URIEL TAVARES e JACKSON DE FIGUEIREDO, SEGUNDO ETIENNE FILHO E ALCEU AMOROSO LIMA

365 DIAS DE HISTÓRIA DE MUZAMBINHO
5/1/2015
HistoriadeMuzambinho.Blogspot.Com especial para Muzambinho.Com
EDIÇÃO 5

URIEL TAVARES e JACKSON DE FIGUEIREDO, SEGUNDO ETIENNE FILHO E ALCEU AMOROSO LIMA
Otávio Luciano Camargo Sales de Magalhães


Jackson de Figueiredo[1]


Uriel Tavares  - Fonte: José Roberto Del Valle Gaspar

            Alguns textos são essenciais e de difícil acesso, e merecem ser reproduzidos. Aqui vamos trazer a transcrição na íntegra, de dois textos sobre Uriel Tavares de Souza Magalhães, um dos primeiros professores municipais contratados pela Prefeitura de Muzambinho e poeta, tendo frequentado apenas três anos no Lyceu, mas, muito admirado pelo seu talento, apesar de ser pobre.
            Uriel Tavares foi homenageado com uma comenda da Academia Muzambinhense de Letras e com um livro de autoria de José Roberto Del Valle.
            Importante ressaltar que um dos textos é de Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, importante escritor brasileiro, inclusive estudado nas escolas de educação básica na disciplina de Literatura.
            Aliás, Alceu Amoroso Lima foi convertido ao cristianismo por Jackson de Figueiredo Martins, filósofo fundamentalista cristão e ultranacionalista de direita, que, muito frequentava o município de Muzambinho, na condição de banca examinadora dos alunos do Lyceu dirigido pelo Prof. Salathiel de Almeida, o autor do cognome “Athenas do Sul de Minas”, utilizado para representar nossa cidade.
            Em seu livro “Humilhados e Luminosos” ele fala sobre Uriel Tavares, mostrando o talento daquele pobre lavrador, isto enquanto Uriel ainda era vivo.
            O texto de Ettiene Filho remete à Jackson, mas, numa época onde Uriel havia morrido, porém, descreve o papel do poeta na obra de Jackson.
            Já o texto de Alceu Amoroso Lima, publicado na imprensa nacional, fala mais de Jackson, e dá destaque importante para Uriel Tavares.


Uriel Tavaes, um dos “Humilhados e Luminosos”
J. Etienne Filho[2]

            Há alguns anos morreu em Guaxupé, Uriel Tavares
            Para a grande massa de leitores isto talvez passe despercebido. Mas muita gente, ainda assim, haverá por este Brasil que sinta a morte do pobre lírico mineiro, esta voz de poeta que não chegou a fazer-se ouvida como deveria ter sido. E esta gente serão os amigos e leitores de Jackson de Figueiredo, que dedicou a Uriel Tavares grande parte de um de seus livros, justamente o que foi “talvez o mais delicioso dos seus livros, ou pelo menos o que revelou aspectos mais profundos de sua alma” como disse Tristão de Ataíde no estudo que fecha o magnífico livro de correspondência daquele imenso sergipano, tão imenso que não há quem possa preencher o claro deixado com sua morte trágica.
            Uriel Tavares foi um dos a que Jackson chamou de “humilhados e luminosos”. Foi um dos grandes “exemplares da sua coleção de almas”, da sua “pequena Igreja”. Como que o descobriu. E quis revela-lo. Muito do Jackson isto. “E era tanto maior o prazer dessas descobertas, quanto o tesouro, estivesse mais escondido e mais humilde: dominava então o prazer da revelação, com que salvou de um completo e esquecimento alguns dos que ele denominada os humilhados e luminosos”. (Barreto Filho, introdução à “Correspondência” de J. de F., pág. 9). Aliás o próprio Jackson no prefácio daquele livro cheio de humanidade dizia:
            “Quem teve, porém, a sorte de encontrar uma dessas jóias, de brilho singular, deve, quanto lhe for possível, quando sabe que ela desapareceu ou está para afundar-se na voragem do tempo, relevar quanto do seu fulgor refletia em “eternidade, isto é, da suprema luz criadora”.
            Em Uriel Tavares, Jackson de Figueiredo encontrou um dos melhores exemplares da fauna humana, principalmente para ele que não separava o homem da obra.
            “Não sendo romancista, não dispondo mesmo da imaginação tem o autor a paixão das almas, maximé daquelas que via e vê passarem despercebidas da grande maioria dos homens”. (Prefácio de “Humilhados e Luminosos”). E, mais especificamente no estudo sobre o poeta de Muzambinho disse:
            “... nem tudo poderá caber na acanhada moldura de um ensaio, que é mais um preito de justiça ao homem, um sinal de amor, que propriamente um trabalho de crítica”.
            Insista sempre em que fazia, sobre Uriel, apenas “notações de psicologia, tão somente” deixando aos críticos que acaso o lessem o papel, a que se esquivava, de juntar as notações do senso estético e as do critério propriamente literário.
            E não faltou razão ao crítico de Auta de Souza querendo fazer ais conhecido o nome daquele versejador perdido no hinterland brasileiro. É que Uriel Tavares por momentos alcançou aquele ápice que o fez ser o representante do “talento espontâneo do seu povo, da sua poesia, da sua vida interior, no que ela tem de mais profundamente humano e digno de ser, no Brasil inteiro, aplaudido e, mais do que isto, vivamente amado”.
            Nasceu Uriel Tavares no bairro da Lagem, distrito de Muzambinho, a 10 de novembro de 1891. Foram seus pais José Melquíades de Souza, lavrador paupérrimo e Maria Clara do Rosário, uma simples lavadeira.
            Fez o curso primário e frequentou o Liceu de Muzambinho até o 3º ano, com o que adquiriu um pouco de ilustração e cultura.
            Desde cedo mostrou-se inclinado às musas. E com o auxílio de Júlio Bueno publicou em 1915 seu livro “Flores ao vento”, prefaciado por Pedro Saturnino. Notava-se grande influência de Alberto de Oliveira e Correia de Oliveira, vinda por intermédio de Pedro Saturnino. Pouca coisa se salva deste primeiro livro. Sempre há, porém, “uma ou outra nota de real sentimento e inspiração”, e Jackson, de quem é esta observação, citava este soneto:

            Daí por diante a maior influência poética de Uriel Tavares é Antônio Nobre a quem ele dedicará um longo poema “Através de um delírio”, página dolorida e de grande emoção.
            Mas a situação social e econômica do poeta que já era deficiente piorava dia a dia. Foi nomeado professor em um lugarzinho da roça, com um ordenado de 30$000 por mês[3] (!) Desistindo dele Uriel Tavares passou a cultivar a terra. Aí se mostra a grande e bela formação do seu espírito cristão, que lhe dá uma consolação suave e terna, na desgraça.
            Muitos anos assim viveu Uriel Tavares. Pobre, miserável mesmo, doente, padecendo da epilepsia, vindo a morrer, desconhecido e humilde nos últimos dias de março do ano corrente.
            Poucos serão os que terão chorado sobre seus despojos e os que terão levado à última morada, naquela terra que ele cultivou e tanto amou, tirando-lhe os rendimentos com o suor do seu rosto e triando-lhe também vários belos motivos com que fazia versos, aqueles versos simples, como era simples a sua vida, a sua terra, a sua alma.
            Com estas notas querendo como que compensá-lo das injustiças da sorte que tão mal o aquinhoou. E queremos també que haja mais gente que se comova com o drama de uma vida desconhecida e se deslumbre um pouco na contemplação do que esta vida tirou um espírito puro, ocupado na contemplação de Deus e da natureza.
*
            Devemos ao sr. Camilo Paolielo, grande protetor de Uriel e que foi quem o apresentou aos intelectuais e jornalista que ali acorreram, muito exclusivamente para conhece-lo, os dados supra e alguns poemas inéditos, dentre os quais destacamos:

            Para finalizar esta série de transcrições damos agora esta “Canção da Saudade”, página de grande delicadeza e sentimento, datada de 1930, e em que, com as 10 quadrinhas, maravilhas de simplicidade, o poeta diz coisas novas de um tema velho:

                Ainda em vida mereceu o poeta de Muzambinho, referências e aplausos de Carlos Góis, de Pedro Saturnino, de Mário Magalhães, de Honório Armond, de Almeida Magalhães, de Jackson de Figueiredo, de Felix Pacheco, de Veiga Miranda, de Perilo Gomes, de Hamilton Nogueira, de Agripino Grieco.
            Isto não impede que a imensa maioria dos que lêem no Brasil e têm a capacidade de se comover ante uma emoção condensada em verso, continue a desconhecer a mensagem poética deste humilde mineiro, cuja vida decorreu terrivelmente obscura, que não teve o bafejo da glória, da fama, ou siquer de uma situação confortável, mas que, por isto mesmo, pôde realizar algo de humano, de vivido, de sentido, sublimando o sofrimento e a desgraça nas objetivações líricas de uma inteligência privilegiada e uma sensibilidade que não é frequente.
            Sobre seu túmulo se poderá colocar aquele “Foi poeta” que Álvares de Azevedo desejou para epitáfio.
            Uriel Tavares foi um poeta autêntico e, quer pelas condições de sua poesia, quer pelas condições de sua vida heroica e humilde, aproximou-se do santo, como o notou Jackson. Poeta e santo humilde, perdido na imensidão de um Brasil que se desconhece, lembrando aquele pensamento consolador de Péguy:
            “Il est évidente qu’il y a infiniment plus de saints obscurs que de saints publics”.[4]

           


Bibliografia
Tristão de Ataíde[5]

JACKSON DE FIGUEIREDO – Do Nacionalismo na Hora Presente; livr. Catholica, Rio – 1921 – Humilhados e Luminosos – ed. Annuario do Brasil. Rio – 1921.

            A personalidade do sr. Jackson de Figueredo apresenta uma unidade singular e da sua coerência deriva a sua força. Perante a inquietação, a complexidade ou a desordem da maioria dos seus contemporâneos, destacam-se as linhas simples do seu espírito. Sendo embora feito de um só bloco, parece apresentar, quatro faces principais – religiosa, oral, crítica e social. E a força da sua coerência pro´vem de que todas essas faces concorrem para a ação de cada uma, temperadas pelo mesmo espírito de intolerância e polêmica. Nunca, portanto, se apresentar qualquer delas isoladas, senão determinada pelas outras e subordinada a uma mesma finlidade de ordem humana, reflexo de uma ordem divina superior. É o que ainda vemos com os seus dois últimos volumes, em que predominam o caráter moral, no caso reminiscências e revelações do aspecto literário e o caráter social, no caso a sua profissão de fé nacionalista. Faz parte o sr. Jackson de Figueiredo do movimento conhecido como ação social nacionalista e neste pequeno volume, em forma de carta, ao Sr. Francisco Bustamante, procurou fixar a sua posição, com a franqueza de atitudes e a preocupação classificadora que lhe são comuns.
            Indaga primeiramente do que seja nacionalismo e concluo que é – “de um modo feliz ou infeliz, não importa, certo ou errado, e sistematização, digamos assim, do que hoje vulgarmente chamamos de patriotismo, a nacionalização do que é puro sentimento, ou quando muito, também um punhado de idéias rudimentares: - a ação de uma elite que, acertada ou erroneamente, repito, mas de boa fé, quer dar uma dada pátria o sentimento e a idéia de que já a constituo uma raça história, tão legítima quanto as que mais legítimas se julguem”.
            Entre parênteses, é mister ponderar que a boa fé, no terreno nas idéias, veio tanto quanto a intenção no terreno da arte, isto é – nada, como critério de verdade ou de beleza.
            Não sendo, porém, o nacionalismo, a seu ver, “uma sintomatização de idéias puras, de puras identidades, mas de fatos reais, de sentimentos reais, de idéias de ordem prática .... nós, nacionalistas, só uma obrigação temos a princípio: indagar da consciência nacional quais as tradições e os costumes, as idéias que de fato lhe são essenciais”. E assim procedendo, encontra em nossa formação histórica dois pontos que considera absolutamente tradicionais: - o espírito católico e anti-lusitano.
            Quanto ao primeiro – “dado que o nacionalismo quer ser a arregimentação de todas as forças do país, qual é a que, na ordem religiosa e moral, entre nós se apresenta com caráter universal – que o da maioria absoluta dos brasileiros” Parece-me que a resposta de todo homem de boa fé, amigo ou inimigo da Igreja, só pode ser esta: o Catolicismo.
            Quanto à segunda tradição básica do espírito brasileiro, afirma que – “o nosso nacionalismo visa, antes do mais, esclarecer aos portugueses qual deve ser o seu papel no cenário da vida brasileira”, já tendo escrito anteriormente que – “a verdade verdadeira é esta: toda esta campanha se dirige primeiro e principalmente contra o português, contra o nosso ex-colonizador”.
            Eis a sinopse do seu pensamento, o mais é desenvolvimento dos postulados estabelecidos.
            Praticamente a concepção nacionalista do sr. Jackson de Figueredo, mormente em sua objectivação, parece-me enormemente acanhada. Se os dois únicos ideais do nacionalismo na hora presente são – desenvolver o espírito religioso e combater a influência portuguesa, temos muito que se inutiliza entre esforços de Slsypho e estocadas de D. Quixote. É certo que ao nacionalismo deu, em princípio, o sr. Jackson de Figueredo a significação ampla de sistematização do espírito patriótico, mas logo restingiu a noção quando tratou de determinar a “ação” nacionalista atual.
            Primeiramente, é muito questionável se o catolicismo e anti-lusitanismo foram de fato os pontos vitais da tradição brasileira. O nosso povo é tradicionalmente católico, é verdade, mas por isso mesmo muito francamente, muito superficialmente religioso. O espírito religioso por tradição, é infinitamente mais frágil que o espírito religioso por convicção, e um estudo sumário de nossa história ou a observação dos nossos costumes mostram que a nossa religiosidade não tem na alma aquelas raízes profundas da gente espanhola, por exemplo, ou dos orientais em geral. Como cristãos e colonizados por católicos, não poderíamos deixar de ser católicos. Daí a concluir que o catolicismo seja um caráter, e, portanto, uma tradição essencialmente nossa, vai um passo, que me parece guiado mais por espírito de sectarismo que de objetivismo. Demais, o espírito católico nesse caso, nada teria de propriamente nacionalista, pois teríamos conosco todas as nações hispano-americanas e grande parte da Europa. O catolicismo seria uma forma de espírito universal e não de espírito nacional: seria o que tínhamos de idêntico nos outros e não de diferente deles. E se a esse espírito católico dermos, nesse ponto, a significação que justamente lhe atribui o sr. Jackson de Figueiredo, de estimulante ao espírito nacional, não é no espírito católico que vamos encontrar o caráter distintivo, mas nas consequências que ele conduz. O espírito em tese é o mesmo no Brasil, na Argentina, em Portugal ou em França: divergem as nacionalidades em outros caracteres estimulados se quiserem por aquele espírito, mas independentes deles.
            Essa primeira “lei básica do nacionalismo brasileiro na hora presente”, portanto, poderia quando muito, ser uma lei básica de todo nacionalismo, se não víssemos que o nacionalismo é uma força anterior na história ao catolicismo, independente hoje, como é fácil observar, da religião, e, apenas não incompatível com qualquer delas, recomendado mesmo e estimulado por muitos.
            A segunda “lei básica do nacionalismo brasileiro na hora presente”, para o sr. Jackson de Figueiredo é o – anti-lusitanismo.
            Houve incontestavelmente um espírito anti-lusitano no correr de  nossa história e a esse espírito devemos os mais seguros passos no caminho da nossa independência. Não se deveria, aliás, chamar em geral a esse espírito de anti-lusitanismo, pois é apenas uma forma particular do justo espírito de independência, que tem animado e anima hoje a todas as colônias. Mas se precioso e às vezes mártir foi esse espírito no correr do período colonial, ao natural e foi durante o século da independência, está-se tornando cada vez mais apagado – portanto artificial, quando posto em foco – pelo próprio curso das circunstâncias, determinadas sobretudo por dois motivos cardeais: a dependência econômica e política de Portugal e a nossa ascendência nacional. Como disse perfeitamente o sr. Fidelino de Figueiredo, um dos que melhor tem colocado a questão das relações luso-brasileiras. “O Brasil e Portugal seguem duas trajetórias diferentes”. Isso é evidente para qualquer observador que se coloque um pouco acima dos acontecimentos. Economica e politicamente, dois aspectos básicos do verdadeiro nacionalismo, estamos muito mais aproximados dos Estados Unidos que de Portugal, e, portanto, vejo muito mais justificação no temor norte-americano do sr. Medeiros de Albuquerque, que no temor lusitano do sr. Jackson de Figueiredo. Em um país na infância, de cartilagens frágeis, como o nosso, as transformações do espírito e dos problemas nacionais são consideráveis e rápidas, e a fidelidade à tradição não é característica peculiar de países em tais condições. Pelo fato de termos sido descobertos ou pelo menos povoados e colonizados por portugueses, pelo fato de termos vividos quatrocentos anos sob o jugo lusitano, pelo fato de ser a colonização portuguesa ainda hoje a maior das que nos procura, pelo fato de falarmos língua idêntica, nada indica que o problema lusitano seja, - ou pelo menos continue a ser – o nosso problema capital. O desequilíbrio entre litoral e o sertão, os pruridos separatistas de ceras regiões, a assimilação do elemento italiano ou germânico, as relações econômicas com a América do Norte, as relações políticas com os vizinhos fronteiriços, a questão social natural e importada, a cultura cosmopolita e muitos outros problemas são mais sérios para a nossa nacionalidade que as relações com Portugal. Todo nativismo mal compreendido é prova da fraqueza, como toda vaidade pessoal prova da ignorância. A verdadeira consciência da nacionalidade é serena, senão desdenhosa. Não temos uma nacionalidade e para formá-la é mister sermos nativistas – diz o sr. Jackson de Figueiredo, em mais otimista: creio na nossa nacionalidade, incipiente, mas forte bastante para nada temer do espírito português, embora ainda frágil demais e portanto necessitada de defesa contra outros espíritos, menos aparentes talvez e mais perigosos porque mais fortes e práticos.
            O nativismo dos Estados Unidos, traduz-se por uma imensa campanha nacional, com programas de seção e construção, que acabam de derrubar o homem que sobre os ombros suportou, por um momento, o maior fardo de esperança da história: o nativismo da Ilha Maurícia, como nol-o vão revelar brevemente um artigo na “Revista do Brasil” o sr. Arthur Neiva, se traduz por uma convicção unanime, risonha a palavra, concretizada em inúmeras associações, do peso do valor mauriceano sobre a marcha dos negócios do mundo...
            O verdadeiro nacionalismo é a ação construtora, a ação “por” alguma coisa e não “contra” alguma coisa. O verdadeiro nacionalismo brasileiro, é a consolidação higiênica, econômica, política, moral e intelectual da nacionalidade brasileira. É a política de saneamento, de independência econômica, de estímulo à produção, da paz no exterior para o trabalho interior. É o esforço pela difusão e pela escolha da instrução, pela moralização dos homens e pela formulação de um espírito brasileiro na arte como de uma contribuição brasileira na ciência. O nacionalismo é a formação de um corpo nacional independente, pelo estímulo de todas as correntes originais do espírito. A defesa contra o espírito estranho vem mais da solidez, do próprio espírito que do combate àquele. Já somos fortes bastante em corpo e em espírito para nada termos a temer de um imaginário perigo português. Se a imprensa de Lisboa ou do Porto desdenha ou insulta o nacionalismo brasileiro, só temos uma resposta a dar: mostra-lhes o que somos. Temos perigos certos contra os quais nos defender: - não dispersemos os nossos esforços contra perigos imaginários ou passados.
            O nativismo que ataca é imperialismo; o nativismo que se vangloria é jacobianismo; o nativismo que se isola é xenofobia; o nativismo que trabalha é nacionalismo.
            Nacionalizar é construir.
---
            Tão logo me levou a discussão da profissão de fé nacionalista do ser. Jackson de Figueiredo, que pouco espaço me sobra para o seu encantador volume, sobre quatro tipos curiosíssimos de nossa boêmia e da nossa memória literária. Deles, só é vivo o sr. Uriel Tavares, cuja vida dolorosa confrange o leitor nas páginas comovidas e comoventes em que a retraça o sr. Jackson de Figueiredo. – “Mas quem neste àspero mundo, quer saber do pobre, que lhe suporta o mais levo orgulho da inteligência? Pobre Uriel! Falharam de todo os seus planos de libertação. E foi então que o conheci: simples trabalhador da roça, contratado a mil réis ou mil e quinhentos por dia, quer dizer, ganhando o que não dava para comer do pior, do mais ínfimo. Assim ainda vive Uriel, isto é – queiram ou não os filhos de sua terra – assim ainda vive quem é, daquela cidade (Muzambinho) do ponto de vista propriamente literário, o nome mais altamente significativo, aquele que representa , por assim dizer, o talento espontâneo do seu povo, a sua poesia, a sua vida interior, no que ela tem de mais profundamente humano e digno de ser, no Brasil inteiro, aplaudido e, mais do que isso, vivamente amado.”
            Miséria essa, de uma existência tão pura e tão bela do poeta, quando a opulência.... Mas já me disse alguém que o dinheiro afinal é bem distribuído, pois geralmente quem o tem só com ele se consola do mar de viver, no passo que os “pobrezinhos de Deus” têm por si a maior e mais certa das riquezas – o espírito.
            “A Uriel, o recurso foi voltares ara a Natureza, sem que jamais esqueceu o homem dentro, neste maravilhoso cenário, como a viva testemunha da grandeza de Deus. Fez-se Uriel, não um admirador que se deixa dominar, mas um verdadeiro sacerdote do que a Natureza é o altar, o templo augusto em que ele canta louvores a Deus e à sua obra”.
Oh! Natureza! Quanto mais te estuda
mais à tua a minha alma se afeiçoa!
- Bendita seja tu; mas, sobretudo,
Bendito Aquele que te fez tão bela!
            É um fato de absoluta espontaneidade, de uma frescura singular de impressões, poetando por isso com a mais correntia das simplicidades e com poucos artifícios literários. É uma alma que, em seus versos, se abre inteiramente, por meio da mais transparente expressão de sua sensibilidade.
            No extremo oposto desse lirismo tão cristalino, se colocava o seu infortunado companheiro de misérias, esse curioso Pedro Kilkerry, “O Gregório de Mattos daquele período de vida bahíana”, na frase do sr. Jackson de Figueiredo, seu amigo de adolescência, que piedosamente evoca a sua memória, recolhendo as suas produções poéticas esparças.
            Em 1909, na Bahia, “uma figura havia, debatidíssima, endeusada aqui, atacada ali, mais dominante: era a de Pedro Kilkerry. Alto, magro, feio, feíssimo mesmo, mas de uma feiura distinta, singular, quase bonita, Às vezes, em que como que se distinguia uma luta contra o tipo norte-europeu de que descendida, e o mestiço brasileiro, que ele era”. Vivia em profundo desamparo, e, no entanto, - “jamais, enquanto teve por si a saúde, foi homem de quem se pudesse ter piedade ou consentisse mesmo numa ligação baseada em sentimento de solidariedade para com sua pobreza. Não. A pobreza e o sentimento tinham de ser como se não existissem... Porque Kilkerry, pobre como talvez nenhum dos que compunham aquele grupo de boêmios sentimentais, era, em meio deles, o menos sentimento, mais esquivo a lamúrias e queixas”.
            Pelo que de sua obra semeado ao acaso, nos revela o sr. Jackson de Figueiredo, pode-se concluir que Kilkerry terá sido mais legítimo representante brasileiro do simbolismo. “Pedro Kilkerry, que adorava a Dante, pertencia, no entanto, àquele período da poesia francesa e lhe reproduzia, aqui, integralmente, os ritmos mais desaventurosos que malditos”. Há aliás, coisas magníficas nos versos citados pelo sr. Jackson de Figueiredo, como por exemplo essa imagem de uma praia.
                                   O mar faz medo.... que espanca
                                   A redondez sensual
                                   Da praia como uma anca
                                   De animal.
            Outro inadaptável, morto também na adolescência, que nos revela o sr. Jackson de Figueiredo, foi Mello Leite, outro baiano como o desventurado Killkerry. “Foi Mello Leite pura e simplesmente um desgraçado .... um tipo comum a todas as literaturas, a sensibilidade das raças, condensada num só espécime doloroso.... Disse-me uma vez, a mim e a Pedro Killkerry, com sinceridade de que só ele era capaz, que aquele a quem Deus fizera o dom da poesia, devia ser poeta até o fim, fosse como fosse, désse no que désse, acontecesse o que acontecesse”. E foi um lírico admirável, de quem diz com razão o sr. Jackson de Figueiredo, ter sido “o poeta da Rosa Morena”, poemeto delicioso que assim começa:
                                   Aqui mal chego, ansioso destes ares
                                    Inda na [ilegível] de lá, na alma [ilegível]
                                   Vejos.... e seus olhos, como dois loares,
                                   Fitam-me na alma, vividos luziados.
            Dessa luminosa galeria, não deixou o último José Magalhães, a sua obra escrita, mas em compensação – “fez de si próprio uma obra de arte”. De sua alma admirável, a mais bela dos quatro talvez, fala o amigo com a mais humilde das saudades.
            E em todo o livro perpasse a mesma dor da vida inexorável, da sociedade fria e indiferente, da condição miserável neste mundo prático, dos que nasceram com a alma ferida do ideal.
                                               Tristão de ATHAYDE

Recebidos – Monteiro Lobato – “Os Negros”. Francisco Julia – “Eshinges”. Raul Brandão- “Ilumus”.



Pedro Killkery – foto da Wikipédia



[2] Texto publicado na edição número 14 da Revista Brasileira da Academia Brasileira de Letras, publicada em setembro de 1945.
[3] NE: Temos cópia do registro de Uriel Tavares como professor municipal.
[4] NE: “É evidente que há infinitamente mais santos desconhecidos do que santos públicos”
[5] Texto publicado no periódico “O Jornal”, do Rio de Janeiro, em 28 de março de 1921, ano III, núm. 648.