AMÉRICO BRASILIENSE ANTUNES DE MOURA

365 DIAS DE HISTÓRIA DE MUZAMBINHO
Quarta-feira, 18/2/2015
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EDIÇÃO 49

Américo de Moura: um erudito na História de Muzambinho
Otávio Luciano Camargo Sales de Magalhães
 
Foto de “O Estado de S Paulo” de 21 de julho de 1953.
           
            Vamos apresentar a história de um muzambinhense, descendente de Pedro de Alcântara, que venceu num concurso para o celebrado Colégio Culto à Ciência, de Campinas, o professor Otoniel Motta e o famoso político Raul Soares.

Américo Brasiliense Antunes de Moura[1], filólogo, historiador, genealogista, professor do magistério público secundário de São Paulo. Foi membro da Academia Paulista de Letras, da Sociedade Paulista de Escritores e da Sociedade Paulista de Filologia. Também do Instituto Histórico e Geográfico, Instituto Heráldico Genealógico e Sociedade Científica de São Paulo.
Américo de Moura nasceu no Retiro das Palmeiras, em Santa Bárbara do Oeste, em 7 de julho de 1881, filho de Francisco Antunes de Moura, que foi Secretário da Câmara de Muzambinho e Amélia Lucinda da Mota. Ele foi batizado em Muzambinho com quase 2 anos de idade.
Existem dúvidas sobre seu nascimento, pois, apenas em 1922, num discurso de formatura, declarou o seu local de nascimento, tendo sido registrado como nascido em Muzambinho. Vários autores questionam que ele tenha nascido em Piracicaba devido aos cargos públicos ocupados pelo seu pai em Muzambinho na época de seu nascimento.
            Seu pai Francisco Antunes de Moura nasceu em 1853 em Campo Largo-SP e faleceu em 19 de setembro de 1902 em Santa Cruz do Rio Pardo, tendo como filhos Rafael Moura, Américo Brasiliense Antunes de Moura, Lucinda de Moura Araújo, Maria de Moura Azevedo e Joaquim de Moura. Lucinda Moura era casada com João Gonçalves de Araújo, proprietário das terras onde hoje se localizam o Estádio Antônio Milhão e a Escola Agrotécnica Federal – tinha fama de mandar matar seus desafetos; a filha de Lucinda, chamada Maria de Araújo, foi casada com Hugo Bengston, importante político de Muzambinho.
            Sua mãe, Amélia Lucinda da Mota, nasceu em Muzambinho em 31 de outubro de 1863, onde foi batizada em 10 de novembro. Amélia era neta de José Pedro de Magalhães, terceiro filho e filho homem mais velho de Pedro de Alcântara Magalhães, fundador de Muzambinho. Após ficar viúva ela voltou a morar em Muzambinho, até falecer em 1945, o que fazia com que Américo de Moura muito frequentasse Muzambinho.
            Francisco Antunes de Moura casou com Amélia Lucinda de Moura em 24 de maio de 1876, em Muzambinho, e lá teve seu primeiro filho, Rafael de Moura em 1877, tendo nascido o segundo filho, Américo Brasiliense, em Santa Bárbara do Oeste em 7 de junho de 1881. Os outros filhos dele, Lucinda de Moura Araújo[2], nascida em 30 de junho de 1884 e Maria de Moura Azevedo, nascida em 1888, ambas nasceram em Muzambinho.

            Américo de Moura foi casado com Lídia de Almeida Moura, contraindo núpcias em 23 de junho de 1904, em Sorocaba, e teve como filhos dr. Francisco Moura,  nascido em 16 de abril de 1905 em Campinas, engenheiro químico industrial, casado com Lourdes Tupi Caldas ou Lourdes Lousada Caldas; João Antunes de Moura, nascido em 3 de novembro de 1906 em Campinas, casado com Yolanda Evangelista; Américo de Moura Filho, nascido em 2 de novembro de 1908 em São Paulo, químico; Maria Virgínia Antunes de Moura, nascida em 15 de novembro de 1909, em Campinas, professora; Lídia de Moura Ferreira, nascida em 14 de julho de 1911, em Campinas, professora, casada com Jayme Pereira Ferreira; Joaquim Clemente de Almeida Moura, nascido em 22 de novembro de 1914, em Campinas, casado com Leonilda Carbonari; Rafael de Moura e Amélia de Moura, os dois últimos não citados na notícia de falecimento do mesmo e nem possuem data de nascimento em suas biografias, podendo não ter existido ou serem natimortos.
            Américo de Moura era cunhado do presidente do Tribunal de Contas de São Paulo, Genésio de Almeida Moura e do professor da USP Pedro de Almeida Moura.
           
Suas primeiras letras fez em Muzambinho, cidade natal da mãe e do irmão mais velho, onde morou de 1887 a 1890. Entre 1890 e 1899 trabalhou, morando em Guaranésia, Batatais, Sorocaba e São Paulo, e também Muzambinho. Apenas em 1900 pode ingressar na Escola Normal.
Formou em 1903 pela Escola Normal de São Paulo. Em 1904 conseguiu um emprego na Escola Normal de Campinas, na cadeira do curso Complementar, não sendo porém, catedrático.
Se destacou por ter sido o primeiro catedrático do Ginásio Estadual “Culto à Ciência”, segunda escola pública mais antiga do estado de São Paulo, e mais antiga do Brasil não localizada numa capital, vencendo em concurso público Raul Soares[3] e Othoniel Motta[4], o primeiro, importante político mineiro que poderia ter chegado a presidência de república se não morrido jovem, o segundo, que hoje dá nome para a terceira escola mais antiga de São Paulo, em Ribeirão Preto. Lecionou por lá e 1906 até 1914.
Após brilhantes provas de concurso, tendo como competidores o dr. Raul Soares de Moura e professor Otoniel Mota, foi nomeado em 8 de outubro desse ano para a cadeira de português, o professor Américo Brasiliense Antunes de Moura que exercia o cargo de professor na antiga Escola Complementar desta cidade. O professor Américo de Moura, inteligente e estudioso, deixou o exercício da cadeira em 14 de abril de 1914, por ter sido nomeado lente da Escola Normal Secundária da Capital do Estado. (N.A.: O Dr. Raul Soares foi, posteriormente, eleito Governador do Estado de Minas Gerais) Fonte: http://cultoaciencia.net/monografia2.htm
            Foi também catedrático de Português em São Paulo, lecionando até aposentar na Escola Normal da Capital, tendo lecionado entre 1914 e 1935 naquela escola e de 1935 a 1937 no Colégio Universitário de São Paulo.
Enquanto lecionava formou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, concluindo em 1920.
Após sua aposentadoria se tornou professor de Filologia Românica, Português e Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da PUC-SP, a partir de 1940, até falecer.
            Colaborava para diversos jornais e foi autor da obra sobre os primeiros povoadores de São Vicente.
            Foi um dos organizadores do IV Centenário de São Paulo.
            Sua biografia consta no livro Who’s Who in Latin América, Part VI, Brazil, de Ronald Hilton, publicado pela Stanford University Press, na Califórnia em 1948.
Entre suas obras está “Ensaio de filologia” publicado em Campinas em 1912; “O Problema do Trabalho”, 1921; “Antologia da Língua Nacional, 2 volumes”, 1944 e 1948. Além de outros obras como “Os Primeiros Povoadores Paulistas”.

            O processo 3.854, de 1953, de Miguel Sansígolo de outro, deu origem ao Projeto de Lei 191, de 1.953, que denomina Rua Américo de Moura a Rua Gravataí, antiga Travessa Olinda, compreendida entre a Praça Roosevelt e a Rua Caio Prado, na Consolação. Américo de Moura residiu no bairro Consolação desde quando veio para São Paulo em 1914. Na placa deverá conter “Rua Américo de Moura – Educador – Filólogo – Historiador – 1881 1953”. O projeto foi arquivado em 3 de maio de 1957 pois a Lei 4.939/56 deu nome de Américo de Moura para a Praça C no Butantã.
            A Lei 1277, de 18 de março de 1955, de Campinas, dá nome de Américo Brasiliense Antunes de Moura a rua 4 dos jardins “D. Bosco e Campinas” com início na rua 8 e fim na rua 6, sancionada pelo prefeito A. Mendonça de Barros.
            Faleceu em 21 de julho de 1953, com 72 anos, e foi velado em sua casa na rua Augusta 90, levado para o cemitério do Redentor.
           
           
Foto de GENI

A vida de Américo de Moura: Perfil Bio-Bibliográfico do Ilustre Filósofo e Historiador há dias Falecido
Academia Paulista de Letras[5]

            As nossas letras sofreram sensível perda com o falecimento nesta capital, a 20 deste mês, do professor Américo de Moura, ilustre filólogo e historiador, eleito para a Academia Paulista de Letras em 1949, sucedendo a Sud Menucci, como titular da cadeira nº 15, fundada por Alberto Faria e que tinha por patrono Luiz Gama.
            Não chegou, entretanto, a tomar posse.
            Sua vida é narrada na revista da Academia, da qual, “data vênia”, transcrevemos esse interessante perfil do saudoso educador e homem de letras, um dos grandes nomes da cultura paulista:

            “Américo Brasiliense Antunes de Moura nasceu no sítio Retiro das Palmeiras, em Santa Bárbara do Oeste, então freguesia de Piracicaba, em 7 de junho de 1881, e foi batizado em Muzambinho, Minas, já com 23 meses de idade.
            Seu pai, Francisco Antunes de Moura, falecido em 1902, em Sta. Cruz do Rio Pardo, era paulista, da antiga família sorocabana de tropeiros. Era tetraneto de um bandeirante celebrado pelos cronistas de Cuiabá pelo heroísmo com que perdeu a vida em 1726, em combate com os Paiaguás, no rio Paraguai – Miguel Antunes Maciel, de quem também foi descendente o falecido acadêmico Erasmo Braga. Casara-se em Minas e tendo voltando à província natal, depois de comerciar algum tempo em São José do Rio Pardo, tentou infrutiferamente a lavoura, naquele sítio.
            Sua mãe, d. Amélia Lucinda de Moura, falecida em Muzambinho em 1945, era mineira, filha de um negociante português, Joaquim Moreira da Mota, e bisneta materna de Pedro de Alcântara Magalhães, de Pouso Alegre, fundador de Muzambinho. Tinha também ascendência paulista, embora remota.
            Foi pagão quase dois anos porque o pai, desde que voltara para São Paulo, estava inclinado ao protestantismo, a que tinha por esse tempo aderido a sua família em Sorocaba.
            De 1883 a 1893, dos 2 anos ao 12 anos de idade, viveu em Minas, onde mal aprendida as primeiras letras (1887-1890), teve de entrar muito cedo na escola da vida.
            Paraninfando em 1922 uma turma de normalistas em Muzambinho, lá rememorou esse tempo sempre saudoso, em discurso que saiu a lume no “Estado de São Paulo”. Então, sem alerde, desfez publicamente, como lhe cumpria a dúvida que mineiros e paulistas tinham a respeito do lugar do seu nascimento, dúvida pela qual ele mesmo em grande parte se sentia responsável. Apesar disso, persistiu ela. Ainda há pouco, em artigo do seu antigo colega e amigo Basílio de Magalhães, viu-a de novo suscitada, e foi pessoalmente interpelado por distinto escritor patrício, ao qual se apresou em responder, juntando ao seu esclarecimento estas palavras:
            “Não posso insurgir-me contra os que ainda me consideram mineiro, porque eu mesmo, em minha mocidade, assim me considerei, e teria muita honra se o pudesse continuar a fazer, depois de integralmente incorporado à terra em que nasci. Tivesse eu continuado a viver em Minas e seria tão mineiro quanto foram paulistas, embora nascidos em Minas, os pais do meu avô paterno, que, por sua vez, foi um rio-grandense nascido em Sorocaba...”.
            Foi comerciante de 1890 a 1899 sucessivamente em Guaranésia, Muzambinho, Batatais, Sorocaba e São Paulo.
            De 1893 a 1896 foi empregado em Batatais de um italiano analfabeto. Fazia-lhe a leitura diária do “Fanfulla” e da “Tribuna Italiana” de S. Paulo, e, de quando em quando, a leitura e a escrita (!?) da correspondência com a família residente na Toscana. Nessas precárias condições, mas pelo melhor dos métodos, foi assim obrigado a aprender uma língua estrangeira antes de regularmente desenvolver o conhecimento da própria.
            Do vernáculo, porém, não descurou.
            E foi pelo mesmo método e nas mesmas condições precárias que continuo a estudá-lo, lendo e escrevendo incessantemente.
            Como em Muzambinho, lia diariamente os jornais do Rio e de S. Paulo. Valia-lhe para isso a camaradagem do carteiro, que de passagem lhe deixava no balcão, por uma ou duas horas, um pacote de correspondência impressa. Felizmente, a casa em que trabalhava era situada em ponto estratégico no Castelo. Bifurcava-se ali a rota da distribuição postal em dois grande itinerários. E era só aos domingos e feriados que, pela afluência de fregueses vindo da roça, tinha o caixeirinho o desgosto de devolver os jornais sem os ter lido.
            Livros eram-lhe inacessíveis tesouro. Não podia pensar em compra-los. E poucos, muito poucos, podia alcançar por empréstimo dos amigos. Destes, o que mais se distinguiu pela quantidade de material com que contribuiu para satisfazer a paixão pela leitura foi um barbeiro, fervoroso admirador de Eschich...
            Ledor de jornais, muito se interessava pela política. Na modestíssima bagagem com que viera de Minas, avultavam os números de “O País”, lá chegados pelo último correio, com abundantes notícias e comentários sobre o surto da revolta de Custódio de Melo. Ficou dominado por esse tema, obrigatório para as mais altas cogitações patrióticas no Brasil inteiro.
            Alistou-se desde logo entre os florianistas exaltados. Entrou em correspondência com correligionários do Rio e de São Paulo e foi agente de “O Jacobino” em Batatais. Além de que então se imprimia, inflamavam-no as cartas de Deoleciano Martir, escritas com tinta vermelha, em papel amarelo de pauta verde...
            Embora empregado de italiano, quando ocorreu o incidente dos protocolos, participou afoitamente de manifestações patrióticas de rua. Tanto se imiscuiu em política e tão exageradamente a sua capacidade foi avaliada, mais do que por ele mesmo, por políticos locais, que quase foi eleitor com 15 anos de idade. Não o conseguiu porque, publicado o edital de alistamento que lhe conferia o título, este foi legalmente impugnado pelo seu então adversário, o eminente presidente da Academia Paulista de Letras.
            Ao sair de Batatais, indo ao Correio providenciar mudança de endereço para a sua não diminuta correspondência, deteve-o uns instante para lhe dar paternais conselhos, o velho agente postal, conhecido como um dos monarquistas da terra, homem que habitualmente via desenrolarem-se os acontecimentos em completo mutismo. E por um momento se patentearam as afinidades existentes entre as desilusões desse venerando ancião e as que já tinha experimentado na política o adolescente jacobino.
            Dispunha-se em 1896 a seguir para o Rio de Janeiro, sonhando com matrícula na Escola Militar. Passou por Muzambinho a fim de visitar a família, que em vão tentou dissuadi-lo desse propósito. Embarcou para S. Paulo, ainda firme nele. Não tinha recursos para a viagem: pedira aqui um passe à Polícia... Isto só lhe caiu da mente ao entardecer daquele dia, quando se aproximava da capital. Então resolveu fazer um estágio em Sorocaba, onde moravam sua avó paterna, um tio e uma tia, professora, com a qual já mantinha correspondência epistolar. Daí escreveria para o Rio, enviando a um grande chefe político valiosa carta de recomendação que tinha...
            Em Sorocaba, depois de trabalhar dois meses como aprendiz de tipógrafo, tendo baldamete esperado uma resposta da capital da República, voltou a ser caixeiro.
            Logo se ligou a rapazes que tinham as suas idéias políticas e que o introduziram num grêmio literário de expressiva denominação – “Treze de Março”, núcleo de onde mais tarde veio a surgir o jornal “Cruzeiro do Sul”.
            Pouco tempo ali ficou. O primeiro surto da epidemia fez que se fechasse a casa onde trabalhava. Passou então para S. Paulo, ainda como empregado no comércio.
            Neste novo período de sua vida (1897-1899) esvaiu-se-lhe de todo o sarampo da exaltação jacobina. Só lhe ficou a febre de estudo que sempre o empolgara. Nos dias úteis trabalhava até às 19 horas e meia, às 20 cursava com assiduidade as aulas de Português e Matemática do professor Bonilha no Liceu de Artes e Ofícios.
            Os domingos e feriados, não se dedicava exclusivamente ao repouso e aos divertimentos e passeios. Tanto quanto lhe permitia a consciência da sua modesta situação, frequentava rodas de conterrâneos e amigos, que muito mais do que ele podiam consagrar-se ao culto das letras com aproveitamento, como foram especialmente duas – a dos irmãos Octaviano e Alberto Alves, acadêmicos de Direito e a dos irmãos Andrelino e Alfredo de Assis, preparatorianos.
            Na república dos primeiros, foi de longe que assistiu às atividades literárias que se concretizaram na publicação da revista “A Ondina”. Mas em casa dos últimos, que iniciavam com a “publicação” do manuscrito de “O Iris”, uma carreira fadada a não menos altos voos, fraternalmente se compartilhou os seus primeiros sonhos.
            No Liceu, promoveu a publicação de “O Início”, órgão efêmero dos alunos da classe. E entre os colegas de comércio encontrou rapazes, brasileiros e portugueses, que mais ou menos cultivavam as letras, e a eles também se ligou.
            Muitas eram as barreiras que se antepunham à sua ambição de estudar regularmente. Se as ponderasse, se nelas refletisse, seriam intransponíveis. Deliberadamente as desprezou, assim com desprezou todas as possibilidades de progresso na carreira comercial.
            Fez os maiores sacrifícios para começar a formação da “sua” biblioteca. Leu desordenadamente tudo o que lhe vinha às mãos, escrito em língua que entendesse ou supusesse que entedia. Subindo acima dos horizontes da literatura de cordel, armazenou conhecimentos vários – “disjecta membra”, no atabalhoamento, das suas leituras. E sem cessar escreveu, em prosa e verso, coisas que não podiam ter nenhuma consistência. No primeiro e único número de “O Início”, chegou a cantar “do ceticismo a luz altinitente e pura...”
            Na asa de pensão em que comia, na rua de Santa Tereza, esqueceu um dia na mesa do almoço umas tiras em que rabiscara uma de suas fantasias. Na hora do jantar foi encontra-las com esta nota marginal: “Monte de retalhos aproveitados”. Em certo sentido, justa era a crítica tanto para essa, como para todas as produções suas desse tempo – senão para todas as demais, mesmo as de hoje.
            De sua elaboração nesse período, como curiosidade, relembra dois episódios. Nas minúsculas colunas de “O Muzambinho”, inseriu um artiguete – “O Teleforo” – que foi um furo de reportagem: comentava as experiências de radiofonia, anteriores ao século XX, feitas em São Paulo pelo padre Roberto Landell, capelão do Colégio de Sant’Ana. E no mesmo ou noutro jornalzinho publicou pretenso artigo filológico, defendendo a grafia de Brasil com Z. Enviado a Álvaro Guerra esse artigo, o ilustre filólogo, longe de fulmina-lo com o clássico “Ne sutor”, fez-lhe gentil referência no “Correio Paulistano”, e dele dois ou três anos depois se lembrou ao examinar o seu autor no ainda chamado Curso Anexo.
            Em 1900 matriculou-se na Escola Normal da Praça da República, em que se diplomou em 1903. Nesse curso se definiram as diretrizes de sua vida.
            Tendo encontrado na sua turma valiosos elementos de cooperação, desse o primeiro ano ali conseguiu a publicação de uma revista literária – “Névoas”. Por algum tempo, continuou a ter veleidades de criação poética. Mas a natureza do curso determinou salutar transformação em seu espírito.
            Por modesto que seja, um curso regular sempre impõe ordem ao ao caos, sempre normaliza noções tmultuariamente adquiridas, sempre ensina a estudar com proveito, a coser melhor os retalhos que nos proporciona a leitura e a observação pessoal, sempre arma a nossa personalidade com os meios necessários para corrigir defeitos da observação própria e da própria reflexão, sem prejuízo do que elas têm de peculiar, mediante o aproveitamento das alheias, postas à nossa disposição no que lemos, assim como no que ouvimos.
            E, por modesta que fosse, a Escola Normal era “a Sorbone paulista”.
            Dando ao estudante a consciência de uma nobre missão social, o “vírus” pedagógico somente se combinou com outros de pesquisa científica, como o filológico. E, nesse caldeamento, as manifestações externas de aspirações puramente estéticas, de estreito subjetivismo, tiveram de extinguir-se por natural recalque.
            Houve concausas; uma, a ocorrência da morte de seu pai, longe da família, numa fazenda, como mestre de meninos outra, o seu noivado com uma prima, de que resultou casamento feliz; e, mais que essas, porque também foi poderoso elemento de catalisação – “do Crististianismo a luz alvinitente e pura”.
            Foi assim que se fez professor.
            Em 1904, por indicação do diretor da Escola Normal, como prêmio extra-regulamentar do seu curso, foi nomeado para uma das cadeiras da escola Complementar, hoje Normal, de ampinas, já então formadora de professores preliminar.
            No mesmo ano, em renhido concurso, com 17 competidores, disputou uma cadeira da escola em que formara – a de francês. Posto em igualdade de condições com Miguel Alves Feitosa e Horácio Scrosoppi, velhos e acatados mestre, alcançou honroso segundo lugar na classificação.
            Em 1906, tendo como opositores Otoniel Mota e Raul Soares, que já tinham grande projeção como expoentes de nossa cultura, obteve em concurso a cadeira de Português do Ginásio de Campinas.
            Viveu nessa cidade até 1914 tendo nela nascido todos os seu filhos atualmente vivos e dois falecidos.
            Ai publicou alguns trabalhos: - “A Função Subjetiva do Pronome SE” (1906) – “A Gramática Expositiva e o SE Sujeito” (1907) – “Rio Branco” (discurso proferido no Centro de Ciências Letras e Artes), “Ensaios de Filologia – Lira Eólica – Ortografia Portuguesa” (1913) – e outros esparsos em jornais e revistas.
            Passou para São Paulo em 1914, tendo alcançado em concurso a cadeira de Português, Literatura e Latim da Escola Normal, a cujo corpo docente pertenceu durante mais de vinte anos.
            De 1916 a 1920 seguiu o curso de Direito na Faculdade de São Paulo numa turma de que fora examinador nos exames de admissão, turma brilhante, em cujo seio foi carinhosamente acolhido e em que sempre fez parte da “banda de música”. Como acadêmico, também foi membro do Conselho Deliberativo da Liga Nacionalista.
            Pouco depois, inscreveu-se em concurso aberto para o provimento de uma vaga de professor substituto da mesa Faculdade, apresentando as teses – “Quais os Princípios que se Devem Adotar na Legislação Social Brasileira?” – e – “Qual a Natureza da Relação Jurídica entre o Estado e o Funcionário Público?”. As provas desse concurso, adiadas pela Congregação, depois de aceitas as referidas teses, foram afinal suspensas pelo Governo da República, sem respeito ao direito adquirido pelos candidatos inscritos.
            Premido por grandes responsabilidades de família, por motivos de ordem econômica e financeira, não renovou a tentativa, em outros concursos, assim como não tratou de entrar na carreira da magistratura.
            Motivos de outra ordem impediram-no de tentar em outras carreiras de serviço público, a obtenção de postos de melhores perspectivas materiais.
            Desde 1921, ano em que publicou no “Diário Popular” uma série de artigos sob o título “O Cancro da Língua” e em que participou de um Congresso de Ensino no Rio de Janeiro, sentiu a necessidade de procurar derivativos para aborrecimentos que tinha no magistério, dedicando-se a estudos de genealogia e história de São Paulo.
            Entretanto, continuou na carreira de professor secundário até que lhe fosse lícito aposentar-se, e, antes de 1930, ainda teve oportunidade para dar expansão ao seu velho mas sempre novo entusiasmo de professor.
            Aposentado no magistério oficial de 1937, desde então tem sido ainda professor, primeiro no Colégio São Bento, depois na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
            Reconciliado também com a Filologia, tem-na cultivado com outros ilustres confrades na Sociedade de Estudos Filológicos, em boa hora fundada por Otoniel Mota.
            E ultimamente se tem dedicado à publicação de obras didáticas, para o ensino da língua vernácula.”
            Entre suas obras, contam-se:
            - “Fronteiras Paulistas do Nordeste” (série de artigos no “Jornal do Comércio” de São Paulo – crítica ao laudo de Epitácio Pessoa).
            - “A família Antunes Maciel” (série de estudos genealógicos publicados na “Revista de Estudos Genealógicos” e na do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo).
            - “Povoadores do campo de Piratininga” (Monografia histórico-genealógica, publicada na “Revista do Arquivo Público Municipal”).
            - “O governo do Morgado de Mateus – São Paulo Restaurado” (na mesma Revista de 1938).
            - “Antologia da Língua Nacional” – “Os Fonemas Nasais em Indo-europeu” (“Boletim da Soc. De Est. Filol.”, vol. I).
            - “O Primeiro Cantor de Fernão Dias Pais” (id. Id., n.2)
            - “A Família Santos-Rosa de Sorocaba” (Ver. De Est. Geneal”).
            - “A Reforma Ortográfica” (mimeografado, São Paulo, 1948).
            - “Gramática Analítica de Língua Nacional”.
            - “O Domínio do Mar nas Bulas de Alexandre VI” (memória apresentada ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1946) e ao Congresso dos Americanistas em Paris (1947).
            - “A Penetração dos Sertões Mineiros no Século XVII” (obra de que alguns capítulos foram publicados em artigos de colaboração no “Correio Paulistano”).”

Otoniel Mota
Fonte: Academia Paulista de Letras


[1] Não confunda com o político Américo Brasiliense de Almeida Melo (1833-1896), que dá o nome para uma cidade paulista. É possível que o nome “Brasiliense” de Américo de Moura se inspirasse no político que foi presidente do Estado de São Paulo. Também não confunda com Américo de Moura Marcondes de Andrade (nascido em 1840) que foi Presidente do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro no Império.
[2] Com isso concluímos que os filhos de Hugo Bengston, inclusive o desembargador Hugo Bengston Jr, que foi presidente do TJMG, é descendente de Pedro de Alcântara Magalhães.
[3] Raul Soares de Moura (1877-1924)  já em 1900 era formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco em Ciências Jurídicas e Sociais. Entre 1900 e 1903 foi Promotor de Justiça e delegado de polícia em Carangola. Residiu em Campinas entre 1903 e 1910, onde foi professor por lá. Com a morte do irmão, assumiu a liderança política da região de Visconde de Rio Branco em Minas Gerais em 1910, abandonando o magistério em Campinas. Foi vereador e presidente da Câmara eleito em 1910. Em 1911 foi eleito deputado estadual, em 1914 foi nomeado para Secretário de Estado de Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas no governo de Delfim Moreira, onde ficou até 1917. Foi eleito deputado federal em 1918, mas, renunciou para ser Secretário do Interior de Artur Bernardes. Em 1919 foi Ministro da Marinha no governo de Epitácio Pessoa, sendo o primeiro civil a exercer o cargo. Em 1921 foi eleito senador por Minas. Foi eleito presidente do estado de Minas Gerais para o mandato de 1922 a 1926, vindo a falecer em 1924, quando era cogitado para ser futuramente presidente da república. Assumiu seu vice, Olegário Dias Maciel. Há uma cidade em Minas Gerais com seu nome.
[4] Otoniel de Campos Mota (1878-1951), natural de Porto Feliz – SP, foi filólogo e professor paulista, autor de uma das primeiras gramáticas históricas do Brasil. Também foi contista, ensaísta, gramático, pastor evangélico, diretor da Biblioteca Pública de SP. Sua obra inclui Ensaio Linguístico (1905), Amor Que Santifica (1909), Lições de Português (1915, 1941), O meu Idioma (1916), Selvas e Choças (1917), Horas Filológicas (1927), Israel Sua Terra e Seu Livro (1930), Chave da língua: Primeiras Noções de Gramática ministradas para crianças (1933), Lirismo Grego (1934), A Origem do Lirismo Português (1936), Perde-Ganha (1937), Horas Filológicas (1937), Seleta Moderna (1940), Do Rancho ao Palácio: evolução da civilização paulista (1941), Um Pouco de Folclore (1946),  Historietas (1946), Comentários aos Lusíadas, Muito Riso Muito Siso. Sua importância fez com que dê nome para a 3ª mais antiga escola pública de Ensino Secundário do estado de São Paulo e 2ª mais antiga do Brasil localizada em cidade que não é capital de estado. Foi membro da Academia Paulista de Letras, cadeira 17. Otoniel Mota era evangélico formado no seminário da Igreja Presbiteriana, lecionando em 1910 exegese e arqueologia bíblica. Em 1924 mudou-se para São Paulo e em 1928 fundou uma Associação Evangélica Beneficente para pacientes com tuberculose. Em 1936 e 1939 foi o segundo catedrático de Português da USP, sendo o primeiro Francisco Rebelo Gonçalves da Luz. Em 16.2.2015 não havia tópico dele na Wikipédia em Língua Portuguesa, apenas em Língua Alemã (http://de.wikipedia.org/wiki/Otoniel_Mota). Veja um conto de Otoniel: http://marocidental.blogspot.com.br/2013/04/um-sonho-caro-conto-de-otoniel-mota.html?spref=fb
[5] Publicado no Suplemento do Correio Paulistano em 26 de julho de 1953, nas páginas 14 e 13.