, no dizer do presidente (p. 756), determinava a resolução definitiva da questão [CI] em conformidade com a certidão do Livro do Tombo de Jacuhy. A solução dada, mandando respeitar as posses antigas sem as especificar e definir, na opinião do Dr. Nabuco de Araujo, <<augmenta as duvidas e incertezas e dá aso a novas pretensões de invasão>>. Esta previsão do presidente foi logo confirmada por uma representação da camara da Franca (p. 765) demonstrando a quasi impossibilidade da fiel observancia da ordem do governo sem que fosse corrida uma linha divisoria qualquer determinando com precisão a sua posição entre os tres pontos distantes que serviam de balisas.
            Em 1852, dois cidadãos da zona contestada, Antonio Alves de Figueiredo e João Pedro de Figueiredo, que mostravam especial empenho em pertencer ao município da Franca, apresentaram queixa (pp. 768 - 771) de perseguição a que foram sujeitos por parte das auctoridades de Jacuhy. Na certidão que acompanha esta representação é interessante notar que os quarteirões reconhecidos no districto eram São Francisco, Morro Redondo, Araras, Tomba Perna e Fortaleza, sendo os supplicantes moradores, conforme se vê no mappa de Aroeira, junto ao Morro das Araras perto do ponto 7 do esboço da pagina 845. Nesta epocha, portanto, Araras e Morro Redondo era reconhecida como localidades distinctas.
            Outra questão de inventario, desta vez entre auctoridades de Jacuhy e Batataes, deu em 1855 começo a um conflicto (p. 817), que parece não ter tido consequencias. Tambem sem consequencia foi uma questão em 1860 sobre a prisão de um barqueiro da Rifaina (p. 828), se é que não foi esta o motivo de uma representação da parte de Minas que despertou o governo geral a mover-se de novo no assumpto.
            Para acabar de uma vez com a questão, o ministro do Imperio, João de Almeida Pereira, lembrou-se de uma especie de commissão mixta, porém organisada por um modo que é novo no genero e que não se recommenda muito para uso futuro. Ordenou ao presidente de Minas que nomeasse um engenheiro para proceder á fixação dos limites, devendo este <<marchar de accordo com as respectivas camaras municipaes>> (p. 828). Ao presidente de São Paulo, em logar de ordem identica, mandou que désse ordem á camara de Franca para estender-se com o encarregado da demarcação nomeado pelo presidente de Minas (p. 827). Devia entrar em acção, portanto, a engenhosa combinação de uma commissão mixta composta de um delegado [CII] technico, representante immediato de uma das partes contestantes e armado como poderes especiaes do governo geral que haviam de ser exercidos conforme as ordens e instrrucções da dita parte e, para representar a outra parte, uma camara municipal do sertão, sem instrucções nem poderes alguns.
            O delegado, nomeado pelo presidente de Minas Vicente Pires da Motta (o mesmo que em 1850-51 tinha defendido valentemente as pretensões paulistas), foi o engenheiro Francisco Eduardo de Paula Aroeira a quem foram dados plenos poderes para, no caso de não poder conciliar as duas camara, determinar provisioriamente os limites por sia (p. 846.)
            O engenheiro Aroeira, depis de levantar um mappa topographico da região (que muito abona a sua capacidade technica), formulou um plano de divisão (p. 846) que propoz submetter a uma commissão composta de tres cidadãos probos e desinteressados representando cada uma das camaras interessadas (p. 836). A camara de Jacuhy, em logar da commissão perdida, delegou plenos poderes ao proprio engenheiro Aroeira, que assim entrou na conferencia como arbitro por parte do governo geral e advogado por parte da provincia de Minas e do municipio de Jacuhy. Nesta conferencia os representantes da Franca recusaram concordar no plano de divisão que, na opinião delles, ia além das prtensões de Jacuhy, recusando igualmente uma modificação proposta com o fim de conciliar os dois irmãos Figueiredo, os mais recalcitrantes contra o dominio Jacuhyense (p. 860).
            O plano organisado pelo engenheiro Aroeira estava estrictamente de conformidade com as instrucções que recebera do presidente de Minas (p. 846); estas instrucções, porém, eram mais proprias para um advogado da parte do que para um arbitro. Elle teve ordem para demarcar as divisas, tendo principalmente em vista os limites antigos <<em vista dos documentos que lhe foram confiados>> e os accidentes naturaes do terreno. Isto é, foi auctorisado a se guiar, como se guiou[51], pelos documentos apresentados por uma só das partes interessadas. Entre estes figurava naturalmente em primeiro lugar a certidão do ajuste amigavel entre os dois vigarios em 1786, e com certea faltavam os que provavem que a divisa de 1804, [CIII] marcada pelos dois quarteis, fora estabelecida por ordem do governador de São Paulo Franca e Horta, bem como a ordem do governador de Minas Conde de Palma mandando a camara de Jacuhy restabelecer em 1816 a secção Morro Sellado-Rio Grande desta mesma divisa, e os documentos que ao Dr. Nabuco de Araujo pareceram concludentes a favor da linha marcada em 1850. Pondo de lado como irregulares os acontecimentos de 1804, 1825, 1850 e 1851, elle tratou de restabelecer como unica legitima a linha de 1786, dando assim ao acto dos dois vigarios valor legal superior ao do governador de São Paulo em 1804.
            As balisas naturaes da linha de 1786 eram os morros Sellado, Redondo e Agudo dos Carvalhaes. Sobre a posição e identidade dos dois morroes que marcavam os extremos da linha, Sellado e Agudo dos Carvalhaes, não houve contestação. O que determinava a posição e forma da linha era o ponto intermediario, o Morro Redondo, e sobre esta appareceu em 1860 uma duvida que parece não ter existido em 1850-51. Conforme o esboço da camara da Franca este era um pequeno morro um pouco ao sul do Morro Sellado, e pelo auto da demarcação de 1850 (p. 733) vê-se que era perto do ponto denominado Campo Redondo. O mappa de Aroeira não dá nome a morro algum nesta posição (e não dá o nome Morro Redondo em parte alguma), mas figura o Campo Redondo em posição que corresponde com o esboço e documentos da camara de Franca.
            Accusando a gente da Franca de levantar grande poeira sobre o Morro Redondo (p. 857), o engenheiro Aroeira diz que uns o identificam com o Morro Cabecinha ao norte do Morro Sellado, e outros mais atilados com o Morro Alto, denominação esta que elle dá no mappa a um morro no outro extremo da linha, e muito mais proximo ao Morro Agudo dos Carvalhaes do que ao Morro Sellado (perto do algarismo 4 no esboço de p. 845). Desenvolvendo longa argumntação contra a hypothese do Morro Cabecinha, elle despacha com uma pennada a do Morro Alto, porém nenhuma referencia faz ao verdadeiro Morro Redondo dos Paulistas, unico mencionado nos documentos da Franca que nada conteem que por hypothese alguma possa ser applicado aos Morros CAbecinha e Alto. Ao que parece, a hypothese relativa a estes dois morroes tinha sido inventada, em nome do povo da Franca, pelos Jacuhyenses com o fim especial de embrulhar o delegado do governo. [CIV] Se foi assim, o artificio serviu admiravalmente. Com outra pennada elle identificou o Morro Redondo com o que no esboço da camara da Franca e no seu proprio mappa tem o nome de Morro das Araras.
            Como já foi referido, o protesto da camara de Jacuhy contra a demarcação de 1850 (p. 722) não contestou a identidade dos morroes então marcados. Para incluir a propriedade de Leandro Pimenta, que estava em qeustão em 1851, serviria linha attribuida ás pretensões jacuhyenses no esboço da camara da Franca traçada do Morro Redondo (dos Paulists) ao Morro do Bahú. Esta, porém, deixava para o lado da Franca as fazendas de Antonio Alves de Figueiredo e João Pedro de Figueiredo, os principaes propugnadores da rectificação da fronteira (p. 857), sobre as quaes se levantou questão em 1852. Para as incluir era necessario baptisar o Moror das Araras com o nome de Redondo e traçar a linha do Morro Sellado com uma quebrada pelo Morro da Fottaleza. O interesse em sophismar o Morro Redondo era, portanto, muito maior para Jacuhy do que para Franca, e póde-se presumir que a duvida foi levantada nesta occasião. A ligação do Morro Sellado com o Morro Agudo conforme queriam os de Franca dispensava uma balisa intermediaria, ao passo que para fazer esta ligação por uma linha quebrada, conforme o desejo dos Jacuhyenses, era indispensavel que o Morro Redondo sahisse fóra desta recta.[52]
            Além das provas já mencionadas da identidade do Morro Redondo e Morro das Araras, Aroeira apresenta uma serie de [CV] argumentos sobre o que os antigos haviam de fazer e deixar de fazer, que são, pelo menos, extremamente hypotheticos e só admissiveis na hypothese de que os antigos tivessem os mesmos conhecimentos da topographia da região e o mesmo empenho em favorecer uma ou outra capitania que havia no tempo do seu trabalho. Um destes argumentos era que as tres balisas da linha haviam naturalmente de ser proximamente equidistantes e intervisiveis entre si, como são os morros Agudo, Araras e Sellados (p. 857). Porém neste caso a divsia de 1786 devia ter sido por duas linhas rectas ligando estes tres pontos; e este modo de ligação, além de ser o mais simples e natural, teria sido, de algum modo, uma conciliação entre os dois contestantes. O engenheiro Aroeira, porém, interpretou as suas instrucções de marcar a divisão <<tomando por balisas os accidentes naturaes do terreno que sendo visiveis e conhecidos>> como significando que devia fazer a ligação por um cordão de morros o mais continuo que fosse possivel encontrar na região. Encontrou num documento antigo (não diz de que data a auctoridade), uma referencia que dava a divisa <<por cima da serra>>, e sobre esta base escolheu entre as diversas soluções possiveis a que dava uma linha cheia de reentrancias todas dirigidas por um capricho da natureza, de modo a favorecer as pretensões de Jacuhy á custa das da Franca.
            Uma outra parte do plano de divisão, com que a commissão de Franca não concordava, era a passagem da divisa pela parte occidental, em logar da oriental, do Morro Sellado dando em resultado passar para o municipio de Passos uma faixa de terreno que este não tinha reclamado (pp. 834, 841).
            Contra a divisão que lhe estava sendo imposta, em nome do governo geral, pelo delegado da provincia de Minas, a camara da Franca protestou n'uma longa representação dirigida á Assembléa Geral em que, com notavel habilidade e calma, discutiu os dados historicos e topographicos favoraveis ao seu lado da questão (pp. 838-848). Indo esta representação ao engenheiro Aroeira e á camara de Jacuhy para informar, estes se limitaram a classifica-la como obra de despeito. O primeiro declarou que tinha a consciencia tranquilla; que tinha executado exactamente as instrucções recebidas, e que no seu relatorio tinha prevenido (com vituperio previo) esta manobra da camara de Franca (p. 852). A camara de Jacuhy, além de exprimir a sua satisfacção com a obra do engenheiro, attestou [CVI] que este era muito boa pessoa e que deu cabal prova da mais completa imparcialidade alojando-se em hospedaria em logar de aceitar a hospitalidade que lhe foi offerecida (p. 853).
            O presidente de Minas que tinha dado ordem, antes da ida da commissão, á camara de Jacuhy para sobrestar em qualquer procedimento contra os moradores da zona contestada (p. 849), reiterou esta ordem depois de receber o relatorio Aroeira <<até que a presidencia, informada de tudo quanto diz respeito a este importante objeto pudesse com pleno e inteiro conhecimento de causa determinar provisoriamente essas divisas>> (p. 851)[53]. No emtanto veio um novo presidente, José Bento da Cunha Figueiredo, que transmittindo as informaçõeos sobre a representação da camara da Franca aconselhou o governo geral a mandar um engenheiro seu examinar a questão no proprio terreno (p. 851). O ministro do Imperio, José Ildefonso de Souza Ramos (depois Visconde de Jaguary), não aceitando esta judiciosa suggestão, mandou respeitar, emquanto a assembléa geral não resolver o negocio, o limite marcado pelo engenheiro Aroeira <<visto que, segundo elle informa no officio dirigido á Presidencia de Minas Geras, esta demarcação funda-se sobre as divisas fixadas pelo Alvará de 19 de Julho de 1814>>. Ao que parece, a Secretaria do imperio não se deu ao trabalho (que aliás era facil) de verificar a affirmação da camara da Franca de que sómente depois do Alvará citado e por um acto da camara já constituida de Jacuhy e censurado pelo governador de Minas é que a divisa passou para o Ribeirão das Canoas, que a nova demarcação tomava como ponto de partida. Talvez para a Secretaria do Imperio uma citação do Alcorão tivesse sido aceita como igualmente concludente para o caso. A Assembléa Geral nunca tratou da materia, e assim a divisa tem ficado até hoje.
            O caso de Caconde em 1865 (pp. 866-870) é bem typico da confusão em que tinha cahido o assumpto de limites, e [CVII] provavelmente representa muitos outros em que pedidos locaes de instrucções claras e precisas sobre os limites dos municipios ficaram sem resposta da parte do governo da provincia que nada de definitivo podia dizer. A camara de Caconde, pedindo copia authentica das suas divisas com Minas, recebeu em resposta uma dissertação vaga (como a remettida ao governo geral em 1867, p. 876) sobre os limites das duas provincias em geral, sem cousa alguma relativa ao caso especial. Ao mesmo tempo foi dada ordem á camara de manter-se dentro dos limites de posse não contestada, isto é de abandonar á parte contraria qualquer terreno sobre o qual esta se lembrava de levantar conflicto, quando pelo verdadeiro status legal da questão esta devia ter sido a norma a seguir por esta parte.
            Na occasião de se levantar, em 1867, um conflicto entre as camaras de Caldas e São João da Boa Vista entrou um novo elemento na questão que, sem que isto fosse claramente percebido de parte a parte, tem modificado notavelmente a sua feição. Na informação prestada por parte do governo de Minas vem uma descripção minuciosa (p. 873) da linha divisoria figurada pelo engenheiro Henrique Gerber no seu mappa da provincia de Minas Geraes publicado em 1862. Neste, que é trabalho de grande merecimento geographico, fez-se abstracção da divisa pretendida no terreno de direito pela provincia de Minas, e procurou-se traçar a divisa de facto de conformidade com os melhors dados existentes sobre os limites da jurisdicção effectiva de cada uma das duas provincias. Depois da publicação deste mappa, os Mineiros, sem o declarar expressamente, parecem ter limitado as suas aspirações á manutenção da posse nelle indicada. De outro lado, os diversos mappas publicados em São Paulo teem reproduzido essencialmente a linha divisoria traçada por Gerber, de modo que esta, por uma especie de tregua tacita, tem servido de limite nominal durante os ultimos trinta annos.
            Sendo assim, convem examinar ligeiramente o valor juridico desta linha. Como todo o trabalho de Gerber, a linha é conscenciosamente traçada. Nella, porém, como em todo o mappa que é apenas um esboço, faltavam, como ainda hoje falta, dados topographicos para a traçar com a neccesaria exactidaão e, nos casos de posse contestada, dados juridicos (e especialmente a audiencia da outra parte interessada) para dar-lhe um valor decisivo no assumpto. A linha representa, portanto, [CVIII] em esboço, o limite de posse, contestada ou não, conforme era conhecido em Ouro Preto em 1862. Para a anter no terreno do direito seria mister aos Mineiros identifica-la com a linha ideal de Thomaz Rubim de 1749 <<acompanhando por um lado a estrada de Goyaz>>, ou então com o limite dos actos de jurisdicção praticados por Luiz Diogo em 1764.
            Para resolver a questão entre São João da Boa Vista e Caldas, o presidente de Minas, Saldanha Marinho, lembrou uma commissão mixta (p. 871). O officio do ministro do Imperio consultando o presidente de São Paulo a respeito não teve resposta, estando archivado com a nota de ter sido remettido ao brigadeiro Machado de Oliveira para informar.
            Conntinuando o conflicto entre os dois municipios, o escrivão de Orphãos de Caldas ajuntou em 1874 uma grande serie de documentos comprobativos de actos de jurisdicção (pp. 889-904), que é bem typica destas questões locaes entregues por longos annos exclusivamente ao jogo dos caprichos e conveniencias dos moradores da fronteira. O litigio versava sobre a propriedade deixada por Antonio Martiniano de Oliveira que, no dizer da camara de São João, era Paulista que passou para Minas por causa de uma questão particular com o fundador da freguezia de São João (p. 905). Os seus herdeiros querendo com o mesmo direito, e talvez por motivos semelhantes, voltar para São Paulo eram confrontados com as provas da sua obediencia a Minas.
            Como é natural, tratando de uma questãozinho de aldêa, a nota predominante é a comica. Um inspector de quarteirão recebe a ccusa um officio de Caldas, e uma semana depois declara que ha 5 ou 6 annos é inspector por parte de São Paulo, onde fez selecção da sua residencia (p. 894). Outro mais certo da sua geographia e da fonte da auctoridade que tinha exercido (ou talvez tendo mais á mão os seus conselheiros paulistas) recusa e devolve a ordem de Caldas (p. 893). O sitio de um caipira analphabeto, mais experto, era paulista; porque o inspector mineiro, a pedido de um compadre, tinha deixado de o arrolar na guarda nacional de Minas (p. 901). Um official de justiça de Caldas indo fazer intimação para um inventario encontrou a viuva fugida (talvez raptada) para São João (p. 896), onde o inventario estava já em progresso. Uma auctoridade paulista firma o direito da sua provincia n'uma citação de Frei Gaspar de Madre de Deos (p. 907).
            [CIX] No emtanto a questão generalisou-se a ponto de grande numero de moradores da freguezia de São Sebastião do Jaguary fazerem uma representação pedindo a passagem de toda a freguezia para a provincia de São Paulo (p. 882). Dos documentos á mão não consta acção alguma da parte do governo de São Paulo, ou do governo geral, com referencia a esta representação. O certo é que a freguezia ficou pertencendo a Minas, sendo depois elevada á categoria de villa com o nome de Caracol ou Samambaia e incluindo, ao que parece, os terrenos questionados da fazenda do Oleo.
            As esperanças de uma solução legislativa da questão de limites entre as duas provincias naufragaram do mesmo modo que as diversas tentativas do poder executivo, e sobre o mesmo escolho, a inercia. Nunca o assumpto foi abordado com bastante interesse e persistencia para deslindar a confusão que se tinha creado em redor da questão, colloca-la nos seus verdadeiros termos em direito e tira-la do terreno dos mesquinhos interesses individuaes e locaes em que tinha cahido. Por diversas vezes, nas occasiões de um conflicto local agudo, a questão foi levantada no corpo legislativo onde por alguns dias despertou uma fraca manifestação de interesse seguida de silencio e de completa indifferença.
            A questão foi levantada pela primeira vez na Assembléa Geral pelo deputado paulista. N. P. de C. Vergueiro, que apresentou, em 1827, um projecto (p. 680) que no essencial era o estabelecimento da divisa do Assento de 12 de Outubro de 1765. A commissão de Estatistica deu parecer favoravel com uma emenda fazendo a divisão pelo Rio Lourenço Velho em logar da parte superior do Sapucahyguassú, isto é, passando para São Paulo grande parte do districto de Itajubá. O projecto, depois de uma ligeira discussão, ficou adiado indefinidamente.
            Em 1836 o Senado tratou da questão de limites interprovinciaes em geral, chegando ao ponto de sollicitar do governo informações sobre a conveniencia de fazer alguma alteração nos existentes (p. 714).
            No anno seguinte a Assembléa Provincial de São Paulo representou á Assembléa Geral sobre a necessidade da demarcação dos limites de São Paulo com o Rio de Janeiro e Minas Geraes (p. 714); porém não consta que esta representação fosse tomada em consideração.
            [CX] Na sessão de 5 de Julho de 1850 foi apresentado na Assembléa Geral um projecto assignado por cinco deputados auctorisando o governo a restabelecer as antigas divisas, ou designar novas, entre os municipios de Pindamonhangaba e Mogymirim e a provincia de Minas (p. 720). Este projecto não teve andamento.
            Os acontecimentos da Franca e Jacuhy em 1850-52 levaram a Assembléa Provincial de São Paulo a pedir certas informações (p. 768), sendo o pedido redigido em termos que implicam um protesto contra a solução dada pelo Aviso de 14 de Fevereiro de 1852. Alguma cousa que houve na discussão desta matéria motivou um pedido de explicações por parte do presidente de Minas (p. 772).
            Durante os annos de 1851-52 houve um grande movimento popular em favor da rectificação dos limites das provincias, ou a creação de novas, sendo dirigidas á Assembléa Geral innumeras representações neste sentido. As que se referiam á região sul-mineira eram em parte para a creação de uma nova provincia constituida principalmente pela comarca de Sapucahy, em parte para a passagem desta comarca para a provincia de São Paulo. Estas ultimas foram dirigidas á Assembléa Provincial de São Paulo (pp. 772-809). Provinham dos moradores da cidade de Pouso Alegre, das villas de Itajubá eJaguary e das freguezias de São Caetano da Vargêa Grande, São José do Paraiso, Ouro Fino, Campo Mystico, São José de Toledo, Santa Rita da Extrema, Capivary, Cambuhy e Bom Retiro, em fim de todos os centros de população ao sul do rio Mogyguassú na comarca do Sapucahy. A camara municipal da villa de Jaguary associando-se a este movimento popular, representou protestando contra o projecto de uma nova provincia (p. 801). A Assembléa Provincial, tomando conhecimento destas representações, resolveu publica-las e dirigir uma repersentação sua á Assembléa Geral (pp. 810-816). Esta submetteu a materia á sua commissão de Estatistica que se limitou a pedir a opinião do governo. Um projecto, apresentado pelo deputado F. Octaviano creando uma nova provincia do Sapucahy, cahiu em primeira discussão depois de um discurso em opposição do presidente do conselho, Visconde do Paraná; e não se tratou mais do assumpto.
            Na sessão de 1859 um deputado mineiro, Agostinho José Ferreira Bretas, renovou o projeto Vergueiro de 1827 [CXI] com uma variante dando a São Paulo o districto entre os rios Lourenço Velho e Turvo a léste do Sapucahy (pp. 822-826). Este projecto não chegou a entrar na ordem do dia.
            O Senado reiterou em 1867 (p. 874) o seu pedido de 1836 de informações sobre os limites das provincias, ficando nista a intervenção desta casa em negocios de limites entre São Paulo e Minas Geraes. Verdade é que as informações fornecidas (pp. 875-880) não esclarecerem o assumpto a ponto de, por si só, justificar qualquer acção da parte do Senado.
            O advneto da republica, em 1889, offerece um ponto natural para a terminação desta noticia historica, bem que a questão de limites ainda não chegou a seu termo tendo mesmo apresentado algumas phases agudas depois daquelle acontecimento. Uma das cuasas mais importantes da confusão que desde o principio se tem creado em redor do assumpto, a falta de conhecimento exacto da topographia da região contestada e da posição verdadeira dos pontos que entraram em litigo, está sendo removido pelas operações das commissões technicas que se acham occupadas no levantamento da carta topographica dos dois estados. Estas operações, que estão sendo dirigidas de preferencia para a região litigiosa sem de modo algum entrar na questão de limites, fornecerão dentro de um prazo relativamente curto elementos muito desejaveis para a discussão, e quiçá para a solução mais completa e intelligente da questão. Não serão, porém, de modo algum uma solução que ha de ser dada pelos orgãos legislativos e administrativos dos dois estados, ou da republica, e não pelos corpos techinicos. A este compete fornecer os dados necessarios para o estudo e discussão do assumpto pelo seu lado physico e, depois de ser elle resolvido pelos poderes competentes, traçar sobre o terreno e nos respectivos mappas a linha divisoria que foi determinada.
            Um outro obstaculo ao estudo necessario para a completa elucidação e solução da questão, a inaccessibilidade dos documentos a ella relativos, será em parte removido pela presente collecção. Oxalá que ella possa contribuir para colloca-la na sua verdadeira posição de questão de estado tirando-oa do terreno escabroso da luta de caprichos individuaes entre a parte da população menos apta para dirigir e resolver assumptos de tanta importancia e complexidade.



[1] Sem conhecimento minucioso da topographia da região é difficil comprehender este trecho. Pode-se presumir que as cinco serras são esporões lateraes do valle do corrego Passa-Vinte que a estrada atravessava na subida do espigão mestre da Mantiqueira. O paragrapho seguinte parece sustentar esta hypothese.
[2] A denominação - Serra da Mantiqueira - passou tão cedo a ser empregada como nome de uma cordilheira que é hoje muito difficil determinar com exactidão a verdadeira posição dos pontos mencionados nos documentos antigos como estando situados na serra. É quasi certo que no principio o nome, conforme o uso popular, designava uma única feição topographica, e que depois esse nome passou ao systema orographico ao qual pertence esta feição. Em geral os nomes dos systemas de montanhas são dados pelos geographos (como os de Serra do Espinhaço e Serra das Vertentes dados por Eschwege em 1822) e não pelo povo, e o caso da Serra da Mantiqueira é um dos poucos, se não o unico, no Brazil, de um tal denominação systematica creada pelo uso popular. Já em 1743 temos este termo empregado em sentido generalisado (p. 10). O extracto acima reproduzido da obra de Antonil dá provavelmente a primeira occurrencia impressa do nome (com a forma antiga da Amantiquira) e fixa a localidade da primitiva Serra da Mantiqueira no alto entre o ribeirão de Passa Vinte do lado do Parahyba e o de Passa Trinta (hoje Passa Quatro) pelo lado do Rio Grande, isto é, na garganta do Cruzeiro da cordilheira da Mantiqueira.
[3] Como não há noticias modernas exactas deste marco, é duvidoso se ainda existe ou não, constando, porém, que na construcção da Estrada de Ferro Rio e Minas foi encontrado um marco no alto em cima do tunnel.
[4] Conforme o Diccionario Geographico de Saint-Adolphe' as minas de Campanha foram descobertas em 1720 sendo a freguezia creada quatro annos depois. O seguinte documento confirma esta affirmação, que também está de acordo com o que dizia em 1773 Ignacio Caetano Vieira de Carvalho (p. 489) que uns 60 ou 70 annos antes Gaspar Vaz, chamado Ouyaguara, abriu o caminho de Pindamonhangaba para Sapucahy rompendo as campinas de Capivary, onde se acha a fazenda do dito Vieira de Carvalho (hoje Campos do Jordão).
            <<O Padre João da Sylva Caualo clerigo e Presbitero do habito de Sam Pedro: Certifico, em como entrei nestas novas Minas de Itajiba, em adjunto com Geraldo Cubas Ferreira com animo de assitir nellas, e dahi a hum mes, pouco mais, ou menos; encontrou Gaspar Vas da Cunha, cujo contando tando grandeza de Sapucahy, e com promessas altas, que me fizerão elle dito, e outros mais; me reduzirão a seguir viagem com elles, e como depois de chegados ao lugar me achasse no engano: tornei para estas ditas Minas : donde estou assistente, por nellas achar ouro de sobra e com conta pello que tenho visto em algumas esperiencias que fiz, e pello ouro, que tenho visto: tem labrado o Guarda Mor, e seu genro, e camaradas, e o estarem estas Minas em má openião por cuja cauza não vem gente a ellas: foi por cauza de hum cavalheiro, escrever cartas a Tabay bathe dizendo: não havia ouro nestas Minas, e que estavão bromadas; falço grandiozo, porque ao contrario tenho visto, e os mais, que aqui se achào; não tirào sim de uma cata arobas de ouro mas sim tirào couza, que os agrade; e por isto passar na realidade: Juro esta verdade in verbo sacerdotis. Novas Minas da Itajiba em Novembro 3 de 1723 annos. - O Padre, João da Sylva Caualo.
            Em um documento de 1755 (p.63) ha referencia ao <<Rio Sapucahy das Campanhas do Itajubá>>, donde parece que o nome Itajubá (Itajiba no documento supra) é denominação antiga da actual cidade da Campanha, ou alguma localidade na mesma região, A actual cidade de Itajubá, é muito mais moderna, e tomou o nome das minas de Itajubá hoje Itajubá Velho ou Soledade de Itajubá, logo adiante da Serra da Mantiqueira nas vizinhanças de Lorena, cujo descoberto, conforme Vieira de Carvalho acima citado, era alguns annos posterior á abertura da estrada de Sapucahy. Itajubá e também o nome antigo da pedra hoje conhecida pelo nome de Babhú no districto de São Bento do Sapucahy.

[5] Veja-se a carta de 8 de Junho de 1746 (p. 23). O original desta carta não foi encontrado. A copia tirada em São João d’Elrei dá a data de 4 de Março de 1743 para a carta sobre a questão da Campanha do Rio Verde. Esta carta, porém, refere-se ás posses das quais uma (a do rio Sapucahy) foi tomada nesta mesma data de 4 de Março de 1743. Há talvez engano na copia, devendo o ano ser 1744 no logar de 1743.
[6] Chichorro dá esta Provisão Regia como sendo a solução do conflito levantado em 1746 sobre os terrenos o oeste do Sapucahy, emquanto D. Luiz Antonio de Sousa a considera como tendo referencia ao conflito de 1743 (p. 235). Esta ultima interpretação parece ser a verdadeira e a que concorda melhor com os termos da Provisão, os quaes, na suposição de se referirem aos terrenos a oéste do Sapucahy, nada resolvem. Além disto, a resolução a 30 de Abril de uma questão que se levantou em Junho do anno anterior, embora possível, não estaria em harmonia com a extrema deliberação (levada em geral á completa impossibilidade) que se nota nos actos do governo portuguez em toda esta questão de limites. A resolução marcando o alto da Serra da Mantiqueira (em logar do morro do Caxumbú) para a divisa <<de toda que está desta parte (isto é, do lado mineiro) do Rio Sapucahy>>, conforme a insinuação da carta de Gomes Freire de Andrade, é inteligível, não o sendo porém na hypothese de ser a contenda a de 1746 relativa no território a oéste do Sapucahy. Para elucidar esta questão seria conveniente conhecer a correspondência de Gomes Freire de Andrade. Na falta dela a presumpção, tanto pela construção grammatical como pelos factos conhecidos, é que o <<além>> na frase <<guarda-mór post por esse Governo em um disticto além do Rio Sapucahy>> se refere a São Paulo e não a Villa Rica como ponto de partida.
[7] Até 1764 os Paulistas ainda ocupavam o pouco importante descuberto do Itajubá nas cabeceiras do Sapucahy um pouco á direita da sua corrente principal.
[8] Este nome figura no auto de posse do Arraial de Santo Antonio onde parece que era morador em 1743. Dizem outros documentos que era filho de Mogy das Cruzes. Em 1789 consta que estava residindo no districto de Curitiba (p. 391).
[9] Mais próximas, em linha recta, são as villas do valle do Parahyba, Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratinguetá, que provavelmente nesta época não tiveram vias de comunicação directa com o novo arraial. Tendo sido feita a primeira entrada pelo lado da Campanha, é provável que fosse aberta uma picada para S. Paulo passando por Atibaia (que ainda era apenas freguesia) ou por Mogy das Cruzes. Em 1765 D. Luiz Antonio de Souza ajuntou as certidões dos diversos actos de jurisdicção exercidos pela Camara de Mogy das Cruzes que vêm estampadas no capitulo III, sob os números 5 a 23 (pp. 25 – 39).
[10] Tres cartas trocadas entre o Governador e Lustoza, que foram encontradas depois de impressa a colecção referente a esta questão, acham-se no Appendice. (p. 911 – 913). Em uma destas cartas o Governador diz ter recebido ordem de conferenciar com o Governador de Minas, ordem esta que não consta dos documentos conservados.
[11] Os documentos de 1765, tanto de São Paulo com do Rio de Janeiro (p, 223 e 253), attribuem os actos deste Governador a uma aversão á Capitania de São Paulo; mas, se tal houve, ella não transpira dos documentos á mão sobre a presente questão. Houve, é certo, desejo de satisfazer aos Mineiros dando-lhes a desejada posse de Santa Anna do Sapucahy, fixando o limite por uma linha que, com os imperfeitos conhecimentos topográficos da região, parecia ser mais conveniente do que uma linha fluvial, especialmente pelo interesse do fisco, consideração preponderante em toda a administração colonial brasileira. A mesma preferencia de uma divisa pelas serras é expressa pelo Governador Luiz Diogo (p.p. 272 – 273).
            Onde Gomes Freire de Andrade claudicou lamentavelmente foi em encarregar a solução de uma questão que interessava a duas partes ao representante de uma só delas (a censura dirigida ao Ouvidor de São Paulo na representação da Camara (p. 119) não tem fundamento visto que as autoridades paulistas nem ordem nem convite tiveram para tomar parte da demarcação, (p. 42); em confiar uma importante operação geodésica a um leigo na matéria e aceitar, pelo menos tacitamente, o processo deste a bico de penna como satisfazendo ás suas instrucções que exigiam trabalhos de engenheiros com os competentes instrumentos.
[12] O mappa de São Paulo de 1766 dá uma fazenda de Carlos Barbosa na estrada de Goyaz, em posição que corresponde proximamente á de Cajurú, cuja fundação foi devida a uma doação de patrimonio em que figuram dous membros da família Barbosa e Magalhães (Bento e José).
[13] O mappa de 1776, muito exacto com referencias ás passagens de agua, representa a primitiva estrada de Goyas acompanhando, pela margem esquerda em Ribeirão do Inferno que não figura nos mappas recentes de S. Paulo. Os de Minas dão este nome ao ribeirão que passa em Carmo da Franca e parece fóra de duvida que este seja o mesmo do mappa antigo de S. Paulo. Conforme uma informação de Camara da Franca, em 1852, havia naquella epocha quatro estradas cruzando o Rio Grande nos portos de Santa Bárbara, Rifaina, Ponte Alta e Espinhos. O esboço que accompanha o documento de p. 453 representa só duas estradas existentes em 1805, das quaes a do Dezemboque é indubitavelmente a do Porto de Santa Barbara e a de Goyas concorda melhor com a do Porto da Espinha do que com qualquer das outras mencionadas em 1852. Alguns mappas tem o nome de Anhanguera junto ao Porto da Espinha e, a ser exacto (e não há motivos para duvidar), isto por si só basta para identificar a passagem da antiga estrada de Goyaz.
[14]         O auto diz-se ser feito debaixo do juramento dos <<praticos, nobreza e povos que presentes se achavão>>: o informante paulista de 1765 disse que os habitantes do arraial se abstiveram do acto, ao passo que o Governador de Minas Luiz Diogo Lobo da Silva disse em carta deste mesmo anno (p. 274) que a população o recebeu com grande satisfacção e que as pessoas que tinham ido de São João d'Elrei se abstiveram de tomar parte. Nenhuma destas affirmaçoes é rigorosamente exacta. O auto leva 18 assignaturas além das do Ouvidor e Escrivão. Entre estas, 5 eram de auctoridades de Santa Anna mais accessíveis do que o guarda-mór Lustoza á eloquencia do Ouvidor, e 6, pelo menos, eram de auctoridades de São João d'Elrei, visto que no auto da posse da igreja no dia seguinte este número (entre os 11 nomes que vêm repetidos do auto de demarcação) tem a declaração de postos officiaes. Restam 7 de filiação indeterminável que, a não serem subordinados ou <<phosphoros>>, representam o jubileu popular tão lyricamente pintados por Luiz Diogo, naturalmente baseado em communicações officaiaes contemporaneos archivadas em Ouro Preto.
[15] Conforme refere Accioli nas suas <<Memoria Historicas da Bhaia>> o Dr. Thomaz Rubim de Barro Barreto foi depois chanceller da Relação de Bahia. Mandado em 1757 examinar as minas de salitre de Montes Altos, o seu relatorio foi julgado pouco satisfactorio pelo Governador Conde de Arcos <<por falta de conhecimentos praticos de todas as materias necessarias a tal fim>>. Pelo fallecimento do Governo D. Antonio de Almeida Soares e Portugal, elles assumiu em 1760 o governo da Capitania, não sendo, porém, approvada esta nomeação pelo Governo da Lisboa que o mandou substituir.
[16] Esta mesma carta de sesmaria foi remettida pelo Governador de São Paulo para a executar, em 1772, cinco annos depois do Aviso Regio de 25 de Março de 1767 que se apresenta em Minas como sendo a approvação regia da demarcação de Thomaz Rubim.
[17] Está em erro o Diccionario Geographico de Saint-Adolphe dizendo que Caldas é o antigo Ouro Fino e que o nome do padroeiro foi mudado de São Francisco de Paula para São Patrocinio. No registro ecclesiastico do bispado da São Paulo, a actual cidade de Ouro Fino é a freguezia de São Francisco de Paula de Ouro Fino, e a cidade de Caldas a freguezia de Nossa Senhora do Patrocínio de Caldas do Rio Verde. Os mappas antigos de Minas dão o primeiro geralmente com o nome de Ouro Fino, os de São Paulo com o de São Francisco de Paula. O nome de Caldas não figura nos mappas de Minas senão depois do de 1808, estando porém representado n'um mappa de São Paulo que parece não ser muito posterior a esta última data.
[18] Pela maior parte os nomes destas localidades não figuram nos mappas, bem que seja provavel que a maior parte delles teem sido conservados e serão reconhecidos quando a região for levantada topographicamente. São: Borda do Matto, Conceição do Rio Grande, Desemboque, Ribeirão de Santa Anna, Corrego Rico, Ribeirão das Almas, Ribeirão Grande, Os Macieis, Ribeirão do Pinheiro, Ribeirão de São Pedro de Alcantara e Almas, Rio São João, Ribeirão dos Pinhaes, Ribeirão do Pinheiro, Conquista, e Barra do Sapucahy. É provavel que alguns destes nomes sejam repetições.
[19] Em 1765 o Governador de Minas Luiz Diogo Lobo da Silva justificou a posse que tinha tomado no anno anterior ao sul do Rio Grande e Sapucahy com a razão de que os Paulistas não tinham concorrido para a extincção dos quilombos. Já em 1755 os Paulista andaram perseguindo os quilombeiros do districto do Desemboque que consideravam como seu, ao passo que as operações referidas em territorio a que não tiveram pretensões, eram em 1759. É para notar que em 1749 Gomes Freire de Andrade dá a denominação de Quilombo a Ouro Fino, para onde se tinha retirado Martins Lustoza e onde, na occasião da posse do anno seguinte, foi encontrada uama capella.
[20] É interessante notar que, pelo mappa do seu itinerario apresentado por Luiz Diogo ao Conde de Cunha e que vem reproduzido neste volume, para chegar a este ultimo logar, elle teve de descer a Mantiqueira pela antiga estrada, entrar em São Paulo, passar perto de Piedade (hoje Lorena) e tornar a subir a Mantiqueira pela estrada que os Paulistas tinham aberto de Pindamonhangaba. Esta ultima foi mandada tapar, abrindo-se outra nova em direcção opposta para Capivary.
[21] É o que se conclue dos termos da Aviso Regio de 4 de Fevereiro de 1765 que se refere a uma carta de 13 de Julho de 1764 que não foi encontrada. À collecção original da correspondencia do Conde de Cunha no ARchivo Publico do Rio de Janeiro faltam alguns volumes, e a caopia do instituto Historico tirada em Lisboa não contem carta desta data nem outra qualquer que se refira especialmente a Jacuhy.
[22] O successor de D. Luiz Antonio o accusa, entre outras cousas ainda mais feias, de ter sonegado o registro das Cartas Regias. De todos os registros que ainda se encontram no Archivo do Estado, o da administração de D. Luiz Antonio é o mais caprichoso. O facto de se acharem algumas das cartas registradas por copia authenticada pelo proprio Governador provavelmente deu pretexto a esta intriga de Martim Lopes Lobo de Saldanha que, antes de estar um mez em São Paulo, rompeu nas mais desabridas e baixas accusações contra o seu antecessor.
O tal registro traz as longas instrucções do Marquez de Oeyras ao novo Governador referentes principalmente á guerra no sul e sem uma palavra sequer sobre a extensão e limites da Capitania pelo lado do norte. Muito curiosa é uma serie de 28 perguntas feitas por D. Luiz Antonio para o seu governo, as quaes descem até a questão de etiqueta na mesa, porém tambem guarda silencio sobre a questão de limites. Ao que parece elle julgou tão clara a sua missão a este respeito que dispensava o pedido de instrucções especiaes. Não estando conhecidos na occasião os actos de Luiz Diogo, não podia-se prevêr a tenaz resistencia que encontrou a restauração da Capitania, nem a calculada indifferença do Governo a este assumpto, tão importante aos povos do Brazil, porém tão insignificantes quando visto de Lisboa com olhos offuscados pelas contribuições aureas da distante colonia.
[23] Diversos documentos mineiros acusam Pedro Dias Paes Leme de parcialidade, por ser natural de São Paulo. Parece, porém, que na occasião elle estava mais ligado pelas suas funcções de guarda-mór das minas á Capitania de Minas do que á de São Paulo, e em todo caso elle tinha dado em 1748 prova de exempção de bairrismo opinando naquella occasião em favor dos Mineiros e em prejuizo de sua Capitania natal.
[24] Com muita dignidade, D. Luiz Antonio limitou a sua queixa á unica phrase. <<Não sei por que motivo ficou occulto ao meu conhecimento>> (p. 249).
[25] As notícias referecidas pelo alferes Sanches Brandão (p. 182) de que vinha força de São Paulo assistir o movimento revoltoso, devem provavelmente ser levadas á conta dos boatos da epocha. Nada indica nos documentos que D. Luiz Antonio tivesse sequer conhecimento, senão muito depois, da projectada revolta, e o contraste entre o seu modo de proceder com referencia ao alferes Sanches e o do Conde de Valladares dá a entender que, se alguem perdeu o seu jogo pelos actos deste official, esse alguem não foi o governador de São Paulo. A commissão dada ao coronel Ignacio da Silva Costa com a reccommendação de reserva (p. 914) foi logo no principio do disturbio e se referia á defesa da posição paulista sobre o Rio Pardo. O espirito de todos os documentos conservados é defensivo e não offensivo. A grande serie de documentos do appendice refere-se a acontecimentos no porto do Rio Pardo em fins de 1711 que parecem anteriores á sedição de Jacuhy, cuja data não é determinada. Da parte de Minas um official superior alheio ás questões locaes prudentemente insinuou o abandono da posição tomada sobre as margens do Rio Pardo (p. 932).
Outro episódio interessante desta quasi guerra é a carta escripta do tronco de Jacuhy (p. 137) <<donde não pretendo sahir ainda que me queira soltar emthé V. Mcê, dar as providencias a isto.>>
[26] Não consta resposta alguma aos officios do Conde de Cunha e de D. Luiz Antonio sobre o assumpto de limites. No Archivo de São Paulo ve-se que, pelo menos nos dois primeiros annos do governo de D. Luiz Antonio, os seus officios eram respondidos, ou pelo menos accusados, com admiravel regularidade e promptidão, menos os relativos a este assumpto que nem nota de recepção tiveram. Por qualquer motivo (que se póde presumir ser amor ás cem arrobas de ouro) o governo de Lisboa entendeu guardar um silencio de esphinge sobre esta materia.
[27] Na hypothese da validade da demarcação de Thomaz Rubim ainda haveria uma questão muito séria sobre o modo de traçar a linha ao norte do morro do Lopo. Estando eliminado no auto de demarcação a Serra de Mogyguassú das instrucções de Gomes Freire de Andrade, e não estando determinado o ponto em que a linha devia encontrar o Rio Grande, só resta o ponto de partida, o Morro do Lopo, e a expressão vaga << accompanhado por um lado a estrada que vai de São Paulo para Goiases>> para fixar a sua posição. Os diversos mappas de Minas apresentam alguns dos infinitos modos por que um tal linha podia ser traçada; e são interessantes, porque reflectem a opinião dominante na capital nas diversas epochas da sua confecção. Todos mostram um curioso empenho em combinar os dizeres das instrucções de Gomes Freire de Andrade com os do auto de Thomaz Rubim, augmentando assim desnecessariamente as difficuldades de já difficil tarefa.
O mappa de 1767, organisado debaixo da direcção do governador Luiz Diogo, traça um linha essencialmente parallela á estrada de Goyaz, do morro do Lope ao porto do Desemboque, arbitrariamente escolhido sobre o Rio Grande como o ponto de encontro. Esta linha corre pelo cume de uma serie de serras figuradas quasi em linha recta com uma notavel inflexão rodeando as cabeceiras do Jaguarymirim, mas sem designação especial da Serra de Mogyguassú. Acham-se assim perfeitamente combinados os dizeres da instrucção e do auto; mas no terreno não existe a tal série de serras alinhadas.
O mappa de 1778 de José Joaquim da Rocha representa uma serra isolada com o nome de Mogyguassú e traça a divisa por uma linha recta do Morro do Lopo até a tal serra; e dahi, outra recta até a estrada de Goyaz no registro paulista da Itupeva, donde segue a mesma estrada do Rio Grande algumas leguas abaixo do Desemboque.
O mappa da C. L. Miranda de 1804, que só representa um trecho da Serra da Mantiqueira e não dá nome á de Mogyguassú, traça a divisa pelo prolongamento deste trecho até encontrar o rio Jaguary, e por este rio abaixo até o ponto onde mais se approxima á serra que pela sua posição deve representar a de Mogyguassú. Deste ponto vai a divisa em linha recta até esta serra; segue o seu cume e depois, por uma linha ligeiramente sinuosa, segue o prolongamento d'elle até encontrar o Rio Pardo descendo por este até o Rio Grande. O mappa de L. M. S. Pinto de 1808 differe do último em traçar a linha divisorio por uma recta desde a ponte do Jaguary, passando pela Serra de Mogyguassú, até a estrada de Goyaz na juncção da estrada que vai ao Desemboque e Jacuhy, com uma outra que nunca existiu á esquerda do Rio Pardo, seguindo por esta estrada imaginaria até o Rio Grande.
Um mappa da Capitania de São Paulo sem data nem nome de auctor, mas que talvez seja obra do coronel João da Costa Ferreira, reproduzindo (em escala reduzida e com algumas ligeiras modificações) o mappa de 1792 em Montezinho, procurou traçar a linha divisoria, como declara na margem, <<conforme as ultimas ordens de S. Mage. por carta de officio do Ministro e Secretario de Estado Francisco X.er de Mendonça Furtado dirigida ao Vice-Rei Conde de Cunha (sic) com dat de 25 de Março de 1767>>. Neste a linha para Mantiqueira não attinge o Morro do Lopo; mas, deixando aquella serra pelo espigão entre os rios Jaguary e Comandocaia, segue por este até perto da barra do ultimo rio donde atravessa para as cabeceiras do Mogyguassú, seuge por este até o registro de Ouro Fino, donde atravessa outro espigão até o Rio Pardo perto das cabeceiras para descer por este até o Rio Grande. A linha divisoria assim traçada, sem estar de accordo com as pretensões de uma ou de outra parte, parece ser uma suggestão para uma linha de conciliação que comtudo attende mais aos interesses mineiros do que aos paulistas.
(A 16 de Agosto de 1821 o Governo Provisorio de São Paulo mandou preparar pelo Brigadeiro João da Costa Ferreira e Tenente Rufino José Felizardo uma copia mui exacta do mappa topographico da Provincia. O mappa a copiar era o de 1792 apresentado por Antonio Roiz. Montezinho quando subordinado a João da Costa Ferreira na commissão de limites com Hespanha. Por um documento conservado na Bibliotheca Nacional parece que João da Costa Ferreira considerava este mappa como obra sua, e já elle tinha feito diversas copias com addicções e correcções. Ao preparar a de 1821 podia ter achado a ocassião propicia para n'ella suggerir uma divisa de conciliação entre as pretensões das duas provincias).
Os mappas modernos de Minas (Wagner, 1855: Gerber, 1862; e Crockatt de Sá, 1884) procuram traçar a linha pela posse effectiva, não apparecendo nelles preocupação alguma com os dizeres dos documentos antigos. Os mappas modernos de origem paulista teem copiado, com ligeiras modificações, a linha dada por Gerber em 1862.
[28] Era esta a doutrina muito correctamente mantida por D. Luiz Antonio (p.934), porém esquecido por seus successores.
[29] Nem este nem o mappa geral da Capitania de Minas de 1767 traz o nome do auctor. Sabe-se, porém, pela collecção de mappas organisada pelo Barão do Rio Branco para accompanhar a sua exposição sobre a questão de limites com a Republica Argentina, que houve em 1768 em Villa Rica um soldado de dragões chamado Antonio Martins da Sylveira Peixoto que era habil geographo; e pouca duvida póde haver de ter este sido o auctor do referido mappa. Foi, talvez, algum degradado que tinha accompanhado, a commissão de demarcação de 1758, cujos trabalhos elle reproduziu no seu mappa geral do continente reproduzido em parte pelo Barão do Rio Branco.
[30] Ao que parece, a antiga estrada de Cabo Verde a Ouro Fino e itinerario de Luiz Diogo, cortava o Rio Pardo perto da barra do Capivary seguindo pelo valle deste rio.
[31] É um tanto difficil comprehender como foi entendida a divisa por esta parte nesta epocha. As testemunhas do Summario <<Velozo e Gama>> em 1789 (pp. 375-410) disseram que a divisa antiga era pelo registro de São Matheus e Rio Capivary. O Rio Capivary entra no Rio Pardo um tanto acima da actual cidade de Caldas. Parece que foi perto da sua barra que a antiga estrada de Ouro Fino a Cabo Verde e Jacuhy cortava o Rio Pardo e que alli estava estabelecido Verissimo João de Carvalho que, depois da posse mineira de Santa Anna do Sapucahy, em 1749, até sua morte (cerca de 1784 p. 370) era figura saliente desta região. Verissimo tinha estabelecido por ordem do governador de Minas uma tranqueira na beira da matta que margeia o Rio Capivary, provavelmente não muito distante da actual cidade de Caldas. As rondas do registro de São Matheus se estenderam até esta tranqueira; porém isto devia ter sido pela região aberta dos campos da serra de Caldas, isto é, no lado esquerdo do rio. Pelo lado direito parece que a occupação paulista nunca se estendeu além das cabeceiras do Bom Jesus.
[32] Nenhum documento paulista faz referencia ás ordens citadas de 1722 e 1743, e não se sabe o seu conteúdo. É curioso que este escripto não cite o Alvará de 2 de Dezembro de 1720 e a Provisão Regia de 30 de Abril de 1747 cuja relação com a questão de limites é a mais directa possível.
[33] Pela carta de Jeronymo Dias Ribeiro (p. 370) se conclue que foram <<Os Poços>> que deram o nome de Caldas á região, e que a fazenda de Ignacio Preto de Moraes estava situada na estrada para o registro de São Matheus e á vista do sitio dos poços. Devia, portanto, ter sido perto da garganta do rio das Antas, donde parece que a estrada do registro subia aos campos pelo valle deste rio, sendo de presumir que a descida era pelo lado opposto do macisso na parte conhecida pelo nome de Serra do Caracol. Com esta hypothese, é facil entender as duas entradas de 1787 e 1789. A região dos campos de Caldas se approxima á antiga estrada de Ouro Fino e Cabo Verde perto da actual cidade de Caldas, onde uma quebrada nas serras dá facil accesso á região campestre. Fazendo ambas as entradas por esta via parece que os Mineiros se dirigiriam na primeira para o lado dos poços, e na segunda para o lado da Serra do Caracol.
[34] Um <<Mappa do Termo da Villa de Campanha da Princeza inteiramente fechado por huma parte com os Registros que defendem os limites da Capitania, etc.>> conservado na Bibliotheca Nacional sob o numero 3202 (acompanha o codice n. 6557), representa os registros existentes em 1802. São: Jacuhy, Caldas, Toledo, Jaguary, Itajuba e Mantiqueira.
[35] Talvez fosse depois deste acontecimento que se estabeleceu a guarda de São Pedro em posição a dominar as communicações de Ouro Fino para São Pedro, viá o vale do Jaguarymirim passando pela Serra da Boa Vista.
[36] Estes marcos foram provavelmente collocados pelo tenente Ignacio Alvares de Toledo que pouco antes, em 1804, tinha sido commissionado a inspeccionar toda a linha divisoria e providenciar sobre qualquer invasão que fosse encontrada. (p. 446). Os dois marcos, representados no mappa apresentado em 1805 e que se acha reproduzido neste volume, definem o alto do espigão que termina no ponto Dezemboque designado por Luiz Diogo como ponto terminal da linha divisória. Assim quem os collocou observou (provavelmente sem intenção) estrictamente os termos do Aviso Regio de 25 de Março de 1767. Nesta epocha, porém, a opinião dominante em Villa Rica 9expressa nos mappas de 1804 e 1808 e nas communicações que deram origem á Provisão Regia de 10 de Abril de 1815, p. 581) era que a divisa devia ser pelo curso do Rio Pardo, ultrapassando assim a interpretação mais lata que se podia dar á demarcação de Thomaz Rubim.
[37] Entretanto é certo que o auctor da informação teve esta correspondência á vista; porque cerca da metade da sua collecção de documentos foi evidentemente extrahida da que acompanhou a exposição de D. Luiz Antonio de Souza, de 12 de Dezembro de 1766 (pp. 228 - 241); sendo porém omittidos alguns da maior importancia, como, por exemplo, o auto de Thomaz Rubim. Este silencio, que parece ser proposital, sobre os grandes esforços de D. Luiz Antonio em prol dos antigos direitos de São Paulo prejudicava extraordinariamente a causa que o auctor defendia, deixando ficar esquecido o facto de que o verdadeiro aspecto legal da questão era o statu quo convencionado entre os dois goverandores em 1767; que o Aviso Regio de 25 de Março de 1767, <<o palladio dos governadores e Capitães Generaes de Minas>> (p. 535), não tinha maior alcance do que o de 22 de Julho de 1766 (p. 283), e que o proprio Luiz Diogo não attribiu a este Aviso o caracter de <<palladio>>.
Um exemplo frisante da inconveniencia deste silencio sobre os episodios da questão do districto do Rio Pardo em 1765 - 1772 é fornecido pelas duas Provisões Regias de 10 de Abril de 1815 (p. 581 e 583), perguntando, no mesmo dia, a respeito da execução do Assento de 12 de Outubro e porque a divisa antiga tinha sido removida do Rio Pardo (onde nunca esteve). Ao que parece, a MEsa do Desembargo do Paço, no seu estudo da questão, não teve outras informações senão as incompletas e apaixonadas de data recente, e ingenuamente acreditava que a divsa podia estar ao mesmo tempo no Rio Sapucahy e no Rio Pardo.
[38] O copista da secretaria de São Paulo quasi sempre escreve <<Aridas>>
[39] As sesmarias n'esta região de que se temm encontrado notícia são: - de 27 de Setembro de 1790 a Ignacio Caetano Vieira d eCarvalho, João de Brito Marinho e Manoel José Botelho Mosqueria: - de 22 de Junho de 1795 (1 1/2 legua de testada e 1 1/2 legua de sertão) a Manoel Monteiro de Castilhos, José Marcondes do Amaral e Manoel Cerqueira Cesar: - de 19 de Outubro de 1795 (1 1/2 légua de testada e 1 1/2 legua de sertão) a Domingos Moreira Cesar e Salvador Leite do Prado, e de 11 de Novembro de 1785 (2 leguas de testada e 1 1/2 legua de sertão) a José Homem de Mello, Agostinho MArcondes do Amaral, Manoel de Olivveira Silva e Joaquim de Oliveira Silva. As descripções destas sesmarias são com referencia ás anteriores de Felippe Moreira da Costa (que passou a Domingos Marcondes do Amaral) e Gaspar Nunes de Mendonça, sem detalhes topographicos que sirvam para as identificar. A determinação da posição de limites destas antigas sesmarias daria, provavelmente, a explicação de muitas exquisitices da linha divisoria actualmente respeitada.
[40] Este mappa foi publicado em 1874 pela lithographia do Archivo Militar, porém sem indicação da sua origem e data. A modificação mais importante feita no mappa de 1792, sore o qual foi evidentemente calcado, é a a introducção da Villa Franca em posição que corresponde melhor com a de Cajurú.
[41] Ao passo que D. Manoel de Portugal e Castro defendia como podia e como lhe competia a posse effectiva da Capitania de Minas, elle externava a sua opinião pessoal em favor de <<limites naturaes e perpetuos>> (p. 590), observando muito judiciosamente a respeito de uma nova demarcação (p. 587) - <<Esta diligencia porém só se poderá effectuar á vista de uma carta mui cirumstanciada e exacta na qual, demonstrando-se os terrenos limitrophes, ouvidas todas as partes interessadas, e as pessoas mais intelligentes d'aquelles paizes, possão escolher os rios, e serras, que melhor sirvão de divisa ás duas Capitanias, tanto para a segurança dos direitos regios, e para acautelar extravios, como para a commodidade dos povos>>
[42] Poucos mezes depois, no Alvará de 25 de Fevereiro de 1815, creando na mesma região a freguezia de Batataes, o governo empregou uma redacção explicita e adequada ao caso - <<dividindo com a freguezia de Jacuhy pelos marcos da capitania>> (p. 747).
[43] Nesta epocha a principal estrada para Minas e a unica legalisada parece ter sido a que de Bragança passava pela Campanha de Toledo. A de Socorro, que depois se tornou a principal, ou não existia, ou era <<extravio>>.
[44] O mappa de Minas publicado em 1862 por Henrique Gerber representa a divisa correndo de São José de Toledo para Espirito Santo sobre o Rio do Peixe e cortando o espigão com uma configuração irregular que parece ser dada por uma estrada.
[45] <<Pelo que respeita a estrada de communicação deste Município com a Provincia de Minas Gerais, vem a ser - as vias de communicação d'esta villa e Freguezia de Mogymirim, que se diz estrada de Eleuterio. As vias da Freguezia de Mogyguassú que se diz a estrada do Pinhal, e as das Freguezia de São João da Boa Vista, ou Jaguary que vai juntar-se já dentro do territorio de Minas algumas cinco leguas em um lugar chamado Guarda Velha para para cá da Povoação denominada Ouro Fino duas leguas e meia. Assim como as da Freguezia de Csa Branca, que se dirigem a Caldas e Cabo Verde, Povoações de Minas. Também as da Freguezia de Caconde que comprehende terreno de cá e de lá do Rio Pardo e se dirigem umas a Caldas e outras ao Curato de Santa Barbara e a diversos pontos de Municipio de Jacuhy da Provincia de Minas Gerais>>. (Informação de uma commissão da Camara de Mogymirim a 4 de Julho de 1840).
[46] Em 1819 houve por parte de Minas um <<Quartel da Picada de Mogymirim>> (p. 635) (provavelmente na estrada do Eleuterio) e o <<Quartel do districto de São Pedro de Ouro Fino>> (p. 636 que provavelmente é a Guarda Velha mencionada em 1840. O mappa de Rath de 1877 dá <<Guarda de S. Pedro>> em posição que combina muito bem com esta hypothese. Da parte de São Paulo houve (em 1825) um Quartel de Mogyguassú (p. 678) e <<Quartel do districto do rio acima>>. Quando a região for levantada topographicamente deve ser facil identificar estas localidades. Outros pontos mencionados nos documentos e que devem ser identificados para a comprehensão clara desta historia são, Ribeirão da Cachoeira (p. 678), Ribeirão da Barra Grande, corrego da Porteira e Alto do Barreiro (p. 701).
[47] Na discussão havida em 1894 foi apresentada certidão de um titulo de venda com data de 16 de Abril de 1826 de <uma sorte de terras que houvemos por compra que fizemos ao Capitão Antonio Correia Abranches Bizarro, cujas terras sitas na paragem denominada Poço Fundo da parte do morro da Balea>.
[48] O districto em questão era o da Lagoa Rica onde duas cartas de sesmaria concedidas em Minas tinham sido transferidas para São Paulo em 1807 (pp. 482-487).
[49] Os moradores affectados por esta demarcação eram representados por 59 fogos (p. 755).
[50] O esboço apresentado em 1860 pela camara da Franca e reproduzido (com reducção da escola) a p. 845, representa muito regularmente as feições topographicas da região conforme se verifica por uma comparação com o mappa levantado na mesma epocha pelo engenheiro Aroeira. A linha marcada em 1850 ligava os pontos 5, 4, 3, 2 e 6 deste esboço. A attribuida á camara de Jacuhy concorda com esta entre os pontos 6, 2 e 3, indo em rumo direito de 3 a 12 e 13 onde quebra com uma outra recta a 5. Bem que os detalhes desta linha sejam dados pela parte contraria, nada ha nos documentos á mão que indique não representarem elles a verdade da questão de 1850, na qual não apparece contestação sobre a identidade do ponto 3 que figura no esboço com o nome de Morro Redondo.
[51] <<Tendo em vista os documentso que V. Exa. me confiou>> (p. 856).
[52] Não estando presentes os documentso citados pelo engenheiro Aroeira no seu relatorio (p. 858) para estabelecer a identidade do Morro Redondo e Morro de Araras, não se póde avaliar o seu valor juridico. É para notar que o attestado de Francisco de Paula Queiroz, dizendo que a fazenda da Fortaleza da familia Figueiredo era áquem da linha divisoria, foid ado na occasião em que as auctoridades de Jacuhy levantavam questão com Antonio Alves e João PEdro de Figueiredo e que o inventario da mesma fazenda parece ter sido feito depois desta data e no periodo em que por ordem do governo eram respeitadas as posses pretendidas por Jacuhy. O attestado do padre Manoel Coelho Vida, ao passo que diz que o Morro das Araras faz parte da divisa, dá o nome de Redondo ao Morro Cabecinha, parecendo portanto ser um pouco confuso nos dados topographicos. O facto citado por Thomé Garcia e Bernardo José não pôde ser avaliado por não figurar a posição das suas propriedades no mappa organisado pelo egenheiro Aroeira.
[53] Esta ordem foi dada pelo presidente Vicente Pires da Motta, o mesmo que tinha nomeado e dado instrucções á commissão. O seu sucessor José Bento da Cunha Figueiredo transmittiu as informações sobre o protesto da camara da Franca em termos que mostram que as achou pouco concludentes. O vice presidente Joaquim Camillo Teixeira da Motta no relatorio de 1862 diz: <<Não sendo approvados por esta Presidencia os trabalhos do dito engenheiro, foi em consequencia ordenado que continuasse a questão de limites no estado em que d'antes se achava>>.